Liszt e Mahler,
em boas mãos
Na passada sexta-feira, no pequeno auditório do Centro Cultural Olga Cadaval mais ou menos meio lotado, começou o Festival de Sintra, com uma conferência de Rui Vieira Nery [RVN], subordinada ao tema Liszt e Mahler: os construtores da “música do futuro”.
Conheço Rui Vieira Nery de muitas andanças. Na Fundação Gulbenkian – cujas propostas musicais frequento há cinquenta anos, ainda antes de haver sede e auditório na Av. De Berna – a partir de determinada altura, que não saberei precisar, habituei-me a contar com o saber e dedicação de RVN, que, todos o sabem, àquela casa está indissociavelmente ligado. São incontáveis os benefícios e privilégios que lhe devem os verdadeiros melómanos portugueses, fruto do seu trabalho, de contactos internacionais, de investigação laboriosa.
Como é natural, entre preferências perfeitamente previsíveis, comungamos de algumas afinidades electivas, daquelas que, por exemplo, nos levam à frequente demanda de Bayreuth e de outros santuários onde alimentamos a insaciável necessidade de partilhar cada inovação interpretativa, a novidade que sempre espreita a hipótese de actualizar o universo apenas entreaberto pela originalidade de compositores que permanecem além e fora do tempo.
Tenho acompanhado a sua carreira, ouço-o com muita atenção, respeito a opinião de quem nos habituou a abordagens inteligentes, sempre com o cuidado de integrar qualquer temática musical, seja qual for o período histórico, na bem urdida teia dos movimentos culturais e articulando com os eventos históricos que com ela se relacionam e interagem.
Em suma, é um homem de cultura, uma das mais autorizadas vozes do universo da musicologia portuguesa, que o Festival de Sintra, na sua quadragésima sexta edição convidou – e não podia ter começado melhor – para esboçar o enquadramento da dupla efeméride dos duzentos anos do nascimento de Liszt e centenário da morte de Mahler que contempla e propõe como temática nuclear.
Ao longo de quase duas horas que passaram num ápice – querem melhor avaliação? – socorrendo-se de um bom acervo de suportes em CD e DVD, em articulação com um discurso fluente e acessível, adequados a um público de não especialistas, Rui Vieira Nery lembrou e ilustrou, tão copiosamente quanto possível, o percurso dos dois compositores.
De acordo com o propósito enunciado, o conferencista salientou os momentos mais significativos da dinâmica inovadora e renovadora das soluções musicais que os dois compositores apontaram à música do futuro. Confesso que, em determinada altura, esperei que RVN lembrasse o facto de Franz Liszt, tal como o seu genro Richard Wagner, entre outros, terem pertencido a um grupo que se reclamava da música do futuro, por oposição a Johannes Brahms e ao famoso crítico musical Eduard Hanslick.
Todavia, se o tivesse feito, RVN seria obrigado a solicitar ao público capacidades ou competências que, na realidade, e, em geral, pura e simplesmente, não tem, mas indispensáveis à compreensão de certas especificidades e recursos da escrita musical, em que radica a novidade de certa linguagem, além dos recortes de estilo, etc, que um mais ou menos longínquo futuro acabará por assumir. Por tudo isto, se confirma a justeza da sua opção de não abordar o que, numa primeira análise, me pareceu pertinente. Está de parabéns o Festival de Sintra.
PS:
Leslie Howard, certamente o pianista de grande nomeada mais votado à obra de Liszt, está a levar a cabo uma série de 7 recitais temáticos no Palácio de Queluz. Por favor, não percam esta oportunidade absolutamente excepcional (ainda 2ª, 3ª e 4ª às 21,30). Ontem, no recital das 18,00 estavam 25 pessoas... Com bilhetes a €5,00 não há crise que justifique tal escândalo.
7 comentários:
Caro João Cachado,
Não parece possível. Com uma assistência tão fraca o que pode dizer-se do Festival de Sintra? Deve-se ter atingido o grau zero... Mesmo que este ano as coisas estejam melhores, agora devem estar a sofrer as consequências das asneiras das últimas edições. Fico muito triste. Sintra não merecia isto.
Cumprimentos,
Vitor Bastos
Dr. João Cachado,
Também li o seu alerta no facebook. Isto também revela incompetência na divulgação do Festival de Sintra. Ninguém sabe nada. Não se admite que seja através do seu blogue e facebook que sei do preço dos bilhetes. Está tudo dito.
Teresa Sobral
Incompetência dos promotores, falta de estímulo, desinteresse, falta de informação cultural do público, é um cocktail bombástico.
[transcrição do facebook)
eu nao sei o que as pessoas desejam mas cultura nao. Tenho boa experiencia nisso. Preferem estar sentadas numa cadeira a olhar para anteontem e a lamentarem que nao tem contactos que se mexerem para ver e ouvir algo.
Maria do Rosário Billwiller
(há 13 horas)
Em Sintra, nem São Pedro vale ao festival...
O que eu gostave era de ouvir música de liszt pelas bandas do concelho. Não é possível, porquê? Como pode dizer-se que a programação melhorou se não há uma banda que se ouça?
Liszt e Mahler mereciam melhor homenagem.Leslie Howard nem é dos grandes e os outros anunciados são mais ou menos. Deve ser a crise.
Cruzeiro Alves
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