[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Na Escola
valores e condições de trabalho



Mais uma vez, estive nas ilhas de São Miguel, Terceira e Pico, para discutir problemas que se relacionam com os dois pares de conceitos de Cidadania e Participação, Autoridade e Disciplina, durante duas semanas, com colegas do sector da Educação, domínio em que tais questões se evidenciam com especial pertinência. À partida, no contexto de uma opção pessoal que me leva a participar em iniciativas congéneres, em regime de voluntariado, esta deslocação aos Açores constituía oportunidade imperdível para, directamente, me aperceber como ali se conjugam aqueles conceitos.


Tenha-se em consideração que, em qualquer comunidade escolar, seja qual for a latitude do Estado Democrático de Direito em que estiver inserida, cidadania e participação são conceitos indissociáveis, cujo exercício e proveito se articulam, de modo sistémico, com a prática da autoridade democrática, na exigência do cumprimento da disciplina, sem a qual é impossível a boa condução dos trabalhos. No entanto, aquela que parece uma pacífica formulação, suscita intermináveis ponderações.

Na realidade, torna-se cada vez mais complexo conjugar as ideias do exercício da própria autoridade democrática e da exigência do cumprimento da disciplina na Escola. Isto porque, no binómio ensino/aprendizagem, convém não esquecer, ao longo de décadas, se tem privilegiado a vertente lúdica. Em termos mais pessoais, apesar da boa companhia de cúmplices de grande qualidade, a minha luta, nos últimos trinta anos, tem-se concentrado na tentativa de contrariar aquela perspectiva que é matriz de propostas cujas infelizes consequências estão bem à vista.

De alcance muito limitado têm sido os esforços de pedagogos e técnicos de Educação, sociólogos, etc, no sentido da consciencializar todos os intervenientes do processo educativo – professores, pessoal de apoio educativo, alunos, pais e encarregados de educação – acerca da necessidade de, não só recuperar algumas práticas pedagógicas, mas também viver atitudes comportamentais afins do restabelecimento da autoridade e da disciplina na escola democrática, erradamente conotadas com a possibilidade de desencadearem pretensos traumas nos alunos.

Tal como no continente, também por lá, os agentes qualificados de Educação enfrentam sérias dificuldades quando, na tentativa da valorização dos conceitos e valores em apreço, pretendem exigir o cumprimento dos deveres plasmados nos Regulamento Interno da escola e Estatuto do Aluno. Não afirmaria que prevalece mas, antes, que se evidencia uma preocupante atitude de confusão entre autoridade democrática e autoritarismo.

O resultado mais perverso desta situação é a prevalência de um certo laxismo, muito coincidente com aquilo que, sistematicamente, na esteira de Jorge Sampaio, tenho designado como uma perniciosa cultura de desleixo, minando os próprios alicerces da sociedade democrática. É essa cultura que, infeliz mas continuadamente, vai desgastando o profissionalismo de agentes educativos que, de modo algum, podem contemporizar com ela.


Portanto, muito, muito trabalho a fazer. Assim no-lo exigem os cidadãos contribuintes que, confiando nas ilimitadas capacidades da escola, continuam a entregar-lhe o seu mais precioso bem. O grande objectivo, para os seus filhos e educandos – tantas vezes tão mal conduzidos, no seio de famílias cheias de problemas, inseridas num quadro de referências socioculturais obedientes a modelos incompatíveis com os valores que todos afirmam pretender cultivar – é o de que, à saída do Sistema Educativo, tenhamos cidadãos de corpo inteiro.

De qualquer modo, de acordo com uma abordagem abrangente e integrada dos desafios que se colocam à escola, não tenho a mínima dúvida de que, como instituição, ela só mudará quando, em geral, a comunidade também decidir mudar. Enquanto tal não acontecer, não podemos esperar muito mais do que evitar incorrer em erros demasiado grosseiros. Apenas isso, embora com a necessidade da urgente aquisição de uma lucidez que tem faltado aos decisores políticos e que os cidadãos não têm sabido controlar porque não funciona a cidadania activa.

Para bem funcionar, como transmissora de valores que aparecem colados à aquisição dos conhecimentos – e com a autoridade que detém, proveniente do mandato democrático que a determina – a Escola democrática tem de saber exigir o cumprimento da disciplina. E, finalmente, de uma vez por todas, ou os cidadãos assumem a convicção que afirmam partilhar, ou seja, a de que a Educação é, fundamentalmente, a transmissão de valores e, eles próprios, passam a viver esses valores, ou, então, o melhor é continuarem a afivelar a máscara com que, ao longo de décadas, tão inconvenientemente, têm decidido ocultar a face. É tão simples como isto…

4 comentários:

Luís. C. sousa disse...

Salvo erro o Ministro da Educação também diz a mesma coisa que o Prof. João Cachado. Como ministro, tem poder para modificar as coisas. Agora, se tiver um pouco de jeito político, as coisas só podem melhorar. O País precisa que o homem tenha sucesso.

Luís C. Sousa

Anónimo disse...

Autoridade e disciplina ou voltam à escola ou a escola transforma-se noutra coisa.

JAC disse...

Será que professores e auxiliares de educação sabem como se impõe respeito e disciplina aos alunos?
Terão eles essa perparação? Pode se ser professor ou auxiliar de educação sem nunca se ter tido qualquer preparação para isso? Sendo mãe sei bem os desafios que enfrento com uma criança apenas. As pessoas a quem deixo o meu filho por exemplo nas actividades extra-curriculares ou no ATL da escola tem que perparação? E um professor? Que disciplinas tem no seu currículo, antes claro da experiência que vai acumulando que, claro, é sempre muito importante, que ferramentas usará para disciplinar as crianças?

Rui Pires disse...

A sensação que tenho é de que os responsáveis estão com a cabeça debaixo da areia, como o avestruz. Enquanto estiver assim, com medo e sem capacidade de reacção não temos hipótese de exercer autoridade e exigir a disciplina nas escolas. Por mais quanto tempo?
Abraço,
Rui Pires