Sintra,
Festival auspicioso
É já na próxima sexta-feira, dia 24 de Junho, que começará esta quadragésima sexta edição do Festival de Sintra. Raras vezes, durante a longa vida que já leva, terei experimentado tanta expectativa relativamente ao que nos espera durante as próximas semanas de concretização da sua programação recentemente anunciada. E, como sabem os que acompanham os meus escritos neste blogue, tal sensação é tanto mais justificada quanto as quatro edições precedentes me mereceram as expressivas críticas negativas que publiquei nestas páginas e na imprensa.
Sou daqueles que podem afirmar a evidente emoção de recordar todo o passado desta iniciativa na medida em que, ainda na década de cinquenta do século passado* – literalmente, ainda menino de calções – comecei a frequentar o festival, inicialmente designado como Jornadas Musicais de Sintra que, por sua vez, radicam nas comemorações, em 1956, do duplo centenário do nascimento de W. A. Mozart (1756-91) que, em Sintra, ganharam especialíssimo brilho, propiciando a embalagem para os voos que, então, ainda hesitantes, se transformariam no produto cultural mais sofisticado desta terra.
Desde criança, fui habituado a considerar qualquer evento musical e, em especial, os festivais em que, eventualmente, se enquadrem, como oportunidade de enriquecimento individual e colectivo. Daí que tanto me continue a bater pela coerência interna e lógica da grelha programática do conjunto das propostas porquanto, só obedecendo a estes princípios, um festival se poderá afirmar como particular momento de informação e formação do público que procura fidelizar.
Finalmente, depois de algumas edições de errática programação, o Festival de 2011 aposta num inequívoco núcleo temático, cuja pertinência é suscitada pelas efemérides do centenário da morte de Gustav Mahler e bicentenário do nascimento da Franz Liszt. Naturalmente, porque já me referi detalhadamente à programação, antes mesmo de ter sido oficialmente publicitada, dispenso-me de considerações suplementares.
No entanto, por se tratar de uma oportunidade que me será particularmente cara, muito gostaria de evidenciar o interesse da primeira proposta desta edição que, nem mais nem menos, retoma a opção de iniciar o Festival com uma conferência. O conhecido musicólogo e professor universitário Rui Vieira Nery vem a Sintra apresentar Liszt e Mahler: os construtores da “música do futuro”, primeira de mais palestras a cargo de especialistas de outras áreas.
Em boa hora assim acontece. De facto, trata-se de retoma da prática iniciada com a conferência, também de abertura do Festival, já há alguns anos, aqui proferida pelo Professor António Damásio, a propósito de temática em que o conhecimento da neurociência se cruza com o mundo da Música. Se, na altura, a aquisição de novos saberes foi inequívoca tónica do encontro do cientista com o público, num auditório perfeitamente apinhado, não duvido que, na próxima sexta-feira, a iniciativa esteja condenada a outro sucesso.
Ainda há poucos dias, a propósito da apresentação na Fundação Gulbenkian de uma récita concertante da ópera Die drei Pintos, composição iniciada por Carl Maria von Weber e terminada, algumas décadas depois, precisamente, por Gustav Mahler, assisti a uma muito informal mas extremamente interessante conferência de Rui Vieira Nery , abordando uma temática e período que precedem estes dois génios celebrados pelo Festival de Sintra deste ano.
Estamos de parabéns porque vamos iniciar auspiciosamente. Seguem-se dias de intensa actividade, à volta da série de sete recitais que o grande pianista Leslie Howard nos traz como proposta absolutamente imperdível, interpretando significativos momentos da pianística solista Lisztiana. Sabem os leitores que sou muito poupado nos encómios. Por isso, vão mesmo por mim. Imperdível é o adjectivo e está tudo dito. Aceitem o desafio.
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Não se percam nas contas porque houve uma interrupção de oito anos subsequente ao vinte e cinco de Abril.
