[sempre de acordo com a antiga ortografia]
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Helmut Schmidt,
93 anos, a voz da lucidez
À ATENÇÃO DE TODOS! ESTE DISCURSO QUE HELMUT SCHMIDT PROFERIU, HÁ CERCA DE UM MÊS, EM BERLIN, NO CONGRESSO DO SPD, É UMA DAS PEÇAS POlÍTICAS DE MAIOR ALCANCE DOS ÚLTIMOS ANOS. É LONGO. MAS, PARA BEM DE TODOS, NÃO PERCAM!
ESTE É O DISCURSO DE UM ESTADISTA. ESTAS SÃO CONSIDERAÇÕES QUE NÃO ESTÃO AO ALCANCE DE MERKL, SARKOZY E, MUITO MENOS, DE UM AINDA MAIS MEDÍOCRE SÓCRATES. A ESTE NÍVEL, A POLÍTICA É TÃO DESAFIANTE COMO A MELHOR MÚSICA, COMO A GRANDE ARTE.
REPAREM-SE. DELICIEM-SE COM A LUCIDEZ.
[infelizmente, a tradução é pouco recomendável. Acabo de aceder ao original pelo que aconselho todos os que entendam o Alemão a fazerem o mesmo. As palavras ganham uma veemência, uma pertinência muito mais impressivas. Neste, como em muitas outras circunstâncias, bem se aplica a máxima tradutore, traditore...]
Discurso de Helmut Schmidt no Congresso do SPD, 4 de Dezembro de 2011,BerlimDiscurso «A Alemanha na e com a Europa», Helmut Schmidt, ex-chanceler, noCongresso ordinário do SPD, Berlim, 4 de Dezembro de 2011
- é válida a palavra dita –
Queridos Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores!
Deixai-me começar com uma nota pessoal. Quando o Sigmar Gabriel, o Frank-Walter Steinmeier e o meu Partido me pediram mais uma vez uma contribuição,gostei de recordar como há 65 anos eu e a Locki, de joelhos no chão, pintavamoscartazes para o SPD em Hamburgo-Neugraben. Na verdade tenho de confessardesde já: no que diz respeito a toda a política partidária, já estou para além do Bem e do Mal, por causa da minha idade.
Há muito que para mim, em primeiro e em segundo lugar, se encontram as tarefas e papel da nossa nação no indispensável âmbito união europeia.Simultaneamente estou satisfeito por poder partilhar esta tribuna como o nossovizinho norueguês Jens Stoltenberg, que no centro de uma profunda infelicidade dasua nação nos deu a nós e a todos os europeus um exemplo a seguir de direção liberal e democrática de um estado de direito.
Enquanto entretanto homem já muito velho, penso naturalmente em longosperíodos temporais – quer para trás na História, quer para a frente na direção dodesejado e pretendido futuro. Contudo, não pude dar há alguns dias uma respostaclara a uma pergunta muito simples. Wolfgang Thierse perguntara-me: «Quando será a Alemanha, finalmente, um país normal?» E eu respondi: num futuro próximo a Alemanha não será um país «normal».
Já que contra isso está a nossa cargahistórica enorme mas única. E além disso está contra isso a nossa posição centralpreponderante, demográfica e economicamente, no centro do nosso bastantepequeno continente mas organizado em múltiplos estados-nação.Com isto já estou no centro do complexo tema do meu discurso: a Alemanha naEuropa, com a Europa e pela Europa.
Razões e origens da integração europeiaApesar de em alguns poucos dos cerca de 40 Estados europeus a consciência de ser uma nação se ter desenvolvido tardiamente – assim em Itália, na Grécia e naAlemanha – sempre houve e em todo o lado guerras sangrentas. Pode-secompreender esta história europeia – observada da Europa Central – como umapura sequência de lutas entre a periferia e o centro e vice-versa. Sempre de novo ocentro se manteve o campo de batalha decisivo.
Quando os governantes, os estados ou os povos no centro da Europa foram fracos,então os vizinhos da periferia avançaram para o centro. A maior destruição e asrelativamente elevadas baixas humanas aconteceram na primeira guerra dos 30anos entre 1618 e 1648, que se desenrolou fundamentalmente em solo alemão. AAlemanha era, nessa época, simplesmente um conceito geográfico, definido deforma desfocada só pelo espaço da língua alemã. Mais tarde vieram os franceses, sob Luís XIV e de novo sob Napoleão. Os suecos não vieram uma segunda vez; mas sim diversas vezes os ingleses e os russos, a última vez com Staline.
