[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 17 de fevereiro de 2013



Exemplar resignação 

[Texto publicado no facebook em 15.02.2013]


Na resignação de Bento XVI, acabo por encontrar um corolário de apaziguamento em relação a uma série de preocupações que me têm inquietado de há anos a esta parte.

A sua decisão é de uma tal seriedade que vem repor, ao nível da dimensão do humano, a missão do pontificado, com uma humildade absolutamente tocante, na assunção de uma interdependência com o mundo da hierarquia
e dos leigos como raramente terá acontecido.

Ele diz-nos que é tão frágil como nós, afirmando-o com uma lucidez de homem livreque, como cada um de nós, carrega a sua Cruz. Ele diz-nos que sai de cena, não por cobardia, mas por respeito por si próprio e por todos nós. Sai para não comprometer a missão que lhe foi confiada.

Por circunstâncias alheias à sua vontade de homem, apenas homem, fisicamente fragilizado, a missão não pode continuar porque a humana razão, manifesta no seu livre e lúcido arbítrio, impede que assim aconteça.

Considera ele, penso eu, que, até este momento, a intervenção do Espírito Santo pôde acontecer nele mas que, a partir deste momento, prosseguir na missão constituiria um desafio incompatível com os desígnios da Obra num mundo tão exigente, tão desafiante e carente de um timoneiro cujas forças o não traiam.

Que fabulosa prova de humildade, que lição para a hierarquia da Igreja, na medida em que pode ser propiciadora e promotora de uma multiplicidade de atitudes análogas que constituem uma esperança da renovação, que coragem perante a actualidade, que coragem perante a História, tanto a do passado recente como longínquo, que coragem perante as consequências da sua atitude no futuro!

Em Latim

E, no âmago de uma tão complexa rede de conexões de toda a ordem, Bento XVI, através do meio que escolheu para divulgar a sua mensagem de resignação, consegue dar uma estupenda lição de cultura e de civilização. Fá-lo em Latim, assumindo e propondo a inequívoca importância de uma matriz fundamental da nossa herança.

A Igreja, sem o Latim, jamais seria a instituição em que se tornou, portadora da herança cultural do direito Romano como travejamento de uma grande casa que Pedro foi incumbido de erguer a partir da pedra que ele próprio era. A «obra» foi edificada em Latim, chegou até nós em Latim.

O Concílio Vaticano II, proclamado por um João XXIII que tinha a seu lado, como progressista mentor, o jovem Padre e teólogo Ratzinger, não pôs de lado, não suprimiu o Latim, antes e apenas o retirou do culto, na medida em que as línguas vernáculas melhor cumpriam a missão de veículo de convívio entre os fiéis e o divino.

O Latim permanece como uma das pedras angulares do edifício, do grande templo, em que, cada um de nós, também assume a sua quota parte de pedra em aperfeiçoamento constante, a caminho da perfeição que é a própria divindade. E, nesta mensagem, o Papa Bento XVI afirma-o como um grito, em especial, lançado à Europa, que parece decidida a perder-se, longe do cultivo das Humanidades clássicas que são a grelha da sua mundividência.

Que estupenda lição!
 
 

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