A visita a Elise
“(…) Quando convoco e vejo a Condessa no seu afã da Pena, sempre me aparece como Elise, sem o título de conveniência, apenas mulher que amou e foi amada por um homem tão excepcional como ela. Tanto tempo depois, aqueles dois continuam, para além do tempo, a habitar o nosso espaço real e mítico, a par de outras belas histórias, com amores possíveis e impossíveis, contrariados ou favorecidos, trágicos e idealizados. (…)
Neste possível Klingsor, resgata-se agora o emblemático ninho de amor à ignomínia de muitos anos de ofensa. Veja quem quiser! Eis o trabalho de recuperação que se impunha. Finalmente! Pode Elise voltar ao sossego? Creio bem que sim. De facto, tanto no chalet, como em todo o Parque, estará a terminar, terminou mesmo o ciclo das mágoas. (…)
Durante muitos anos, também esta fraca voz se juntou às de Emília Reis, Maria Almira Medina, Fernando Castelo, Fernando Morais Gomes e de tantos mais, na sistemática denúncia do escândalo sem nome que ali acontecia. Agora, porém, é tempo de festa. Pelo menos, a minha festa já começou. (…)”
São excertos de um texto publicado, neste mesmo blogue, também em 22 de Maio, mas de 2009,e, portanto, como aconteceu no passado domingo, sempre por ocasião do aniversário da Condessa d’Edla. Entretanto, aquilo que aquelas transcritas palavras prenunciavam e, declaradamente, até já anunciavam, ou seja, a reabertura do Chalet da Condessa, acabou de acontecer!
Para a comemoração do evento, preparei um pequeno ciclo de três textos. No primeiro, que hoje vos deixo, para além da querida Elise, também pretendo homenagear a pessoa que – nesta terra de Sintra, tão avessa ao reconhecimento de quem por ela o melhor faz – singela, discretamente, tem sabido manter uma memória de especial carinho e afecto à Condessa d’Edla, ao longo de anos e anos de exemplar e insuspeita dedicação.
Naturalmente, refiro-me a Emília Reis. E, no sentido de aquilatarem a justeza das minhas palavras que, certa e naturalmente, não podem deixar de denunciar a imensa estima que por ela nutro, trago um testemunho inequívoco. Trata-se de um documento que por si fala, relativo a uma atitude de animação cultural do melhor recorte e gabarito que esta amiga de Sintra recentemente protagonizou.
Reparem que Emília Reis não tem quaisquer ligações institucionais nem a move o mínimo objectivo material. Apenas a motiva o respeito pela singular figura de uma mulher, que teve a dita de ser muito amada por um homem que a soube merecer e a desdita que a história desse amor tivesse acontecido num país em que histórias de amor, longínquas no tempo, como a de Pedro e Inês, ou mais recentes, tal o caso de Francisco e Snu, acabam sempre nas malhas de hipócritas e invejosos…
Respeito pela memória e, no caso pessoal de Emília Reis, igualmente uma sua especialíssima relação pessoal com o lugar. Mas, de facto, o melhor é passar ao caso. No passado dia 7 deste mês de Maio, a nossa boa amiga resolveu acolher, como visitantes do Chalet da Condessa, não um, nem dois, nem três mas, nada mais nada menos do que cinquenta e duas pessoas, sócias do Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes do Porto. Única e exclusivamente de sua própria iniciativa, sem qualquer enquadramento oficial, sem qualquer suporte institucional, por amor à causa e à coisa.
Estão muito enganados se, desconhecendo o calibre de animadora de Emília Reis, tiveram a ousadia de imaginar que se limitaria a conduzir aquela meia centena de curiosos visitantes até ao Chalet e jardins adjacentes, proferindo umas palavras de circunstância, à laia de cicerone contratado para o efeito. Pois, não senhores. Como bem atestam as provas apensas, os textos e as imagens que distribuiu, contradizem qualquer solução de facilidade, significando uma cuidadosa preparação. que foi ao ponto de avançar com dois inéditos.
Portanto, como vertentes indissociáveis da atitude cultural que promoveu, tenham em consideração os três suportes seguintes: 1.o texto de sua autoria, “ D. Fernando II e Elise Hensler – Breve Apontamento”, 2. um poema de Maria Almira Medina, que a própria autora assinou, constituindo ambos trabalhos inéditos, e 3.o desenho do Senhor D. Fernando, fazendo jus ao epíteto de Rei Artista que, ainda hoje, tão bem lhe quadra.
1.D.Fernando II e Elise Hensler - Breve Apontamento
Tudo começou em Sintra…. Esta frase escreveu-a D. Fernando II num desenho datado de 1863, em que o próprio Reise fez representar com Elise Hensler, rodeados por arvoredo, no Parque da Pena, - local que terá sido, certamente, o palco privilegiado da vivência mais íntima de D. Fernando II com a sua segunda mulher, a Condessa d’Edla.
