D. Fernando II,
Pobre artista Pobre rei!
Hoje, 29 de Outubro, aniversário do senhor D. Fernando II, venho propor-vos um texto que, obedecendo a este mesmo título, escrevi, precisamente há cinco anos, para comemoração da efeméride, publicando-o aqui em www.sintradoavesso.blogspot.com
Sem mais delongas, eis a transcrição, chamando a vossa atenção para um novo parágrafo final, com uma irrecusável proposta de audição:
D. Fernando II
Pobre artista! Pobre rei!
Há muitos anos que, para mim, o 29 de Outubro é subordinado à memória de Fernando de Sax- Coburg-Gotha (Coburg, 29.10.1816 - Lisboa, 15.12.1885), um dos homens que mais decisivamente marcou a segunda metade do século dezanove em Portugal, especialmente no âmbito da defesa e recuperação do património.
Muitas são as histórias e os episódios de salvaguarda de peças de valor patrimonial inestimável, in extremis resgatadas ao destino da pura e simples destruição, não fosse a sua directa intervenção. Um verdadeiro diletante, homem informado e de grande cultura, artista ele próprio, grande amante da Música, cantor, pintor de gabarito, tão impressiva foi a marca da sua atitude e actividades que ainda hoje é lembrado sob o epíteto de rei artista.
"(...) Pobre artista! Pobre rei!" É com estas exclamações que Ramalho Ortigão termina o texto subordinado ao título O Rei D. Fernando.* Estas palavras são precedidas por vinte páginas de uma homenagem que, passados que já são cento e vinte um anos sobre a sua escrita, ainda hoje continuam a funcionar como pretexto para que os portugueses melhor se reconheçam, quando lhes dá para o farisaísmo, mesquinhez, ordinarice, inveja, na acabada demonstração da incapacidade de se organizarem à volta dos seus mais autênticos interesses.
Animação da Leitura...
Quem ainda não leu aquelas estupendas linhas de As Farpas e julga conhecer a grande e a pequena História de Sintra, em especial no que se refere ao legado da Pena, não sabe o que tem andado a perder. Ramalho Ortigão escreveu-as, na sequência da morte do Senhor D. Fernando, a quente, reagindo à hipocrisia de uma data de ignorantes que, ao fim e ao cabo, ainda andam por aí. Ou ainda não terão notado? Verão a razão que me assiste quando as lerem.
Uma das maneiras para melhor comemorar a efeméride, não tenho a mínima dúvida, passa pela leitura de texto tão recomendável, que tanto proveito e gozo estético proporcionará a quem seguir o concelho deste humilde escriba que se atreve, não só ao beija-mão real, mas também à evocação de um escritor maior de oitocentos. Nos dias que correm, passe a presunção, não é façanha menor...
...da Música
Mas ainda não vos deixo sem outra recomendação que, aliás é suscitada pela leitura que recomendo: "(...) E, instalando-se num fauteuil, ao fundo da sala de música, [D.Fernando] cantou-lhe ao piano, à mais larga expressão elegíaca da sua extensa voz de baixo cantante, A Criação, de Haydn (...)"
Ouçam essa outra obra-prima. Mesmo que já conheçam a oratória "A Criação", não deixem de repetir. Dêem-se ao luxo de participar naquele momento sublime da História da Música que cioincide com a fracção de Tempo em que, no Espaço do caos, a luz se fez. O grande Haydn, introduzido pelo próprio Mozart na Maçonaria, deixa nesta obra o seu mais alto contributo para o brilhante acervo artístico da Augusta Ordem. Ouçam. Repitam.
Ainda vos escreverei que, durante alguns anos de luto, pelo que estava a acontecer no Parque da Pena, especialmente sob a desastrada administração do biólogo Serra Lopes, pedia eu a Brahms que com o seu "Ein Deutsches Requiem" me acompanhasse na celebração da efeméride fernandina. Como sabem, trata-se de um Requiem profano, já que não segue o cânone cristão. Mas raramente, música e textos, do Antigo e Novo Testamentos, traduzidos por Lutero, tão bem encontraram um caminho comum para celebrar a Morte das coisas e
das pessoas.
...e da Arte, em geral
Mas, por favor, nada de misturas. Em primeiro lugar, leiam. Depois, escutem as músicas. Não façam como tanta e tão boa gente, que afirma precisar da Música como fundo para a concretização de outras actividades culturais, como a leitura da Literatura, por exemplo. Se querem saber, eu sou completamente contra. É que tanto a Literatura como a Música são tão exigentes de concentração, que o leitor-simultaneamente-ouvinte, mesmo de obras literárias e musicasis afins, com certeza, perderá inúmeros aspectos de uma e outra obras de Arte.
Hoje, em memória de um pobre rei, em memória de um pobre artista, saibamos conceder-nos o benefício da Arte e, muito a propósito, lembremos o horaciano 'carpe diem' que, ao contrário do que alguns consideram bem interpretar, nada tem de aconselhamento à facilidade. E facilidade foi coisa que D. Fernando jamais promoveu embora tivesse sabido muito bem aproveitar os dias da sua passagem por aqui.
(*)Ramalho Ortigão, José Duarte, O Rei D. Fernando, in As Farpas, Obras Completas de Ramalho Ortigão, tomo III, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1969
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D. Fernando II
Pobre artista! Pobre rei!
