Um turismo às claras…
[O texto que hoje vos trago foi publicado em 15 de Abril de 2005, quase há seis anos, quando, no saudoso Jornal de Sintra, muito mais propícios, outros ventos sopravam... Infelizmente, as minhas considerações e sugestões de então, não perderam a mínima actualidade. Pelo contrário, depois de tanto tempo sem que nada tivesse sido alterado, ainda maior pertinência revestem.
Novidade para alguns, aí tendes o que se me oferece acerca da necessidade de melhor mostrar e identificar o património de Sintra. Desta vez, vai à especial atenção do Senhor Vereador do Turismo. A ver se deixa os slôganes baratos, da Sintra capital do Romantismo e quejandos, para vender esta terra a pataco ordinário, começando os serviços que dele dependem a ser um pouco mais operacionais e eficazes. É que já vai sendo tempo...].
É perfeitamente comum e geralmente aceite a estafada ideia de que Sintra é terra com uma vocação turística indesmentível. Pois admitamos que assim seja: beleza paisagística, património natural e edificado, gastronomia, cultura local e outros pertinentes atributos, na realidade, tudo parece concorrer no sentido de não pôr em causa a referida noção.
No entanto, se tivermos em consideração, por exemplo, o modo displicente como nos permitimos mostrar e apresentar Sintra a quem a visita, logo se instala a dúvida, não em relação à tal vocação mas, isso sim, quanto a estar à altura dos desafios colocados por esta pródiga e soberba terra.
Introdução tão geral, autorizaria um infindável número de abordagens, desde a incapacidade de obstar ao desleixo e estado de abandono a que estão votados tantos edifícios em pleno centro histórico, até à inércia letárgica que tem inviabilizado o ataque aos problemas do estacionamento, a gestão dos fluxos de tráfego (indutores, alguns, do encerramento de determinadas vias à circulação de viaturas automóveis que não as prioritárias) a imposição de um regime civilizado de cargas e descargas, etc, etc.
Vão permitir um parêntesis para lembrar que ninguém poderá afirmar que tais questões têm sido alheias às nossas preocupações. Pelo contrário, têmo-las partilhado com os leitores ao longo dos anos, jamais nos subtraindo a qualquer contributo, estritamente motivados pelo desejo de animar o debate que tais problemas sempre suscitam.
Legendas, por favor
É nesta linha de actuação, portanto, meramente de serviço cívico, que hoje nos debruçamos sobre o parapeito da janela que Sintra abre aos visitantes, deixando que espreitem o que de mais interessante tem para oferecer à curiosidade de quem se desloca, por vezes, de tão longe, e, não raro, permanecendo tão pouco tempo.
Não temos a veleidade de vir propor algo de original já que nos baseamos em exemplos conhecidos, apenas trazendo à colação práticas comuns a outros destinos que, tal como Sintra, são geralmente aceites como turisticamente vocacionados. Indo directamente ao cerne do problema, tudo isto para introduzir uma questão absolutamente vital à actividade turística, qual seja a necessidade de, em tempo oportuno, muito sinteticamente, com a maior eficácia, transmitir toda a informação que é suposto fornecer acerca de determinado local.
Simples? Sabemos que não é coisa simples de concretizar, pressupondo o envolvimento de uma equipa que, para além do historiador, divulgador cultural, contará ainda com peritos de comunicação, tradução, semiótica, desenho gráfico, etc. Provavelmente, se pensarmos em casos concretos, facilitada ficará a tarefa que nos propusemos concretizar nestas linhas da rubrica Concelho adiado.
Alguns casos…
Consideremos, por exemplo, três casos paradigmáticos e contíguos: a Quinta da Regaleira, a Quinta do Relógio e o esplêndido monumento vivo que é aquela sobreira, mesmo à beira da estrada, à direita de quem, poucos metros adiante, vai iniciar a subida da rampa. Pois, nada, absolutamente nenhuma informação ali existe que esclareça o passante quanto à singularidade dos três manifestos de património.