Mas quando as dinastias ou os Estados eram foram fortes no centro da Europa – ouquando se sentiram fortes! – então atacaram a periferia. Isto já é válido para ascruzadas, que foram simultaneamente cruzadas de conquista não só na direção daÁsia Menor e Jerusalém, mas também na direção da Prússia Oriental e na de todosos três estados bálticos atuais. Na idade moderna é válido para as guerras contraNapoleão e é válido para as três guerras de Bismarck em 1864, 1866 e 1870/71.
O mesmo é válido principalmente para a segunda guerra dos 30 anos de 1914 a1945. É especialmente válido para os avanços de Hitler até ao Cabo Norte, até aoCáucaso, até à ilha grega de Creta, até ao sul da França e até mesmo a Tobruk, perto da fronteira líbio-egípcia. A catástrofe europeia, provocada pela Alemanha, incluiu a catástrofe dos judeus europeus e a catástrofe do estado nacional alemão.
Mas antes os polacos, as nações bálticas, os checos, os eslovacos, os austríacos, os húngaros, os eslovenos, os croatas tinham partilhado o destino dos alemães namedida em que todos eles, desde há séculos, tinham sofrido sob a sua posiçãogeopolítica central neste pequeno continente europeu. Ou dito de outra forma: diversas vezes, nós, alemães, fizemos sofrer os outros sob a nossa central posição de poder.
Hoje em dia, as reivindicações territoriais conflituais, os conflitos linguísticos efronteiriços, que ainda na primeira metade do século XX desempenharam um papelimportante na consciência das nações, tornaram-se de facto insignificantes, pelo menos para nós alemães.Enquanto na opinião pública e na opinião publicada nas nações europeias oconhecimento e a lembrança das guerras da Idade Média se encontramamplamente esquecidos, a lembrança de ambas as guerras do século XX e aocupação alemã desempenham todavia ainda um papel latente dominante.
Penso ser para nós alemães decisivo que quase todos os nossos vizinhos – e paraalém disso quase todos os judeus no mundo inteiro – se recordem do holocausto edas infâmias que aconteceram durante a ocupação alemã nos países da periferia.Não está suficientemente claro para nós alemães que provavelmente entre quasetodos os nossos vizinhos, ainda por muitas gerações, se mantém uma desconfiançacontra os alemães.
Também as gerações alemãs posteriores têm de viver com este peso histórico. E as atuais não devem esquecer: foi a desconfiança com um futuro desenvolvimento da Alemanha que justificou o início da integração europeia em 1950.Em 1946, Churchill, no seu grande discurso em Zurique, tinha duas razões paraapelar aos franceses para se entenderem com os alemães e construírem com ele os Estados Unidos da Europa: em primeiro lugar a defesa conjunta perante a UniãoSoviética, que parecia ameaçadora, mas em segundo a integração da Alemanha numa aliança ocidental alargada.
Porque Churchill previa perspicazmente arecuperação económica da Alemanha.Quando em 1950, quatro anos depois do discurso de Churchill, Robert Schuman e Jean Monnet apresentaram o plano Schuman para a integração da indústria pesadaeuropeia, a razão foi a mesma, a razão da integração alemã. Charles de Gaulle, que dez anos mais tarde propôs a Konrad Adenauer a reconciliação, agiu pelo mesmo motivo.
Tudo isto aconteceu na perspetiva realista de um possível desenvolvimento futurodo poder alemão. Não foi o idealismo de Victor Hugo, que em 1849 apelou à uniãoda Europa, nem nenhum idealismo esteve em 1950/52 no início da integraçãoeuropeia então limitada à Europa Ocidental. Os estadistas dessa época na Europa ena América (nomeio George Marshall, Eisenhower, também Kennedy, mas principalmente Churchill, Jean Monnet, Adenauer e de Gaulle ou também Gasperi eHenri Spaak) não agiram de forma nenhuma por idealismo europeu, mas sim apartir do conhecimento da história europeia até à data.
Agiram no juízo realista danecessidade de impedir uma continuação da luta entre a periferia e o centroalemão. Quem ainda não entendeu este motivo original da integração europeia, deque continua a ser um elemento fundamental, quem ainda não entendeu isto falta-lhe a condição indispensável para solucionar a presente crise altamente precáriada Europa.