Foi ao Palácio da Pena que regressaram no dia do seu casamento, celebrado em Lisboa em 10 de Junho de 1869 e foi,na chamada Feteira da Condessa, que plantaram, nessa data, o eucalipto oblíqua, a árvore que seria, até há cerca de um ano - (envelheceu e, num dia de temporal caiu sobre o regato que durante cento e quarenta anos lhe tinha
alimentado as raízes)- a única testemunha viva deste acontecimento.
Era, também, no Palácio da Pena que permaneciam desde a Primavera até ao Outono e mesmo no Inverno, não deixavam de lá passar alguns dias onde, frequentemente, D. Fernando era visto a passear pelo Parque com traje que levava a confundi-lo com um caçador bávaro. Usufruía nesses tempos de um merecido repouso, depois de ter cumprido, com esmero, os seus deveres familiares e políticos e de ter sofrido os desgostos da morte, de sua primeira
mulher, a Rainha D. Maria II, em 15 de Novembro de 1853 e de três dos seus filhos já adultos.
Como curiosidade sabemos, também, que a Condessa d’Edla, quando dirigia os trabalhos, sobretudo no jardim do seu Chalet, vestia calças e montava a cavalo, trazendo permanentemente pendurado no cinto um apito com que chamava os seus cães – o Liró, por exemplo, que lhe era muito afeiçoado – e que gratificava o seu jardineiro Morgado,
para que ele, de tempos a tempos, fumasse debaixo das árvores mais débeis, atacadas por alguma doença - talvez as mesmas que o Rei, pacientemente, adubava com a cinza do seu charuto.
Não é difícil imaginar e mesmo acreditar que, ambos terão cantado em dueto, muitas vezes, dentro do Chalet e pelas veredas do Parque, as áreas de ópera suas preferidas e, as suas vidas, seguramente, terão continuado ligadas para além da morte, pelas muitas afinidades que os uniram e que, Maria Almira Medina, no seu belo poema “O Chalet da Condessa numa Manhã de Março”, tão bem evoca.
Sugerindo que D. Fernando, homem culto do seu tempo, seria conhecedor da obra de Goethe, seu contemporâneo,cuja inspiração literária se tornou marcante no séc. XIX, também ao nível da arquitectura dos parques românticos de que o Parque da Pena é uma referência, a Arq. Paisagista Prof. Teresa Andresen em “O Parque da Pena: O Significado de uma Intervenção”, sugere um sem número de paralelismos entre o ambiente em que se passa o argumento da obra de Goethe, Afinidades Electivas e o Parque da Pena. Escreve assim:
Os cenários predilectos dos sucessivos acontecimentos são a residência, o parque e dois pequenos edifícios do parque o pavilhão e a cabana de musgo. Eduard e Chalotte (os protagonistas de Goethe) rodeiam-se de profissionais: o Capitão – um engenheiro topógrafo – arquitecto, o jardineiro …
Em Sintra temos, o Palácio, o Parque da Pena e a Casa do Regalo, nome por que era designado o Chalet, como elementos de eleição num cenário em que, o Rei-Artista, D. Fernando II com Elise Hensler – Condessa d’Edla,assumiram ser, eles próprios, os protagonistas de uma história verdadeira, romântica, e de que nos ficou ESTE ADMIRÁVEL LUGAR, no todo do seu conjunto.
Sem eles não O teríamos hoje aqui.
Emília Reis
Notas recolhidas de:
- D. Fernando II - Rei-Artista Artista-Rei (Fundação da Casa de Bragança)
- Informação verbal de familiares da Condessa d’Edla
2. Poema de Maria Almira Medina e 3. Desenho de D. Fernando
12 comentários:
Primeirqamente Emma Gilbert e agora Emília Reis parecem escolhidas a dedo. É a mesma lógica do mesmo serviço a Sintra em esferas diferentes mas complementares. Sintra merece esta dedicação. Mas acerca da Condessa d'Edla, não consigo perceber como o Presidente Seara não soube impedir a toponímia naquela rotunda tão sem jeito ao pé da Decathlon e do Leroy Merlin. A Condessa merece outra atenção.
Teresa Cruz
Obrigada, João, mas, neste caso, os louvores são para a Administração da PSML (a primeira vez que lhos dirijo, julgo) que autorizou, sem cobrar nada, nem a entrada no Parque, esta visita. Muito especialmente cito o Senhor Arq. Lobo de Carvalho porque veio propositadamente de Lisboa, num sábado, para explicar, detalhadamente, tudo quanto dizia respeito ao restauro do Chalet. As pessoas gostaram muito e ficaram com vontade de voltar.