No pelouro do turismo da autarquia, se confrontados com esta realidade, os responsáveis replicariam que o visitante, turista nacional ou estrangeiro, passa pela delegação do Turismo local onde é apetrechado de folhetos, de mapas e cumulado com documentação de todo o tipo, que lhe facilitará as deslocações, o respectivo esclarecimento. Muito provavelmente, ainda manifestariam a maior perplexidade quanto à despropositada observação que tivemos a ousadia de evidenciar…
O mínimo que poderíamos ripostar é que uma coisa não invalida a outra. Pois sim senhor, não só todo o suporte documental, em papel impresso, mas também a informação que, in loco, deve estar disponível, através de placa ou painel informativo, de reduzidas dimensões, legível à curta distância de cerca de um metro, contendo apenas meia dúzia de frases imprescindíveis à localização da peça no tempo e no espaço, dando conta de qualquer episódio de interesse relevante.
mais exemplos…
A Quinta da Regaleira, a Quinta do Relógio, exemplos acima referidos, disporiam de uma placa informando sobre a estética revivalista romântica da sua arquitectura, esclarecendo acerca dos proprietários iniciais promotores da construção, dos artistas envolvidos, das curiosidades mais notáveis, tais como toda a simbologia maçónica da Regaleira, ou o facto histórico de D. Carlos e D. Amélia terem passado a lua de mel na Quinta do Relógio. A propósito da sobreira, para além das referências botânicas identificativas da espécie, importaria divulgar os escritores que a ela se referiram.
Mais casos? Porque não Seteais, a pouca distância? Chegados ao portão de acesso, há placas que identificam o Palácio de Seteais apenas como hotel de luxo de determinada empresa e uma informação bem destacada permitindo o exclusivo acesso das viaturas dos hóspedes. Ora, caros leitores, como já devem ter verificado, se por ali tiverem passado com frequência, esta é uma atitude perfeitamente intimidatória que, naturalmente, afasta do local os visitantes pouco ou mal informados.
Ali deveria existir informação acerca deste palácio do século XVIII, dos jardins de acesso livre e gratuito, do miradouro do qual se avista uma das mais impressionantes paisagens de Portugal, daquele arco de triunfo e o acontecimento ali celebrado, etc, etc. Isto é o mínimo que merecem os bens patrimoniais da comunidade em termos de interpretação e divulgação.
…circuitos e sugestões
Outro exemplo, entre tantos referenciáveis: em pleno coração do centro histórico, justificar-se-ia a existência de informação acerca da zona da Judiaria junto ao arco de acesso, à esquerda de quem sobe a rua a caminho da Periquita. E, em sentido contrário, outra placa ou painel referenciando a Rua do Açougue, remota reminiscência do as-soq árabe, mesmo sob a esplanada do Café Paris. Estas, apenas duas das etapas de passagem de um circuito medieval de Sintra a promover com outros motivos do maior interesse.
Como não lembrar, igualmente, entre tantas que poderíamos citar, noutra zona da sede do concelho, as obras de Norte Júnior, Adães Bermudes, Raul Lino, sem qualquer identificação?Naturalmente, a informação a disponibilizar, ainda que significativamente reduzida, obedeceria sempre a um mesmo modelo padrão, de painel-placa, talvez com a aposição de um pequeno símbolo cromático, identificador de certo circuito (medieval, romântico, queiroziano ou outros) em coerente articulação com a que aparece nos folhetos turísticos, tanto em termos do estilo informativo como no aspecto gráfico.
Será difícil pôr em marcha semelhante plano de identificação e divulgação de todos os lugares de interesse de Sintra? Será difícil de entender que este tipo de informação é, pelo menos, tão essencial como o dos folhetos e mapas distribuídos pelo Turismo? Não se perceberá que esta também é uma forma de promover a auto-estima dos residentes menos esclarecidos, possibilitando-lhes uma informação sucinta e rápida sobre um património que os forasteiros procuram por razões nem sempre compreensíveis?
Muito trabalho? Mas tão aliciante, tão útil, urgente e necessário!
[NB: este texto foi objecto de uma série de comentários inadvertidamente eliminados. O meu pedido de desculpa aos autores]
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