[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 27 de novembro de 2011



Com os Hagen,
Beethoven e melomania


Ainda mal refeito estou do estupendo concerto de ontem à noite na Gulbenkian. Foi mesmo sensacional. Para quem não sabe e/ou não percebe o que é o trabalho de um bom maestro, nesta récita de As Estações, teria muito a aprender. Mesmo sem assistir aos ensaios, mas conhecendo o que a casa gasta, se percebe que, a montante do que ontem e anteontem aconteceu naquele palco da Gulbenkian, McCreesh conseguiu um 'produto' verdadeiramente notável, ao nível dos melhores que me foi dado assistir com esta peça. Expressividade, ritmo, dinâmica, subtileza, tudo ao mais alto nível.

Pois, como comecei por afirmar, ainda sob o efeito do privilégio de ontem, eis que, ao fim da tarde de hoje, outro momento excepcional se avizinha com a possibilidade de assistir ao concerto de música de câmara, com o Quarteto Hagen, que vem apresentar a sua leitura daquele que não tenho a menor dúvida em considerar como o melhor segmento da música de Beethoven, precisamente, dois dos seus últimos Quartetos de cordas, op. 130 e op. 131, bem como a Grande Fuga, op. 133.

Por exemplo, tanto Schubert como Stravinsky, expressaram a sua convicção de que estas obras eram monumentos musicais inultrapassáveis. Perante estas peças, diria o primeiro não ser possível escrever algo de superior, confirmando o outro ser a Grande Fuga uma daquelas raríssimas obras que permanecerá contemporânea para sempre.

Os irmãos Lukas, Clemens e Veronika Hagen, naturais de Salzburg, juntamente com Rainer Schmidt, constituem um dos conjuntos de câmara mais homogéneos e sólidos do mundo, há precisamente trinta anos. Pessoalmente, conheço Veronika, tal como os restantes, uma virtuose que também é professora no Mozarteum. Não há Festival de Salzburg, no Verão, não há Mozartwoche, no Inverno, que não conte com a presença do Quarteto Hagen.

Devo a estes músicos alguns dos melhores momentos da minha longa vida de melómano. Claro que não posso estar mais expectante em relação ao que vou ouvir dentro de umas horas. Conheço as obras, perdoem-me a vulgaridade, por dentro e por fora, soletro-as, sofro e gozo o que Beethoven quis que eu sentisse. Pela mão dos Hagen, vou reviver o que me é imprescindível.
No entanto – que bom!... – como dizem os meus mais próximos familiares e amigos, o que eu arrisco é viver noutra dimensão.

De facto, ao longo dos anos, o meu quotidiano, entre Sintra, Gulbenkian e outras salas, cá dentro e lá fora, em Salzburg, Viena, Bayreuth, Luzern, etc, onde só se faz a melhor música do mundo, mantém-me em ilhas de um arquipélago de cultura, com uma fasquia tão alta, que o melhor é mesmo nem falar muito porque a maior parte das pessoas, sem referências de comparação, nem sequer imagina o que possa ser… Depois de já me ter passado o efeito de alguma pancada com que fui brindado, por alguns invejosos da nossa praça, eu insisto nesta atitude de partilha.

NB. Não consegui encontrar uma gravação com uma das peças que os Hagen vão hoje interpretar. Por acaso, o excerto da peça que vos proponho - igalmente, de um dos últimos quartetos de cordas de Beethoven - fez parte de um concerto a que assisti. O auditório é o da Grosse Sall do Mozarteum de Salzburg. Boa audição.

http://youtu.be/t8WUJYfNBug

Beethoven String Quartet Op 135 Mvt4 Muss es sein http://www.youtube.com/

1 comentário:

Mário R. Gonçalves disse...

Concordo absolutamente: a récita das"Estações" de Haydn por McCresh foi soberba,

http://olivrodaareia.blogspot.com/2011/11/verao-no-outono-em-lisboa-as-estacoes.html