[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 31 de março de 2011

São rosas,
meus senhores…

Que espantosa tarde passei ontem em Monserrate! O pretexto – deixem-me assim referir o evento que, para Sintra, terá concitado a atenção da maioria dos media nacionais e estrangeiros – foi a visita a Monserrate de Suas Altezas Reais o Príncipe de Gales e Duquesa de Cornualha que, na sequência de um convite absolutamente genial, honrando tanto quem o formulou como os príncipes que, em tão boa hora aceitaram, vinham inaugurar um roseiral ali recentemente recuperado.

Bem, num país a braços com a crise que só Deus Nosso Senhor e nós é que sabemos, vivendo esta malvada situação que consome os melhores humores, energias e empenhos, digam-me lá se não acham estupendo que uma empresa e uma associação locais, respectivamente, a Parques de Sintra Monte da Lua e os Amigos de Monserrate, se tenham abalançado à concretização de um empreendimento de recuperação de património que culminaria com uma festa tão especial como a que ontem aconteceu?

Sem tentar condicionar a vossa resposta, responderei ter sido mesmo algo de grande sabedoria e sentido de oportunidade. E, por aquelas bandas da serra, como nada acontece por capricho, tenha-se em atenção o enquadramento do 29 de Março na felicíssima campanha de beneficiação que vem contemplando a generalidade dos sofisticados bens patrimoniais geridos pela PSML. Desta vez, o roseiral, do qual apenas havia a memória e leves vestígios.

Culminando um cuidadoso labor de investigação e de trabalho de campo, iniciado em 2008, ontem houve oportunidade de ler e interpretar os resultados obtidos pela equipa de projecto em que Gerald Luckhurst, o designer, Gonçalo Simões, gestor, e os jardineiros Nuno Oliveira, Pedro Martins e Timothy Stretton, se enterraram até ao pescoço, com tanto sucesso. Percorri os caminhos, cuidadosamente, fotografei o roseiral, nas suas primícias, porque quero registar a evolução deste canteiro de Monserrate, ao longo dos anos que me sobrarem.

Desvio pela Pena

Uma vez que aludi a esta equipa de projecto, forçoso é que recorde o espantoso palmarés de actuação do formidável grupo de técnicos que, sob orientação do Prof. António Lamas, nos está a devolver tantas jóias antes agonizantes e quase irremediavelmente perdidas. Mesmo que pretendesse ser muito sucinto, teria matéria para mais dois ou três escritos, em ambas as vertentes do património natural e edificado. Eu até nem gostaria de sair de Monserrate… Mas não consigo resistir à tentação de, mais uma vez, aludir os trabalhos em curso na Pena e, em especial, no Chalé da Condessa.

Aquele ninho de amor, que tanto nos diz, é objecto de uma obra de recuperação e restauro, ela própria um acto de grande amor à causa do edifício e das memórias agarradas, entranhadas naquelas paredes que tanto têm sofrido. Justíssimo o maior encómio ao trabalho de dois homens, Arq. José Maria Lobo de Carvalho e Engº Daniel Silva, que tenho a alegria de poder considerar bons amigos, cujo envolvimento e dedicação à obra são indescritíveis.

O que eles ali têm feito! Quantos obstáculos vencidos, quantas descobertas, quantas vitórias! Ah, se os sintrenses soubessem o que já estão a dever a esta gente! Mas, com toda essa gratidão em carteira, preparem-se os munícipes, os visitantes e amigos do património para o coroar de tanto empenho. Vem aí a inauguração do Chalé da Condessa. Se a minha sugestão puder ser aceite, já em 22 de Maio, aniversário da nossa querida Elise, teríamos a alegria de ver o resultado de tamanho desvelo. Que privilégio, a casa, os jardins à volta, os caminhos, tudo devolvido à vida!

O milagre de Monserrate

Enfim, o que foi sonho, ali está, bem real. Mas, como não devo deter-me neste desvio da Pena, eis que já estou de volta a Monserrate e, de novo, à tarde de ontem. Afinal, e tão prodigamente, o que por aqui contemplo, observo e continuo a experimentar, é o resultado da mesma linguagem de sinais, valores e princípios, que animam e estão presentes em todo o trabalho da PSML. Pois bem, ao voltar eis-me na companhia de mais amigos da Monte da Lua.

O Engº Jaime Ferreira, com o «seu» Património Gera Inclusão (PGI), intervenção acerca da qual escreverei em próxima oportunidade, a Dra. Ana Oliveira Martins (que boa conversa sobre os maçons Mozart e Haydn!) e a Arq. Luísa Cortesão, animadíssimas e sempre testemunhando o privilégio enorme que é trabalhar nesta casa, os administradores Drs. Manuel Baptista e João Lacerda Távares, gentis até mais não poder ser, dando-me conta de novas ideias e projectos sempre fervilhando…

Tratado principescamente – nesta tarde, com a presença das reais pessoas, seria difícil empregar advérbio mais a propósito – percebem porque tão bem me sinto em Monserrate? Ontem, porém, para além daqueles amigos, ainda contei com a vespertina e fraternal cumplicidade de João Rodil e Fernando Morais Gomes. A Filipe Schönborn, ouvi mais uma curiosa, musical e veneziana história de amor, em que a senhora sua avó, a marquesa Dona Olga, também espreitava de soslaio.

Pela primeira vez, e, já não era sem tempo, pude trocar impressões com o Arq. António Nunes Pereira, novo Director do Palácio da Pena, que me impressionou muito especial e vivamente. Fiquei a saber que, lá no alto da Serra, continua a pensar-se na definitiva solução para todos os assuntos que nos preocupam. Claro que falámos do estacionamento, do acesso a pé, pois claro, no transporte hipomóvel que, tão bem como eu, ele conhece de Neuschwanstein, também da vocação naturalmente equestre da abegoaria e sei lá que mais. Com a corda que estávamos, ainda hoje continuaríamos de conversa…

Toda a gente estava muito entusiasmada com Suas Altezas. Com notável informalidade, humor e afabilidade, desdobraram-se em considerações, interessando-se por tudo e mais alguma coisa. Julgo poder traduzir a geral e imensa pena de não poder assistir-se à plantação das duas roseiras, no próprio roseiral, ao fundo e à direita do famoso relvado, local onde, inicialmente, era suposto que a cerimónia acontecesse. Indicações protocolares, de última hora, determinaram que a manobra de jardinagem, em dois vasos, acontecesse cá em cima, perto da porta principal do palácio.

Paciência. Nada está perdido. É só deixar que alguns meses passem. Não virá longe o dia em que, acompanhado pelo Arq. Gerald Luckhurst e jardineiro-geral Tim Stretton, debruçando-se sobre os botões prestes a despontar, o Prof. António Lamas anunciará solene e vitoriosamente: - São rosas, meus senhores! E, sabe-se lá, tal como ontem foi acontecendo, tão requintadamente, também então, talvez se ouçam as trompas, graves e nobres, sublinhando o suave milagre primaveril…

PS:

Pareceu-me que o Presidente Fernando Seara estava muito satisfeito. Não era caso para menos. Raras vezes, tão feliz e oportuna, acabou por se revelar uma visita de Estado, ao mais alto nível, que – não sei como definir, senti-o, talvez quase intuitivamente – terá contribuído para desanuviar o ambiente. Bom seria aproveitar a onda e fazer como proclamava São Francisco de Assis “(…) onde houver discórdia, que eu leve a união (…) onde houver tristeza, que eu leve a alegria (…)”

13 comentários:

Manuela Rodrigues disse...

Colega João,
Mesmo com problemas de mancha gráfica, o seu texto é muito bonito e interessante. Deve ser bom ter amigos como os seus da Monte da Lua. Obrigado por me contar como é o ânimo deles na empresa. Gostei também muito da sua ideia de articular o final do texto com o milagre das rosas. É um achado no dia em que se inaugurou um roseiral. Abraço, Manuela Rodrigues

Lourdes Cabral disse...

Caro Dr. Cachado,

Felizmente, há pessoa como o senhor que nos trazem notícias, com este nível, de uma visita de Estado que, para a grande maioria das pessoas não passa de acontecimento social.
Bem haja.
Lourdes Cabral

Sintra do avesso disse...

AT:

Ainda que parcialmente, consegui ultrapassar o problema suscitado com a publicação de textos neste blogue. Assim sendo, substituí o texto ontem à noite aqui trazido,
com problemas de ordem gráfica, por aquele que, está agora visível.

Importei os comentários que aparecem com hora de publicação que não corresponde à original. Às suas autoras, o meu pedido de compreensão.

João Cachado

Carlos Soares disse...

Colega e amigo,
Hesito entre a "Caras" e este blogue na procura de notícias acerca da visita dos príncipes...
Não se ofenda porque apenas faço humor, fiquei muito
satisfeito com o seu texto. Parabéns.
Carlos Soares

Anónimo disse...

Verá que não falta muito para começarem a insinuar coisas acerca da Monte da Lua. Como é uma empresa de dinheiros públicos que até tem bons lucros os invejosos cá do burgo não vão perdoar...

Elvira Fortes disse...

Prof. João Cachado,
Gosto de acompanhar e confirmar como a Monte da Lua continua a dar cartas em Sintra. O Prof. Cachado tem-se encarregado de chamar a atenção para o trabalho deles mas desde o tempo horrível de Serra Lopes até agora.
Justifica-se o seu interesse porque a Monte da Lua tem a seu cargo o melhor de Sintra.
Parabéns por este
texto que é muito especial.
Elvira Fortes

Rui Passos disse...

Amigo Cachado,
Na realidade, a Monte da Lua faz milagres: as rosas de Monserrate, o chalé da condessa quase pronto na Pena... Lá vai acontecendo alguma coisa em Sintra que nos dá
ânimo.
Rui Passos

Anónimo disse...

Só falta fazer o milagre de mandar alguém da equipa para o gabinete do Seara a ver se na Virgílio Horta aprendiam qualquer coisa.

Anónimo disse...

Ui, tanta referência cultural, os músicos maçons, São Francisco de Assis, o Cachado vai a todas. Veja lá se não tropeça por esses caminhos...
MV

Clara Real disse...

Colega e amigo,
Ainda bem que não apareceu ninguém a estragar a festa. Do governo, vi através da TV que estava lá a Ministra da Cultura que até é simpática,uma artista que fazia anos.
Afinal, estavam todos de
parabéns. E parabéns para si
que o seu texto é uma delícia.
Abraço de amizade,
Clara Real

Fernando Pinto disse...

Caro João Cachado,
estimado colega,
Também apreciei o seu artigo muito positivamente. Dá gosto ler a
correcção deste Português.
Como já escrevi em comentário anterior, por vezes,
recorro aos seus textos
para exercícios em situação
de aula. Obrigado por
mais esta peça.
Fernando Pinto

F.Soares disse...

A visita do príncipe e da mulher foi a cereja no cimo do bolo. Era o que faltava à Monte da Lua para
«"coroar" o bom trabalho que tem
feito e que o Cachado não se cansa de louvar e muito bem que isto
por cá na maior parte dos casos
são desgraças atrás de desgraças.
Cumprimentos,
F. Soares

Anónimo disse...

O Sintra do avesso, maior parte das vezes, alerta-nos para o que está de errado em Sintra. Para variar sabe bem ler boas criticas sobre Sintra e sobre quem a governa. E se existirem coisas boas a apontar na governação de Seara é bom saber quais são. E quando é preciso dizer mal lá vem o Dr. Cachado sem qualquer tipo de amarras... é bom sentir a sua liberdade. Muito obrigada pelo seu trabalho! Existe alguma Associação de Salvaguarda do Património em Sintra? É que se existe não se vê!!!