[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 9 de abril de 2012





Nacional-socialismo musical [III]
(conclusão)



Segundo Hans Severus Ziegler, a missão do homem político é comparável à do génio artístico que, de igual modo, de maneira exemplar, deve reforçar o instinto racial. Ziegler cita longamente o artigo «Atonalidade e bolchevismo artístico na música» do seu amigo Ernst Nobbe, para voltar a Richard Wagner e a Adolf Bartels, suas principais fontes ideológicas.

Tanto para Ziegler como para numerosos nazis, o facto de a tomada do poder ter acontecido em 1933, num ano Wagner, e de a exposição «Música Degenerada» de Düsseldorf se concretizar no contexto do centésimo vigésimo quinto aniversário do nascimento do compositor, é algo de profundamente simbólico.

Ziegler escolheu como principal adversário Ernst Krenek, que tinha sido festejado em Leipzig. Embora não seja de origem judaica, aquele compositor é considerado pioneiro da mistura racial por ter utilizado material proveniente do jazz. Segundo Ziegler, o público que se entusiasma com a ópera Jonny spiel auf, está tão confuso e interiormente emporcalhado que já não consegue assimilar a pureza e a profundidade de sentimento dos primeiros compassos da ópera Der Freischütz de Carl Maria von Weber.

Arnold Schönberg, o pai da atonalidade, também desempenha um papel fulcral na sua alocução de abertura. Num painel da exposição, ele é estigmatizado, juntamente com Hindemith, ambos descritos como os «teóricos da atonalidade» e de «charlatães sem raízes». Partindo do princípio de que o acorde perfeito corresponde a uma lei natural, Ziegler qualifica a atonalidade de charlatanismo, na medida em que pretensas extensões harmónicas teriam conduzido a uma desvalorização da tonalidade e, portanto, à sua degenerescência.

As raízes da exposição «Música Degenerada» de Düsseldorf, a exemplo da exposição «Arte Degenerada» de Munique, residem numa atitude característica dos nacional-socialistas, que consiste em sobrestimar a Arte. Ziegler espera, nada mais nada menos, que a música alemã cure a alma alemã. Por isso, a música deve ser expurgada dos elementos estranhos à raça. No seu discurso de abertura, o conselheiro de Estado declara a propósito:

“(…) À atonalidade, cujos fundamentos se plasmam no Tratado de harmonia do judeu Arnold Schönberg, eu qualificá-la-ia como produto do espírito judaico. Quem dele comer, morrerá. Quem for à escola de Beethoven, não conseguirá transpor o limiar da oficina de Schoenberg, mas quem permaneceu nesta oficina de Schnberg, perde necessariamente o sentimento da pureza do génio alemão Beethoven. (…)”.

À benfazeja pureza de Beethoven, opõe o orador a arte por assim dizer contaminada de Schönberg, que infecta mortalmente qualquer ouvinte. Igualmente, o jornal Rheinische Landeszeitung avalia a exposição em termos de higiene racial:
“(…) Esta exposição […] tal como a da «Arte Degenerada» o fez relativamente às artes plásticas, mostrará de maneira decisiva, para a música, o que está doente, pouco saudável e, ao mais alto nível, perigoso na nossa vida musical e que convinha erradicar. A exposição é um acerto de contas tão necessário como o foi a outra para as artes plásticas. (…)”

Seguidamente, exibida em Weimar e em Viena, a exposição não obteve, de modo algum, o efeito antegozado pelo seu promotor. Pelo contrário, até personalidades importantes da política cultural, como Peter Raabe, presidente da Câmara da Música do Reich, e Fritz Krebs, presidente da Câmara Municipal de Frankfurt, fazem ouvir os seus protestos. Estas declarações, para consumo interno, não serão tornadas públicas.

Porém, muito pragmaticamente, Goebbels compreende que esta reacção coloca um problema. Como a imprensa alemã está sob o seu escrutínio, apenas autoriza a publicação de breves resumos, proibindo qualquer reportagem especial. No dia 14 de Junho de 1938, antes da data prevista, a exposição de Düsseldorf é encerrada.

Como um eco da exposição «Arte Degenerada» de Munique, a exposição «Música Degenerada» esteve em exibição, em Düsseldorf, entre 24 de Maio e 14 de Junho de 1938. Na capa da brochura, a imagem do saxofonista negro, marcado com a estrela de David*, é directamente inspirada na ópera-jazz Jonny spielt auf do compositor Ernst Krenek. O subtítulo da exposição, «Um acerto de contas» [eine Abrechnung], relaciona-se com o do primeiro volume de Mein Kampf, de Hitler.

Antes de terminar, não poderia deixar de lembrar que, entre as personalidades mais atacadas, figura a do Judeu Otto Klemperer, director musical da Krolloper de Berlin entre 1927 e 1931. Devido às suas opções de leitura da partitura e em consequência da sua encenação de "Tannhaüser", foi acusado de ter conduzido um ataque contra a instituição Richard Wagner, transformando-se no bode expiatório dos meios nacionalistas, incarnando a degenerescência do sistema da República de Weimar.

NB: Este artigo resulta da adaptação e tradução de um texto de Albrecht Dümling, publicado por ocasião da exposição subordinada ao tema O Terceiro Reich e a música, na Cité de la Musique, em Paris (Outubro de 2004-Janeiro de 2005).
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Bibliografia: Die Tagebücher von Joseph Goebbells…,Elke Fröhlich (ed.), Munique, Saut, 1987; Hitler, Adolf, Die deutsche Kunst als stolzeste Verteildigung des deutschen Volkesdiscurso proferido durante o Congresso de Nuremberga de 1933, reproduzido no nº 43, 4º ano, da Nationalsozialistische Monatschefte; Le Troisième Reich et la musique, Musé de la Musique/Fayard, Paris, 2004 (catálogo da exposição); Mann, Thomas, Grandeur et misère de Richard Wagner (1933) in Wagner et notre temps, Paris, , 1982; Staatsoper Berlin: Almanach 1936 bis 1939, Julius Kapp (ed.), Leipzig, Beck, 1936-1939.


Ainda mais uma peça de «Música Degenerada». Esta Suite Dansante En Jazz, WV 98, é de belíssimo recorte, inclusive em termos da própria composição, como poderão comprovar os que saibam ler música.

http://youtu.be/lvzpUGUQBto

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