Quanto mais, durante os anos 60, 70 e 80, a então República Federal ganhava empeso económico, militar e político, mais a integração europeia se tornava aos olhosdos governantes europeus o seguro contra a de novo possível tentação de poderalemã. A resistência inicial de Margaret Tatcher ou de Miterrand ou de Andreottiem 1989/90 contra a unificação dos dois estados alemães do pós-guerra estavaclaramente fundada na preocupação de uma Alemanha poderosa no centro deste pequeno continente europeu.Gostaria aqui de fazer um pequeno excurso pessoal. Ouvi Jean Monnet quandoparticipei no seu comité «Pour les États-Unis d’Europe». Foi em 1955.
Para mim Jean Monnet é um dos franceses mais perspicazes que eu conheci na minha vidaem questões de integração, também por causa do seu conceito de avançar passo apasso na integração europeia.Desde aí que, por compreender o interesse estratégico da nação alemã, me tornei e me mantive um partidário da integração europeia, um partidário da integração daAlemanha, não por idealismo. (Isto levou-me a uma controvérsia com Kurt Schumacher, o por mim muito respeitado presidente do meu partido, para eleinsignificante, para mim com 30 anos, regressado da guerra, muito séria.)
Levou-me a concordar, nos anos 50, com os planos do então Ministro dos NegóciosEstrangeiros polaco Rapacki. No início dos anos 60 escrevi então um livro contra aestratégia oficial ocidental da retaliação nuclear, com que a NATO, na qual ontemcomo hoje nos encontrávamos integrados, ameaçava a poderosa União Soviética.
A União Europeia é necessáriaDe Gaulle e Pompidou continuaram nos anos 60 e início dos anos 70 a integraçãoeuropeia, para integrar a Alemanha – mas também não queriam de maneiranenhuma integrar o seu próprio estado. Depois disso, o bom entendimento entreGiscard d’Estaing e mim, levou a um período de cooperação franco-alemão e à continuação da integração europeia, um período que depois da primavera de 1990continuou com êxito entre Miterrand e Kohl.
Ao mesmo tempo desde 1950/52 quea comunidade europeia cresceu, até 1991, passo a passo de seis para dozemembros.Graças ao amplo trabalho preparatório de Jacques Delors (na altura presidente daComissão Europeia), Miterrand e Kohl acordaram, em 1991, em Maastricht amoeda comum – o euro – que se tornou realidade dez anos mais tarde, em 2001.
De novo na sua origem a preocupação francesa de uma Alemanha demasiadopoderosa, mais exatamente de um marco demasiado poderoso.Entretanto o euro tornou-se na segunda moeda mais importante da economiamundial. Esta moeda europeia é até, quer interna, quer externamente mais estáveldo que o dólar americano e mais estável do que o marco foi nos seus últimos dezanos.
Toda a conversa sobre uma suposta «crise do euro» é conversa fiada levianados media, de jornalistas e de políticos.Mas desde Maastricht, desde 1991/92, que o mundo mudou imensamente.Assistimos à libertação das nações do leste europeu e à implosão da UniãoSoviética. Assistimos à ascensão fenomenal da China, da Índia, do Brasil e outros«estados emergentes», que antigamente chamávamos «Terceiro Mundo».
Simultaneamente, as economias reais de grande parte do mundo «globalizaram-se», em alemão: quase todos os estados no mundo dependem uns dos outros.Principalmente, os actores nos mercados financeiros globalizados apropriaram-sede um poder, por enquanto, totalmente sem controlo.Mas paralelamente, quase sem se dar por isso, a humanidade multiplicou-se deforma explosiva atingindo os 7 mil milhões.
Quando nasci eram cerca de 2 milmilhões. Todas estas enormes mudanças tiveram consequências tremendas nospovos europeus, nos seus estados, no seu bem-estar!Por outro lado, todas as nações europeias envelhecem e por todo o lado desce onúmero de cidadãos europeus. Em meados do século XXI seremos provavelmente9 mil milhões de pessoas a viver na Terra, enquanto todas as nações europeias não ultrapassarão os 7%. 7% de 9 mil milhões. Até 1950, os europeus representaram, durante mais de dois séculos, mais de 20% da população mundial.
