[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 11 de março de 2013


 
Casino de Sintra,
Espólio de Bartolomeu Cid dos Santos

[publicado no Jornal de Sintra em 09.03.2013]
 

A notícia não poderia ser mais auspiciosa e de maior impacto cultural, não só no que a Sintra respeita mas também, como não é difícil verificar, a outros níveis mais abrangentes já que Bartolomeu Cid dos Santos – Barto, como era conhecido nos meios artísticos – é um nome do mais alto destaque nas artes plásticas contemporâneas.
O grande acontecimento data da passada segunda-feira, dia 4, quando, por unanimidade, a Câmara Municipal de Sintra deliberou submeter à aprovação da Assembleia Municipal o protocolo de cedência da Colecção que Maria Fernanda Oliveira Paixão dos Santos, viúva do artista, decidiu ceder ao Município de Sintra desde que, por este, sejam asseguradas as condições estabelecidas pelo protocolo celebrado entre as partes, com o objectivo da sua conservação e guarda, exposição e divulgação bem como e fácil acesso à mesma por parte de estudiosos e artistas.

Antes de circunstanciar alguns detalhes do referido Protocolo, gostaria de assinalar que, para a decisão de cedência desta colecção de Arte, contribuiu a especial vinculação a Sintra de Bartolomeu Cid dos Santos e de sua mulher, Maria Fernanda, lugar onde mantinham residência em Portugal. Como seu amigo e indefectível admirador da obra, fui testemunha da relação de perfeito deslumbramento de Bartolomeu por Sintra que, em simultâneo, também o levava a um empenhado interesse e preocupação pela preservação do património desta terra, em todas as vertentes.
Com a sua morte, sentidíssima por todos quantos tiveram o grande privilégio da amizade e companhia tão especiais, ficou-nos um vazio tão difícil de preencher que, de algum modo, esta notícia vem compensar, em especial, no alento que a todos determina no saber honrar quem nos cumulou com este fabuloso presente e quem tanto empenho revelou no sentido de que Sintra estivesse à altura da distinção.

Posso testemunhar que os grandes artífices desta autêntica façanha cultural foram o próprio Presidente da Câmara, Prof. Fernando Seara e o Vereador Dr. Pedro Ventura. Ao longo de muitos meses,  envolveram-se nas difíceis e sofisticadas negociações que, agora, culminaram num sucesso que tanto tem de fulgurante como determinante para o enriquecimento dos acervos artísticos de Sintra. De facto, há que considerar tratar-se, sem qualquer margem de dúvida, de um dos maiores acontecimentos culturais dos últimos anos nesta terra.
Porque assim é, passemos ao detalhe que, desde já, é possível partilhar. Em primeiro lugar, referirei que o espólio de Bartolomeu Cid dos Santos é um conjunto do maior interesse artístico cujo valor material, avaliado em cerca de quatro milhões e meio de Euros, é composto por cerca de 3.600 obras, entre gravuras, desenhos, aguarelas e guaches, incluindo uma componente fotográfica de inestimáveis atractivos, além de obras de grandes artistas amigos deste que foi um dos maiores gravadores, mesmo a nível mundial.

Maria Fernanda Paixão dos Santos, cuja atitude nunca será demais enaltecer, cede a Colecção ao Município de Sintra, durante oito anos, renováveis por períodos sucessivos de quatro anos, se nada obstar à continuação da vigência do Protocolo. Naturalmente, terá havido o maior cuidado no sentido de que, de parte a parte, tivessem ficado devidamente definidas mútuas obrigações. E, no que respeita ao Município, elas não são poucas e, de facto, muito expressivas.

Sintra obriga-se à conservação e à guarda, em condições adequadas, das obras que integrem ou venham a integrar a Colecção, a qual será disponibilizada num espaço com todas as indispensáveis condições e características de exposição ao público. Por outro lado, tal espaço ainda disporá de um arquivo que, concebido pelo próprio Bartolomeu, se designará Centro de Gravura e Desenho Bartolomeu dos Santos, onde as obras estarão gratuita e permanentemente acessíveis a estudiosos e artistas, nos termos de um adequado Regulamento Interno.
Muito importante para a concretização do acolhimento de espólio tão significativo, cuja notícia deverá suscitar as mais vivas, encomiásticas e entusiásticas reacções dos meios culturais, será o Conselho de Tutela da Colecção. É uma entidade cujo perfil e objectivos se justificam totalmente, incumbindo-lhe a escolha do Curador e zelar e acompanhar o cumprimento das condições e encargos que enquadram a Colecção de modo a não comprometer os seus objectivos.

Ainda mais um motivo de regozijo. Nos termos do Protocolo celebrado, o espólio será instalado no Casino de Sintra onde, brevemente, passará a ocupar a quase totalidade das instalações, apenas restando o espaço bastante para assegurar a montagem de exposições temporárias de reduzida escala. Na realidade, melhor não poderia ser a solução na medida em que, além de outros factores extraordinariamente propícios, também assim se capitaliza a experiência e a referência a um passado recente do Casino que, nos últimos anos, tem estado exclusivamente afecto à Arte Contemporânea.

Se tivermos em consideração que tanto o edifício do Centro Cultural Olga Cadaval como o do Casino de Sintra constituem um conjunto de espaços contíguos e articulados, ambos traçados pelo Arq. Norte Júnior – dispositivo cultural ímpar na área metropolitana de Lisboa – não podemos deixar de prever o benefício mútuo e comum e as imensas vantagens para o público que, assim, também poderá aceder à Colecção em horários que coincidam com os espectáculos no CCOC. Não esqueçamos que, para todos os efeitos, é a empresa municipal SintraQuorum a mesma e única entidade à qual compete a gestão deste conjunto, circunstância que tudo facilita.

Com este tão significativo benefício, Sintra adquire e vai passar a disponibilizar o fruto desta mais-valia de incontornável referência da Arte Contemporânea. É altura de nos prepararmos para festejar condignamente tão grande júbilo. Estamos todos de parabéns e, muito naturalmente, de parabéns também estão Maria Fernanda dos Santos, por este testemunho de tão grande apreço por Sintra, bem como o Presidente Fernando Seara e o Vereador Pedro Ventura que, discretamente, acabam de prestar serviço tão especial à comunidade.

PS: Gostaria de recomendar o documentário Bartolomeu Cis dos santos - Por Terras Devastadas, acerca deste meu amigo (1931-2008), um dos grandes artistas do século XX, gravador, pintor, em cujo mundo crepuscular do fim do Império, ele que criou as primeiras metáforas contra o Colonialismo Português. De acordo com a sinopse do filme “(…) com renovada vitalidade, se insurgiu contra a Nova Ordem Mundial. Sabendo, com Eliot, que "tempo passado e tempo futuro estão ambos presentes no tempo presente". Um retrato cúmplice do artista assinado por Jorge Silva Melo.”


 [João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

 

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