Stockhausen, Momente [2]
Não escrevia eu ontem que, previsivelmente, o público iria borregar na Gulbenkian? Primeiramente, ao perceber que a assistência iria ser pouca, o meu amigo Ferreira, a exemplo do que costuma acertadamente fazer, mandou encerrar o balcão de maneira que o público desta zona, ao espalhar-se pela plateia, mais ou menos, comporia o aspecto da sala.
Enfim, a coisa ficou apresentável. Talvez tivesse ficado a meio da lotação, ou seja, umas quatrocentas pessoas. O pior é que, depois do intervalo, metade desta gente pirou-se. É absolutamente inqualificável e incompreensível. Como é possível alguém sair a meio da apresentação, pela primeira vez em Portugal, de uma obra excelente e quase mítica, com uma fortíssimas componentes biográfica e cénica, produto da criatividade de um dos mais extraordinários músicos do século vinte?
E, normalmente, esta gentinha é apresentada como uma elite, a elite da capital… Melómanos? Por amor de Deus!... Estou mais que habituado a cenas quejandas para me surpreender com o caso. Porém, lamento, continuarei a lamentar, inconsolável. É que, sabem, a Música que se faz em qualquer auditório é, também e sempre, a celebração da Arte e da Beleza. Assim sendo, custa muito perceber que, na esclarecida capital do país, a Música continue a ser assumida e consumida desta maneira, por gente tão ignorante e desqualificada.
A minha esperança é que, hoje, na repetição do programa, Momente, de Stockhausen, seja recebida de maneira diferente pelo público da tarde que, igualmente, conheço e reconheço como mais jovem, aberto e disponível. Enfim, além da minha pequena apresentação no texto de ontem, gostaria de assinalar o alto nível da prestação do coro e orquestra Gulbenkian, da solista soprano Julia Bauer e da direcção de Peter Eötvös, em articulação com Jorge Mata e Pedro Amaral.
Momento muito alto da programação da Gulbenkian. Momento de grande enriquecimento estético. Momento, mais uma vez, de me render a Stokhausen, por esta sofisticadíssima obra-prima, das mais incríveis e geniais celebrações do Amor, uma apoteose da saída do caos.
1 comentário:
Transcrição do fb:
Luis Miguel Correia Lavrador
João, lembrei-me de um programa televisivo do maestro Vitorino de Almeida, que deu a conhecer dezenas de bandas filarmónicas do nosso país. Quanto talento e amor à música, dado por pessoas de pequenas vilas do interior sem acesso aos grandes palcos. Que dariam tudo para assistir a um concerto na Gulbenkian - digo eu! É muito triste, caro amigo.
há 11 horas.
João De Oliveira Cachado
Que bem lembrado! Como calcula, não posso ter maior apreço pelo trabalho desenvolvido por essas bandas. Não é só a música que produzem mas a obra pedagógica em que se empenham nas comunidades, permitindo que um grande número de crianças e j...ovens acedam a este mundo fascinante. Aqui em Sintra, cumpre-me lembrar o caso da Senhora Marquesa de Cadaval - certamente, a maior mecenas neste domínio no século vinte em Portugal - que promoveu o envolvimento das bandas logo nas primeiras edições do Festival de Música de Sintra. Era uma grande senhora, em todos os sentidos, o caso mais notável de mulher de cultura de dimensão verdadeiramente europeia, que bem merece ser mais conhecida quer pelos portugueses quer pelos europeus. Aproveito a oportunidade para informar que tenho a felicidade de estar inserido numa pequena equipa de entusiastas, preparando um grande documento audiovisual sobre a Marquesa. Há anos que trabalhamos nesse produto, havendo já muita coisa feita, entrevistas espantosas, com gente tão ilustre como o galático maestro e pianista Daniel Barenboim, Marta Argerich, Stephen Kovacevitch, Nella Maisa, Nelson Freire, Sequeira Costa, e oiutras personalidades como Jorge Sampaio, Maria Barroso, João Paes, Luís Santos Ferro e tantos outros nacionais e estrangeiros, todos tributários do mecenato de Dona Olga. Lisboa, Sintra, Muge, Veneza [é descendente directa de Catarina da Rússia e de 12 doges de Veneza, da família Mocenigo, com um fabuloso palácio ainda hoje na posse da família, no Grande Canal, onde foi estriada, em 1624, a ópera de Monteverdi "Il Combattimento di Tancredi e Clorinda", veja só...]Turim, etc, são lugares considerados. Tem sido um fascínio. Olga Cadaval, uma grande diletante, no etimológico sentido do adjectivo, reconhecia o imenso valor das bandas filarmónicas portuguesas e promovi-as, à medida das suas possibilidades. As bandas. Que boa lembrança, a sua, Luís. Em Portugal, são um caso muito sério. Os verdadeiros melómanos sabem-no e reconhecem.
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