Mas desde há 50 anos que nós europeus diminuímos – não só em números absolutos, mas principalmente em relação à Ásia, África e América Latina. Da mesma forma desce a parte dos europeus no produto social global, isto é na criação de riqueza de toda a humanidade. Até 2050 descerá até aos 10%; em 1950 ainda representava 30%.Cada uma das nações europeias, em 2050, representará já só uma parte de um 1% da população mundial. Quer dizer: se queremos ter a esperança de nós europeus termos importância no mundo, então só a teremos em conjunto.
Porque enquanto Estados separados – seja a França, Itália ou Alemanha ou Polónia, Holanda ou Dinamarca ou Grécia – só nos poderão contar em milésimos e não mais em números percentuais.Daqui resulta o interesse estratégico a longo prazo dos estados europeus na suacooperação integradora. Este interesse estratégico na integração europeiaaumentará em importância cada vez mais. Até agora ainda não está amplamente consciencializado pelas nações.
Também os respetivos governos não as consciencializam.
No caso, porém de a União Europeia no decorrer do próximo decénio nãoconseguir – mesmo que limitada – uma capacidade conjunta de atuação, não é deexcluir uma marginalização auto-provocada dos estados e da civilização europeia.Do mesmo modo não se pode excluir, num caso destes, o ressuscitar de lutasconcorrenciais e de prestígio entre os estados europeus. Numa situação destas aintegração da Alemanha não poderia funcionar. O velho jogo entre centro eperiferia podia de novo tornar-se realidade.
O processo mundial de esclarecimento, de propagação dos direitos das pessoas eda sua dignidade, o direito constitucional e a democratização não receberia maisnenhum impulso eficaz da Europa. Nesta perspetiva, a comunidade europeia torna-se uma necessidade vital para os estados nacionais do nosso velho continente. Estanecessidade ultrapassa as motivações de Churchill e de Gaulle. Também ultrapassaas motivações de Monnet e os de Adenauer. E hoje também engloba as motivaçõesde Ernst Reuter, Fitz Ehler, Willy Brandt e também Helmut Kohl.
Acrescento: certamente que também se trata ainda e sempre da integração daAlemanha. Por isso, nós alemães temos de ganhar clareza sobre a nossa tarefa, onosso papel no contexto da integração europeia. A Alemanha necessita de constância e fiabilidadeSe no final de 2011 olharmos para a Alemanha com os olhos dos nossos vizinhosmais próximos e mais distantes, desde há um decénio que a Alemanha provocainquietação – recentemente também preocupação política.
Nos últimos anossurgiram dúvidas consideráveis sobre a constância da política alemã. A confiançana garantia da política alemã está abalada.Estas dúvidas e preocupações assentam também nos erros de política externa dosnossos políticos e governos. Por outro lado baseiam-se no, para o mundoinesperado, poder económico da República Federal unificada. A nossa economiatornou-se – iniciando nos anos 70, nessa época ainda dividida – na maior daEuropa. Tecnológica, financeira e socialmente é hoje uma das economias maiseficientes do mundo.
O nosso poder económico e a nossa, em comparação muitoestável, paz social desde há decénios também provocaram inveja – tanto mais quea nossa taxa de desemprego e a nossa dívida se encontram dentro da normalidadeinternacional.No entanto, não nos é suficientemente claro que a nossa economia está, querprofundamente integrada no mercado comum europeu, quer em grande medidaglobalizada e assim dependente da conjuntura mundial. Iremos assim assistircomo, no próximo ano, as nossas exportações não aumentarão significativamente.
Mas simultaneamente desenvolveu-se um grave erro, nomeadamente os enormesexcedentes da nossa balança comercial. Desde há anos que os excedentesrepresentam 5% do nosso PIB. São comparáveis aos excedentes da China. Isto nãonos é completamente claro porque os excedentes não se contabilizam em marcos, mas em euros. Mas é necessário que os nossos políticos consciencializem estacircunstância.Porque todos os nossos excedentes são, na realidade, os défices dos outros. Asexigências que temos aos outros, são as suas dívidas. Trata-se de uma violaçãoirritante do por nós elevado a ideal legal do «equilíbrio da economia externa».
Estaviolação tem de inquietar os nossos parceiros. E quando ultimamente aparecemvozes estrangeiras, na maioria dos casos vozes americanas – entretanto vêm demuitos lados – que exigem da Alemanha um papel de condução europeia, entãoisso desperta nos nossos vizinhos mais desconfiança. E acorda más recordações.Esta evolução económica e a simultânea crise da capacidade de ação dos órgãos da união europeia empurraram de novo a Alemanha para um papel central. Achanceler aceitou solícita este papel juntamente com o presidente francês.