Há muitos anos que, para mim, o 29 de Outubro é subordinado à memória de Fernando de Sax- Coburg-Gotha (Coburg, 29.10.1816 - Lisboa, 15.12.1885), um dos homens que mais decisivamente marcou a segunda metade do século dezanove em Portugal, especialmente no âmbito da defesa e recuperação do património.
Muitas são as histórias e os episódios de salvaguarda de peças de valor patrimonial inestimável, in extremis resgatadas ao destino da pura e simples destruição, não fosse a sua directa intervenção. Um verdadeiro diletante, homem informado e de grande cultura, artista ele próprio, grande amante da Música, cantor, pintor de gabarito, tão impressiva foi a marca da sua atitude e actividades que ainda hoje é lembrado sob o epíteto de rei artista.
"(...) Pobre artista! Pobre rei!" É com estas exclamações que Ramalho Ortigão termina o texto subordinado ao título O Rei D. Fernando.* Estas palavras são precedidas por vinte páginas de uma homenagem que, passados que já são cento e vinte um anos sobre a sua escrita, ainda hoje continuam a funcionar como pretexto para que os portugueses melhor se reconheçam, quando lhes dá para o farisaísmo, mesquinhez, ordinarice, inveja, na acabada demonstração da incapacidade de se organizarem à volta dos seus mais autênticos interesses.
Animação da Leitura...
Quem ainda não leu aquelas estupendas linhas de As Farpas e julga conhecer a grande e a pequena História de Sintra, em especial no que se refere ao legado da Pena, não sabe o que tem andado a perder. Ramalho Ortigão escreveu-as, na sequência da morte do Senhor D. Fernando, a quente, reagindo à hipocrisia de uma data de ignorantes que, ao fim e ao cabo, ainda andam por aí. Ou ainda não terão notado? Verão a razão que me assiste quando as lerem.
Uma das maneiras para melhor comemorar a efeméride, não tenho a mínima dúvida, passa pela leitura de texto tão recomendável, que tanto proveito e gozo estético proporcionará a quem seguir o concelho deste humilde escriba que se atreve, não só ao beija-mão real, mas também à evocação de um escritor maior de oitocentos. Nos dias que correm, passe a presunção, não é façanha menor...
...da Música
Mas ainda não vos deixo sem outra recomendação que, aliás é suscitada pela leitura que recomendo: "(...) E, instalando-se num fauteuil, ao fundo da sala de música, [D.Fernando] cantou-lhe ao piano, à mais larga expressão elegíaca da sua extensa voz de baixo cantante, A Criação, de Haydn (...)"
Ouçam essa outra obra-prima. Mesmo que já conheçam a oratória "A Criação", não deixem de repetir. Dêem-se ao luxo de participar naquele momento sublime da História da Música que cioincide com a fracção de Tempo em que, no Espaço do caos, a luz se fez. O grande Haydn, introduzido pelo próprio Mozart na Maçonaria, deixa nesta obra o seu mais alto contributo para o brilhante acervo artístico da Augusta Ordem. Ouçam. Repitam.
Ainda vos escreverei que, durante alguns anos de luto, pelo que estava a acontecer no Parque da Pena, especialmente sob a desastrada administração do biólogo Serra Lopes, pedia eu a Brahms que com o seu "Ein Deutsches Requiem" me acompanhasse na celebração da efeméride fernandina. Como sabem, trata-se de um Requiem profano, já que não segue o cânone cristão. Mas raramente, música e textos, do Antigo e Novo Testamentos, traduzidos por Lutero, tão bem encontraram um caminho comum para celebrar a Morte das coisas e
das pessoas.
...e da Arte, em geral
Mas, por favor, nada de misturas. Em primeiro lugar, leiam. Depois, escutem as músicas. Não façam como tanta e tão boa gente, que afirma precisar da Música como fundo para a concretização de outras actividades culturais, como a leitura da Literatura, por exemplo. Se querem saber, eu sou completamente contra. É que tanto a Literatura como a Música são tão exigentes de concentração, que o leitor-simultaneamente-ouvinte, mesmo de obras literárias e musicasis afins, com certeza, perderá inúmeros aspectos de uma e outra obras de Arte.
Hoje, em memória de um pobre rei, em memória de um pobre artista, saibamos conceder-nos o benefício da Arte e, muito a propósito, lembremos o horaciano 'carpe diem' que, ao contrário do que alguns consideram bem interpretar, nada tem de aconselhamento à facilidade. E facilidade foi coisa que D. Fernando jamais promoveu embora tivesse sabido muito bem aproveitar os dias da sua passagem por aqui.
(*)Ramalho Ortigão, José Duarte, O Rei D. Fernando, in As Farpas, Obras Completas de Ramalho Ortigão, tomo III, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1969
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Fim de citação. Apenas uma proposta final para vos pôr a vibrar comigo e com o senhor D. Fernando II. Como não podia deixar de ser, de acordo com a preferência do homenageado, aqui vos deixo com os momentos "A Criação" de Joseph Haydn, na estupenda leitura de Harnoncourt, com o Concentus Musicus. Ficam com a obra integral, uma das mais fabulosas realizações não só da Música mas também da Arte de todos os tempos, que bem atesta o sofisticado gosto do homem de cultura que era D. Fernando. Não se fiquem pelos momentos iniciais e, por aquela célebre explosão que, nesta gravação ocorre aos 8' e 09"...
Boa audição|
http://youtu.be/B42kFiPBy6Y
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