[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 31 de março de 2012

[Segunda parte do artigo iniciado no sábado passado, transcrição do texto publicado na Secção Cultural da edição de 30.03.2012 do 'Jornal de Sintra]


Nacional socialismo musical [II]


Ao terminar a primeira parte do texto publicado na última edição, depois de ter feito o enquadramento das «Jornadas Musicais do Reich» [Reichmusiktage], passei ao segundo tema destas considerações, ou seja, a exposição «Música Degenerada» [Entartete Musik], cujo primeiro responsável foi o Conselheiro de Estado Hans Severus Ziegler, de Weimar.

Conselheiro técnico para os assuntos do teatro no Land da Turíngia, Ziegler publicara, já em 1930, um decreto «contra a cultura negra, a favor do carácter nacional alemão» com o intuito de combater a crescente influência do jazz. Tratava-se, fundamentalmente, de protestar contra a ópera Jonny spielt auf, de Ernst Krenek, representada em Leipzig com enorme sucesso.

Na altura em que, em 1936, se prepara em Weimar a Festa dos Músicos da Associação musical alemã, Ziegler ergue-se vivamente contra a programação de várias obras. No entanto, não é o único a fazê-lo. A título de exemplo, lembrarei Ernst Nobbe, director-geral do Teatro Nacional de Weimar, doutorado em musicologia, que produz a sua crítica no contexto de um contributo intitulado «Atonalidade e bolchevismo artístico na música» [Atonalität und Kunstbolschewismus in der Musik], publicado em 13 de Junho de 1936 pelo Allgemeine Thüringische Landeszeitung Deutschland/Weimar.

Procurando uma relação entre atonalidade e bolchevismo artístico, o autor diagnostica a perda da fundamental noção da medida, a dissolução e o desaparecimento dos temas musicais. Explica esta evolução através da «diversidade caótica» das raças na Alemanha, considerando o judaísmo como responsável principal. Goebbels, para quem a intervenção de Ziegler e de Nobbe dá a impressão que a Tonkünstlerfest, Festa dos Músicos, quase que só propunha a música atonal, anula a sua deslocação a Weimar. Por outro lado, decide dissolver a Associação musical alemã, fundada por Liszt e portadora de uma rica tradição, transferindo as suas competências para a Câmara da Música do Reich [Reichmusikkammer].

Em complemento, cria um departamento musical no Ministério da Propaganda. A diversidade de pontos de vista que caracterizava a referida associação e a sua longa tradição não tinham mais lugar no estado totalitário. Quanto às Festas dos Músicos, são substituídas pelos Reichmusiktage, cuja organização compete ao tal departamento musical.

A exposição «Música Degenerada»

Em Junho de 1936, uma exposição de manuscritos e de partituras originais, no foyer do Teatro Nacional de Weimar, celebrava os 75 anos da Associação musical alemã. Alguns artefactos, portanto, elementos desta exposição, serão aproveitados por ocasião da manifestação de propaganda «Música Degenerada» [Entartete Musik] que o referido Ziegler prepara para as Jornadas Musicais do Reich, em Düsseldorf – entre 22 e 29 de Maio de 1938, como referido na I parte do artigo - com a ajuda de Paul Sixt, o seu novo chefe de orquestra permanente.

Esta iniciativa obedece ao figurino da exposição «Arte Degenerada» [Entartete Kunst] levada a efeito em Munique no ano de 1937. Contudo, diferentemente da exposição de Munique, o projecto de Düsseldorf não parte de uma encomenda oficial. Ziegler consagra-se à ideia, de sua própria iniciativa, e por interesse pessoal. A estrutura da ADMV, Allgemeiner Deutsche Musikverein [Associação Musical Alemã] fornece-lhe o argumento de prova de que a vida musical alemã é dirigida por judeus negociantes sem escrúpulos, tendo como alvo principal Leo Kerstenberg, da agência de concertos de Berlin, Wolf & Sachs.

Como temas da exposição, são de considerar «O Teatro Judeu de Outros Tempos em Ritmo de Jazz» e a «Degenerescência na Criação Musical». Otto zur Nedden, nas suas conferências de introdução intituladas «Fundamentos Históricos e Raciais das Músicas Tonal e Atonal», tomando como exemplo o uso da longa trompa de bronze pelos primitivos povos germânicos, especialmente escandinavos, esforça-se por demonstrar a relação natural entre estes últimos e o acorde perfeito.

Repetidos em sucessivas ocasiões, tais argumentos socorrem-se de exemplos de obras como Finlândia, de Sibelius ou Sagração da Primavera, de Stravinki, não deixando de causar a mais viva polémica e de suscitar um acolhimento muito crítico por parte dos especialistas. Por exemplo, Friedrich Blume, que em Düsseldorf, naquele mesmo ano de 1938, tratou do tema “Música e Raça”, considerou a conferência de zur Nedden ‘indigna de um professor universitário alemão’.

Organizadas a pedido de Goebbels, por Heinz Drewes, seu adjunto para a música [Musikreferent], as primeiras Jornadas Musicais do Reich no novo Estado, são inauguradas no dia 22 de Maio de 1938, nos cento e vinte e cinco anos do nascimento de Richard Wagner. É neste enquadramento que, dois dias mais tarde, Ziegler inaugura no Palácio das Artes Düsseldorf a exposição de propaganda «Música Degenerada».

O seu discurso de abertura começa com uma citação de Adolf Hitler e, quanto ao subtítulo desta alocução, «Um acerto de contas», igualmente se refere ao Mein Kampf. Nele encontra um cúmulo de razão e dever para se comprometer publicamente na luta contra o mal que identificou, enunciando assim os seus objectivos: “(…) Fazer política cultural, significa preocupar-se com a alma do povo, cultivar as suas forças criativas e, todos estes valores, no carácter e nas ideias, aquilo que resumimos na noção geral de «carácter popular» [Volkstum]. Políticos e políticos da cultura têm um mesmo objectivo: criar uma nação forte e assegurar tanto as suas bases material e ideal, garantir a sua existência no exterior e aprofundar a sua existência no interior. (…)”

(Continua)
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A exemplo do que aconteceu na semana passada, eis uma proposta que reputo do maior interesse. Trata-se da célebre gravação da mesma ópera, "Die Meistersinger von Nürnberg", em que Karajan dirige a Staatskapelle Dresden. Como verificarão, do último acto, este é um dos mais sublimes excertos. Boa audição!

YouTube/c7gQ4TDx8dA
Richard Wagner - Die Meistersinger von Nürnberg - act 3^ part 10 www.youtube.com



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