Mas há, e novo, em muitas capitais europeias e também em muitos media uma crescentepreocupação com o domínio alemão. Desta vez não se trata de uma potênciamilitar e política central, mas sim de um potente centro económico!Aqui é necessário uma séria, cuidadosamente equilibrada advertência aos políticosalemães, aos media e à nossa opinião pública.
Se nós alemães nos deixássemos seduzir, baseados no nosso poder económico, por reivindicar um papel político dirigente na Europa ou pelo menos desempenhar opapel de primus inter pares, então um número cada vez maior dos nossos vizinhosresistiria eficazmente. A preocupação da periferia europeia com um centro daEuropa demasiado forte regressaria rapidamente. As consequências prováveis deuma tal evolução seriam atrofiadoras para a UE. E a Alemanha cairia noisolamento.
A República Federal da Alemanha, muito grande e muito eficaz, precisa – tambémpara se defender de si própria! – de se encaixar na integração europeia. Por issodesde os tempos de Helmut Kohl, desde 1992 que o artº 23º da Constituição nosobriga a colaborar «... no desenvolvimento da União Europeia». Este artº 23ºobriga-nos a esta cooperação também no «princípio da subsidiariedade...». A crise atual da capacidade de ação dos órgãos da UE não muda em nada estes princípios.
A nossa posição geopolítica central, mais o papel infeliz no decorrer da históriaeuropeia até meados do século XX, mais a nossa capacidade produtiva atual, tudoisto exige de todos os governos alemães uma grande dose de compreensão dosinteresses dos nossos parceiros na EU. E a nossa prestabilidade é indispensável.Nós, alemães, também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução ecapacidade de produção nos últimos 6 decénios. Elas não teriam sido possíveis sem a ajuda das potências vencedoras ocidentais, sem a nossa inclusão nacomunidade europeia e na aliança atlântica, sem a ajuda dos nossos vizinhos, sem a mudança política na Europa de leste e sem o fim da ditadura comunista.
Nós,alemães, temos razões para estarmos gratos. E simultaneamente temos aobrigação de nos mostramos dignos da solidariedade através da solidariedade comos nossos vizinhos!Pelo contrário, ambicionar um papel próprio na política mundial e ambicionarprestígio político mundial seria bastante inútil, provavelmente até prejudicial. Emtodo o caso, mantém-se indispensável a estreita cooperação com a França e aPolónia, com todos os nossos vizinhos e parceiros na Europa.É minha convicção que reside no interesse estratégico cardinal da Alemanha alongo prazo, não se isolar e não se deixar isolar.
Um isolamento no espaço doocidente seria perigoso. Um isolamento no espaço da EU ou da zona euro seriaainda mais perigoso. Para mim, este interesse da Alemanha ocupa um lugarinequivocamente mais importante do que qualquer interesse tático de todos ospartidos políticos.Os políticos e os media alemães têm, com mil demónios, a obrigação e o dever dedefender este conhecimento de forma duradoura na opinião pública.
Mas quando alguém dá a entender que hoje e no futuro falar-se-á alemão naEuropa; quando um ministro alemão dos negócios estrangeiros pensa queaparições adequadas às televisões em Tripoli, Cairo ou Cabul são mais importantesdo que contactos políticos com Lisboa, Madrid, Varsóvia ou Praga, Dublin, HaiaCopenhaga ou Helsínquia; quando um outro acha ter de se defender de uma «União de transferência» - então tudo isto é mera fanfarronice prejudicial.
Na verdade, a Alemanha foi durante longos decénios pagador líquido! Podíamosfazê-lo e fizemo-lo desde Adenauer. E naturalmente que Grécia, Portugal ou Irlandaforma sempre recebedores líquidos.Esta solidariedade talvez não seja hoje suficientemente clara para a classe políticaalemã. Mas até agora foi evidente. Também evidente – e para além disso desdeLisboa incluído no tratado – o princípio da subsidiariedade: aquilo que um estadonão pode ou não consegue resolver, tem de ser assumido pela UE.
