[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 17 de fevereiro de 2013



Ironia, por favor...

[Texto publicado no facebook em 15.02.2013]
 
 
Ao Francisco José Viegas, pessoa tão estimável, deve ter passado pela cabeça que, tal como Almada ou Cesariny, também ele já tem estatuto para subscrever os impropérios que ontem publicou. E, provavelmente, ainda não tem...

Ora acontece que, nem mesmo no famoso "Manifesto anti Dantas" - que assumiu o estatuto de nacional protótipo dos documentos em que um autor se permite a
titudes que tais - Almada chegou a esta formulação rasteira que roça a ordinarice.

Podia Francisco José Viegas ter atingido o objectivo pretendido, através da ironia, da insinuação, seguindo o exemplo de vários dos nossos maiores cultores da palavra feita Arte em Portugal, jamais pactuando com a desajeitada fancaria de termos soezes ou menos adequados ao contexto da sua intervenção.

A propósito, permitam que vos recorde o caso do Eça que, depois de lhe ter sido inopinadamente cortado o fornecimento da água a sua casa, dirige ao Director da Companhia das Águas, a famosa carta que passo a transcrever.


___________
"Ilus. e Ex.mo Senhor Carlos Pinto Coelho
digno director da Companhia das Águas e
digno membro do Partido Legitimista:

Dois factos igualmente graves e igualmente importantes, para mim, me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças
Carlos Gordostas sobre as tropas Republicanas, em Espanha: o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.

Abundam os Carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e a do direito divino.

Se eu tiver fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa., que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu interponha nas relações de sensibilidade de V. Exa., com o Mundo externo; e que essas lágrimas benditas de industrial e de político caiam na minha bandeira!

E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude do meu escrito, devidamente firmado por V. Exa., e por mim, temos nós – um para com o outro – um certo número de direitos e encargos. Eu obriguei-me, para com V. Exa., a pagar a despesa de uma encanação, e aluguer de um contador e o preço da água que consumisse.

V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos, evidentemente, à fé deste contrato; eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer.

Se eu não pagar, faz isto: corta-me a canalização.

Quando V. Exa. não fornecer, o que hei-de fazer, Exmo. Senhor? É evidente que para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso, no análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa.

Oh! E hei-de cortar-lha!…

Eu não peço indemnizações pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos nem prejuízos…

Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distribuída: – quero cortar uma coisa a V. Exa.!

Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Exa.

Tenho a honra de ser
De V. Exa. com muita consideração
e com algumas tesouras
"

_____

Pois é. Porém, a nem todos Deus Nosso Senhor dotou com tal talento...
 
 

Sem comentários: