Uma questão de responsabilidade*
Há dois ou três dias, o Prof. Eduardo Catroga sugeriu que, nomeadamente, os jovens portugueses deveriam responsabilizar José Sócrates, em tribunal, por um conjunto de erros, de ocultações e por ter faltado à verdade aos portugueses. Vindas do coordenador do programa eleitoral do PSD, tais palavras valem o que valem...
O mesmo não direi das declarações, de algum modo, coincidentes com as anteriores, proferidas por Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, que, na semana passada, veio direccionar a culpa pelo actual estado de desgraça das finanças públicas nacionais a quem, de facto e concretamente, deve responder em todas as instâncias eleitorais, legais, etc.
Apontou ele o dedo aos decisores políticos e aos administradores públicos que, nos últimos doze anos, conduziram o país, considerando mesmo que deveriam ser responsabilizados. Aparentemente dispicienda, aquela preocupação de delimitação temporal à dúzia de anos precedente, permite incluir, para além da do PS, também a responsabilidade dos governos Barroso e Santana Lopes que, para todos os efeitos, não podem subtrair-se ao «julgamento» implícito.
Considero ser uma opinião a ter em conta quando, tantas e tantas vezes, se afirma que culpados somos todos nós... Neste contexto, vai sendo tempo de abandonar a atitude de sistemática desresponsabilização, tão cara à cultura lusa, e que tão perniciosa se tem revelado para o alcance e satisfação dos objectivos que mais interessam aos cidadãos portugueses.
No horizonte...
Quando é que aprendemos e saberemos atribuir, a seu dono, o ónus dos actos cujas consequências acabam por abranger toda uma comunidade desprovida de instrumentos de sanção? Ou será que nos satisfaz a capacidade eleitoral? Bastar-nos-á que, através do voto, deleguemos o poder que detemos em cidadãos alinhados numas listas cozinhadas pelas cliques partidárias, ao fim e ao cabo, lideradas pelos tais responsáveis a quem nos estamos a referir?
Estou em crer que deveríamos aproveitar este tempo, em que urge mudar de paradigma, a todos os títulos da vida quotidiana e da intervenção cívica, para promover a discussão e, posteriormente, a adopção dos dispositivos legislativos a introduzir na própria Constituição da República, que permitam aos cidadãos pronunciarem-se adequadamente em relação à avaliação e responsabilização dos detentores de cargos públicos.
Se, em democracia, a ocupação dos lugares na gestão da coisa pública, decorre dos próprios mecanismos democráticos, em que os cidadãos delegam competências noutros cidadãos, imperioso se revela, por exemplo, modificar, melhorar e apurar a Lei Eleitoral de tal modo que, através de círculos nominais inequívocos, cada um saiba em quem está a votar e possa proceder ao correcto escrutínio das atitudes e actividades dos eleitos. Enquanto assim não acontecer, não creio que seja possível falar em responsabilização seja de quem for.
Convém não esquecer que, sem a vertente do sistemático controlo e avaliação das atitudes dos decisores políticos, por parte dos eleitores, a Democracia é um regime que suscita grandes perversidades. Cada vez mais lucidamente, quem se preocupa com estas questões chega à conclusão de que, no quadro da democracia representativa, se o cidadão comum se limitar, tão somente, à atitude cívica da votação nas eleições legislalativas e locais, nada de substantivamente eficaz acontece. Ou seja, a Democracia pressupõe a representação decorrente do voto mas tem de ser completada pela participação cívica.
Responsabilização dos eleitos? Sim senhor, mas só se os cidadãos se incomodarem e preocuparem civicamente. E como pode isso suceder se a iliteracia é o que é em Portugal, se o analfabetismo pleno e funcional continua a apresentar os mais vergonhosos índices da União Europeia, em geral?
Pois é, só com muito, muito trabalho e na partilha da convicção de que, ao contrário do que a classe política tem dado a entender, este não é um país sequer análogo aos outros da zona euro. Se não houver assunção destas verdades inequívocas que, tão negativamente, nos caracterizam jamais conseguiremos definir as estratégias adequadas à especificidade portuguesa.
Por enquanto, os objectivos que têm sido formulados, por muito justos que se afigurem, apenas são contempláveis no horizonte. Ah, como tudo isto está tão indissociavelmente ligado!...
*parcialmente publicado no facebook
3 comentários:
Colega e Amigo,
Representação e participação definem a democracia. Completamente de acordo consigo. Em Portugal tem faltado a participação cívica porque como o Cachado afirma, o povo é muito iletrado e o analfabetismo ainda tem dois dígitos. Antes de tudo, se quisermos mudar esta moldura, tem de se combater estes flagelos. Mas não é só através do Ministério da Educação. Na tal visão integrada das questões, é tarefa do Estado em geral, da Educação, da Cultura, do Trabalho, da Agricultura, do Comércio, das Forças Armadas, etc, etc. Será que o governo e a troica estão a perceber isto? Duvido muito mas tenho esperança.
Abraço grande,
Santos Gomes
Responsabilidade dos eleitos? Em Portugal? Actualmente? Nem com as medidas que o João Cachado propõe. Este país não tem remédio, essa é que é a verdade e para mal de todos nós.
Mais uma vez também se refere ao velho problema da verdade em democracia o que, no nosso país é muito polémico pois o costume é
andar tudo embrulhado e as pessoas
viverem muito bem com isso.
Estou de acordo que enquanto
o nível educacional e cultural não melhorar não é possível progredir para uma democracia evoluída.
Afinal a ajuda internacional
se calhar teve tudo isto em consideração...
Rui Cardoso
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