Desde o plano Schuman que Konrad Adenauer aceitou, por instinto políticoacertado, a oferta francesa contra a resistência quer de Kurt Schumacher, quer de Ludwig Erhard. Adenauer avaliou corretamente o interesse estratégico de longoprazo da Alemanha – apesar da divisão da Alemanha! Todos os sucessores – assim também Brandt, Schmidt, Kohl e Schröder – prosseguiram a política de integraçãode Adenauer.Todas as táticas da ordem do dia, da política interna ou da política externa nunca questionaram o interesse estratégico alemão de longo prazo.
Por isso todos osnossos vizinhos e parceiros puderam confiar, durante decénios, na constância dapolítica europeia alemã – e na verdade independentemente de todas as mudançasde governo. Esta continuidade mantém-se conveniente também no futuro.A situação atual da EU exige energiaContribuições conceptuais alemãs foram sempre naturais. Também se deve manterassim no futuro. No entanto não devíamos antecipar o futuro longínquo. Mudanças no tratado, mesmo assim, só poderiam corrigir em parte erros e omissões narealidade criada há vinte anos em Maastricht.
As propostas atuais para asmudanças no Tratado de Lisboa em vigor não me parecem muito úteis para umfuturo próximo, se nos lembrarmos das dificuldades até agora com todas asdiversas ratificações nacionais, ou nos referendos com resultados negativos.Concordo por isso com Napolitano, o Presidente italiano, quando, num notáveldiscurso em Outubro exigiu que nós hoje nos temos de concentrar no que énecessário hoje fazer. E que para isso temos de esgotar as possibilidades que ostratados em vigor nos proporcionam – especialmente o reforço das regrasorçamentais e da política económica na zona Euro.
A atual crise da capacidade de ação dos órgãos da EU criados em Lisboa, não podecontinuar! Com a exceção do BCE, todos os órgãos – Parlamento Europeu, ConselhoEuropeu, Comissão Europeia e Conselho de Ministros – todos eles, desde asuperação da aguda crise dos bancos de 2008 e especialmente da consequentecrise da dívida soberana, contribuíram pouco para uma ajuda eficaz.Não há nenhuma receita para a superação da atual crise de liderança na EU.
Serão necessários vários passos, alguns simultâneos, outros consecutivos. Não serão só necessárias, capacidade de análise e energia, mas também paciência! Nisso ascontribuições concepcionais alemãs não se podem reduzir a chavões. Não devemser apresentadas na praça televisiva, mas em vez disso confidencialmente nosgrémios dos órgãos da EU. Os alemães não devem apresentar como exemplo oumedida de toda as coisas aos nossos parceiros europeus, nem a nossa ordemeconómica ou social, nem o nosso sistema federal, nem a nossa políticaconstitucional orçamental ou financeira, mas sim simplesmente enquanto exemploentre várias outras possibilidades.
Todos nós em conjunto somos responsáveis pelos efeitos futuros na Europa portudo o que hoje a Alemanha faz ou deixa de fazer. Precisamos de razoabilidadeeuropeia. Mas não precisamos só de razoabilidade, mas também de um coraçãocompreensivo com os nossos vizinhos e parceiros.Concordo num ponto importante com Jürgen Habermas, que recentemente referiuque – e cito - «...na realidade assistimos agora pela primeira vez na história da EU a uma desmontagem da Democracia!!» (fim da citação).
De facto: não só o Conselho Europeu, incluindo o seu Presidente, também a Comissão Europeia, incluindo o seuPresidente e os diversos Conselhos de Ministros e toda a burocracia de Bruxelasmarginalizaram em conjunto o princípio democrático! Eu caí no erro, na época emque introduzimos a eleição para o Parlamento europeu, de pensar que oParlamento conseguiria o seu peso próprio. Na verdade até agora não tevenenhuma influência reconhecível na superação da crise, já que as suas discussões e resoluções não têm até agora nenhum resultado público.
Por isso quero apelar a Martin Schulz: é tempo de o senhor e os seus colegasdemocratas-cristãos, socialistas, liberais e verdes, em conjunto mas de formadrástica, conseguirem ser ouvidos publicamente. Provavelmente o campo datotalmente insuficiente fiscalização sobre os bancos, bolsas e os seus instrumentosfinanceiros, desde o G20 em 2008, adequa-se na perfeição para um tallevantamento do Parlamento Europeu.