NB:
1.Num aparte que vem muito a propósito nos austeros dias que vivemos, deixem que lembre como é tão acessível o preço dos bilhetes. Por exemplo, quarenta euros para a assinatura daqueles sete recitais. Se querem que vos confesse, nunca vi coisa assim…
2. No arquivo do blogue, subordinados às palavras Festival de Sintra, encontrarão a maioria dos textos publicados acerca da controvérsia da programação das últimas edições.
6 comentários:
Caro Prof. Cachado,
Ainda bem que tudo está a recompor-se. Sintra merece que o seu festival que é um dos mais antigos de Portugal e com boas memórias recupere a fama através da qualidade.
Isabel Lemos
Eis a transcrição de uma intervenção no facebook que também tive oportunidade de comentar:
Marilisa Crespo
Muito me congratulo com as novas que nos traz. Há anos que deixei de frequentar o festival...Este ano irei retomar. Obrigada pelo incentivo.
Segunda-feira às 20:53
João De Oliveira Cachado
Olá Marilisa, Sem forçar a nota no que podem ter sido as minhas chamadas de atenção para o descalabro programático em que o Festival de Sintra se tinha tornado, não deixaria de lhe pedir a paciência bastante para ler alguns dos textos que produzi a propósito. O arquivo do blogue, no rectângulo do canto superior esquerdo do painel, funcionará com a introdução das palavras 'festival de Sintra'. Sem presunção, julgo ter esclarecido, nos últimos três anos, a razão fundamental pela qual tão necessário se revela conceber a grelha de programação de um festival, com a preocupação de obedecer a uma coerência nuclear, à volta de um tema gerador que suscite a integração articulada das propostas. Também julgo que, finalmente, neste ano, se atingiu esse apuro. Assim sendo, parecem-me estar reunidos os ingredientes para que a frequência regular do festival constitua, de facto, uma série de momentos de enriquecimento cultural e espiritual.
Segunda-feira às 23:53
Marilisa Crespo Tenho o maior prazer em ir esquadrinhar mais metodicamente o blogue, só fiz uma visita de 'reconhecimento'; porém, não prometo deixar comentário, já que a net vem pela'Mala Posta'...Já era tempo de o Festival de Sintra tornar a cumprir a sua missão, além de evoluir. Se o seu contributo não foi usado, poderá dizer-se que foi um desperdício.
Amigo João Cachado,
Fui comprar bilhetes e disseram-me que a procura tem sido muito fraca. É pena que mesmo com bilhetes tão baratos as pessoas não vão. A questão deve estar na promoção. Não basta programar porque depois é preciso saber vender. Tenho a impressão que Cascais sabe vender melhor o Festival do Estoril. Saudades,
Luiusa Fonseca
Caro Prof. J. Cachado,
Não sendo conhecedor profundo de música clássica, observo que o Festival este ano apresenta uma linha de coerência que havia faltado nos últimos anos e que o Prof. vem vindo a referenciar.
No entanto julgo-o mais pobre. Então e a dança/bailado?
Penso que o programa deste ano perde por isso, não só porque o Festival costuma ser de música e dança, mas também porque essa arte é a mais próxima de públicos não tão familiarizados com as temáticas eruditas, mais generalistas se assim se pode dizer.
Nas últimas edições assisti à quase totalidade dos espectáculos de dança apresentados, e em todos eles as salas apresentavam-se praticamente cheias. Inclusivé com familias estrangeiras.
Desconheço se existem peças que se pudessem enquadrar directamente nos dois compositores celebrados. No entanto, por se situarem no período do Romantismo, não destoaria de todo algumas propostas.
Limitações orçamentais? Direcção programática?
Penso que seria útil alguma justificação.
Ricardo Duarte.
Ainda bem que há progresso na organização. Mas faltam as bandas. Lembro-me de o João Cachado ter chamado a atenção para este aspecto da animação através das filarmónicas. Recebem apoios da Câmara, podiam participar. Talvez para o ano. Com amizade,
Rui Moreira
Concordo totalmente com Rui Moreira. É um aspecto que julgo saber a própria Marquesa de Cadaval tinha como muito importante. Talvez seja interessante explorar em futuras edições.
Paulo Cardoso
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