Quanto a mim limitei-me a passar, discretamente, aquilo que, além do Chalet, me interessava também divulgar - a “história” de D.Fernando II com Elise Hensler, Condessa d’Edla.
O poema, assinado agora pela Maria Almira,foi escrito, como sabe, para a visita que ali efectuámos, com a Alagamares, em Março de 2008.
Quanto ao nome da Condessa, como refere a Senhora do comentário anterior, estou plenamente de acordo com ela. Atribuí-lo a uma rotunda onde existem apenas umas oliveiras e uns pedregulhos rudes, que nem sequer são granito, numa zona industrial fora de Sintra, é uma ideia que não lembra ao diabo, como se costuma dizer. É a falta de sensibilidade no seu melhor.
emília reis
Obrigada, João, mas, neste caso, os louvores são para a Administração da PSML (a primeira vez que lhos dirijo, julgo) que autorizou, sem cobrar nada, nem a entrada no Parque, esta visita. Muito especialmente cito o Senhor Arq. Lobo de Carvalho porque veio propositadamente de Lisboa, num sábado, para explicar, detalhadamente, tudo quanto dizia respeito ao restauro do Chalet. As pessoas gostaram muito e ficaram com vontade de voltar.
Quanto a mim limitei-me a passar, discretamente, aquilo que, além do Chalet, me interessava também divulgar - a “história” de D.Fernando II com Elise Hensler, Condessa d’Edla.
O poema, assinado agora pela Maria Almira,foi escrito, como sabe, para a visita que ali efectuámos, com a Alagamares, em Março de 2008.
Quanto ao nome da Condessa, como refere a Senhora do comentário anterior, estou plenamente de acordo com ela. Atribuí-lo a uma rotunda onde existem apenas umas oliveiras e uns pedregulhos rudes, que nem sequer são granito, numa zona industrial fora de Sintra, é uma ideia que não lembra ao diabo, como se costuma dizer. É a falta de sensibilidade no seu melhor.
emília reis
Prof. João Cachado,
Já tenho visto referida no seu blogue mas não conheço Emília Reis. Estas atitudes como desta senhora englobam-se na cidadania e no civismo, dispondo aos outros o que sabemos melhor. Bem haja.
Concição Castro
Amigo João Cachado,
A Monte da Lua tem feito um trabalho formidável por Sintra. Agora, com a actual administração só temos boas notícias mas ainda me lembro da luta do João Cachado em 2003 uma vez em que disse ao Dr. Serra Lopes à frente de dezenas de pessoas que ele estava a mentir a propósito de qualquer coisa e nesse dia junto à Abegoaria que nem ia à missa com ele. O que senhor fez de mal ou não fez estão estes agora a remediar. Parabéns a esta senhora que é uma verdadeira amiga de Sintra como escreveu o João Cachado.
Luís Távares
Gostei muito deste trabalho.
Parabéns a Emília Reis e à Parques de Sintra Monte da Lua.
Elvira
A Condessa d'Edla merece isto tudo e muito mais. Não percebo porque a Monte da Lua não fez a reabertura no dis de aniversário que era uma altura especial.
Rui Dias
ATENÇÃO
Apenas uma explicação aos autores dos comentários seguintes:
Devido a qualquer problema no blogue não consigo fazer publicar os comentários que chegaram ao meu mail acerca deste texto. Resolvi fazer um 'paste' de cada um e transferi-los para este espaço, razão Conceição Castro, Luís Távares, Elvira e Rui Dias, aparecem agora de uma assentada, todos com a data de hoje, embora sejam datados de ontem, dia 25.
Embora alheio à anomalia, aceitem o meu pedido de desculpa.
João Cachado
Na explicação supra, deverá ler-se "(...) razão pela qual os comentários de Emília Reis, Conceição Castro... (...)"
JC
Viva João Cachado!
A condessa d'Edla merecia ser mais conhecida. Como mulher de um rei, não parece normal ser tão ignorada. Até por isso é excepcional terem reconstruído esta casa porque a da Parede foi demolida. Também eu dou os parabéns ao Prof. António Lamas e a Emília Reis ambos tão elogiados pelo colega João Cachado, abraço, Lourdes Cabral
Faz hoje oito dias estive no Chale da Condessa e fui ao domingo porque nos outros dias a entrada é cara. Estás fantástico, uma beleza. Compreendo que não pode ser doutro modo e só tenho a agradecer por haver o domingo com entrada grátis. Não há razões para não visitar pois até com poucos meios se pode lá ir.
Carmo Lopes
A Condessa e D. Fernando devem estar satisfeitos com a recuperação do chalet. Finalmente está-se a honrar a sua memória.
JG
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