Realmente alguns milhares de brookers nos EUA e na Europa, mais algumasagências de notação tornaram reféns os governos politicamente responsáveis na Europa. Não é de esperar que Barack Obama possa vir fazer muito contra isso. Omesmo é válido para o governo britânico. Realmente, os governos do mundointeiro salvaram, na verdade, os bancos em 2008/09 com as garantias e o dinheirodos impostos dos cidadãos. Mas já em 2010, esta manada de executivosfinanceiros, altamente inteligentes e simultaneamente propensos à psicose, jogava,de novo, o seu velho jogo do lucro e das bonificações. Um jogo de azar e emprejuízo dos que não são jogadores, que eu e Marion Dönhoff já nos anos 90criticámos como muito perigoso.
Já que ninguém quer agir, então os participantes da zona Euro têm de o fazer. Paraisso o caminho pode ser o do artº 20º do Tratado de Lisboa em vigor. Aí prevê-seexpressamente, que Estados-membros sós ou em conjunto «estabeleçam entre eles uma cooperação reforçada». Em todo o caso, os Estados membros da zona euro deveriam impor uma regulação enérgica do seu mercado financeiro comum.
Desde a separação entre por um lado os normais bancos de negócios e por outro, os bancos de investimento e bancos sombra até à proibição da venda de derivados,desde que não autorizados pela fiscalização oficial da Bolsa - até à restrição eficazdos negócios das, por enquanto, não fiscalizadas agências de notação no espaço dazona euro. Não quero, minhas senhoras e meus senhores, aborrecê-los com maisdetalhes.
Naturalmente que o globalizado lobby dos banqueiros iria empregar todos osmeios contra. Já conseguiu até agora impedir toda a regulamentação eficaz.Possibilitou para si mesmo que a manada dos seus brookers tenha colocado osgovernos europeus na situação difícil de ter de inventar sempre novos «fundos deestabilização» e alargá-los através de «alavancas». É tempo de se resistir. Se oseuropeus conseguirem ter a coragem e a força para uma regulação eficaz dosmercados financeiros, então podemos no médio prazo tornarmo-nos numa zona deestabilidade.
Mas se falharmos, então o peso da Europa continuará a diminuir – e omundo evolui na direção de um Duovirato entre Washington e Pequim.Seguramente que para o futuro próximo da zona euro todos os passos anunciadose pensados até agora são necessários. Deles fazem parte os fundos de estabilização, o limite máximo de endividamento e o seu controlo, uma política económica e fiscal comum, deles fazem parte uma série de reformas nacionais na política fiscal, de despesa, na política social e na política laboral. Mas forçosamente, também uma dívida comum será inevitável. Nós, alemães, não nos devemos recusar por razõesnacionais e egoístas.
Mas de forma nenhuma devemos propagar para toda a Europa uma políticaextrema de deflação. Mais razão tem Jacques Delors quando exige, em conjuntocom o saneamento do orçamento, a introdução e financiamento de projetos quefomentem o crescimento. Sem crescimento, sem novos postos de trabalho, nenhum Estado pode sanear o seu orçamento. Quem acredita que a Europa pode, só através de poupanças orçamentais, recompor-se faça o favor de estudar o resultado fatal da política de deflação de Heinrich Brüning em 1930/32. Provocou uma depressão e um desemprego de uma tal dimensão que deu início à queda da primeira democracia alemã.
Aos meus amigosTerminemos, queridos amigos! No fundo, não é preciso pregar solidariedadeinternacional aos sociais-democratas. A social-democracia é desde há século emeio internacionalista – em muito maior medida do que gerações de liberais, deconservadores ou de nacionalistas alemães. Nós, sociais-democratas, nãoabdicámos da liberdade e da dignidade de cada ser humano. Simultaneamente nãoabdicámos da democracia representativa, da democracia parlamentar. Estesprincípios obrigam-nos hoje à solidariedade europeia.
Decerto que a Europa, também no século XXI, será constituída por estadosnacionais, cada um com a sua língua e a sua própria história. Por isso a Europa nãose tornará de certeza num Estado Federal. Mas a UE também não pode degenerarnuma mera aliança de estados. A UE tem de se manter uma aliança dinâmica, emevolução. Não há em toda a história da humanidade nenhum exemplo. Nós, social-democratas, temos de contribuir para a evolução passo a passo desta aliança.
Quanto mais envelhecemos, mais pensamos em períodos longos. Tambémenquanto homem velho me mantenho fiel aos três princípios do Programa deGodesberg: liberdade, justiça, solidariedade. Penso, a propósito, que hoje a justiçaexige antes de mais igualdade de oportunidades para as crianças, para estudantese jovens.Quando olho para trás, para 1945 ou posso olhar para 1933 – tinha acabado defazer 14 anos – o progresso que fizemos até hoje parece-me quase inacreditável.
O progresso que os europeus alcançaram desde o Plano Marshall, 1948, desde o Plano Schuman, 1950, graças a Lech Walesa e ao Solidarnosz, graças a Vaclav Havel e à Charta 77, que agradecemos àqueles alemães em Leipzig e Berlim Oriental desde a grande mudança em 1989/91.Não podíamos imaginar nem em 1918, nem em 1933, nem em 1945 que hoje umagrande parte da Europa se regozija pelos Direitos Humanos e pela paz. Por isso mesmo trabalhemos e lutemos para que a UE, historicamente única, saia firme eautoconfiante da sua presente fraqueza.
SPD 2011
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2 comentários:
Em primeiro lugar aqui deixo o meu obrigado ao Professor João Cachado pelo serviço cívico prestado com o seu blog e em especial pelo rigor na tradução de tão extraordinário texto desse extraordinário homem que é Helmut Schmid. Fazem falta homens assim nos tempos que correm! Gostaria ainda de lhe deixar a seguinte questão. Acha que a Europa está prestes a iniciar um contra-ciclo, no que concerne ao modelo político? Sem Merkozy há futura para a U.E.?
Cumprimentos
Caspar Brotzman
.Maria Do Rosario Billwiller
eu assisti na TV ao discurso de Helmut Schmidt. Pessoalmente é o melhor politico que existe. Vale a pena ouvir o discurso dele.
10/1 às 18:22
João De Oliveira Cachado
De facto, é um portento. Que falta fazem estadistas deste calibre. A sensação que vamos tendo é que homens como este, pela lei da vida, estão a caminho da grande viagem e nós ficamos cada vez mais desguarnecidos de referências. Na maioria dos países, os miúdos deixaram de ter paradigmas de cidadania que possam seguir. Se as igrejas cristãs europeias, nomeadamente, a nossa, católica, não fizerem o trabalho que lhes compete, o problema do exemplo vivo, da dignidade, do serviço pelo bem público e comum que, ao fim e ao cabo, é o objectivo mais nobre da política, perde significado, esvazia-se, e, às tantas, estamos a falar de coisas que se esfumaram no tempo... É uma grande preocupação.
10/1 às 21:55
Isabel Claro
Primo vou partilhar. discursos destes são verdadeiramente dignos de ser conhecidos... obrigada!
10/1 às 22:36
João De Oliveira Cachado
Olá Isabel, Como verifica, a sua tia, Maria do Rosário, também é da mesma opinião. Infelizmente, é muito raro sermos privilegiados com um testemunho do calibre deste grande estadista, de quem me lembro, perfeitamente, na sua qualidade de Chanceler. Houve uma pleiade de políticos europeus tão notáveis, durante algumas décadas, de quem vocês, hoje na casa dos trinta e tal, quarenta anos, mal se lembram porque eram muito miúdos quando eles ainda estavam no poder. Foram homens e mulheres da craveira de Schmidt que, em nosso nome, construiram o orgulho civilizacional da Europa que, desgraçadamente, agora está em causa, nas mãos de Sarkozy, Merkel, Sócrates, Barroso e outros medíocres quejandos. Mas o caminho está aí para ser percorrido e só pode ser um, isto é, o de defender e lutar pela obra que ajudámos a construir e que, tanto nos dignificando, não pode ser malbaratada, esbanjada e negociada com chineses espertalhões, à espreita de todas as oportunidades que as nossas fragilidades lhes concedem. Abraço
11/1 às 1:08
Isabel Claro
Indiferente às convicções politicas, esta geração não tem lideres com carisma sejam eles de direita, esquerda... o que nos provoca ainda mais este sentimento de desnorte, de inquietação, e total falta de confiança..... um beijinho primo
11/1 às 13:52
Maria Do Rosario Billwiller
Para mim é fácil nao só de compreender o H. Schnidt como de o admirar pois desde mais de 30 anos que acompanho a sua politica.Para mim nao é só o melhor como o mais sério politico que conheco
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