[Em pleno centro histórico de Sintra, sob o Café Paris e Hotel Central, A Rua dos Arcos é um túnel degradado, sujo, uns metros de empedrado irregular em forma de desgosto com dezenas e dezenas de anos que, felizmente, parece ter os dias contados.

Eis o texto que subscrevi acerca do assunto, publicado na edição do passado dia 1 no ‘Jornal de Sintra’]

Rua dos Arcos,
vida nova!

Será desta vez, finalmente, que vai acabar aquela desleixada ofensa de rua, quase subterrânea, escura, completamente degradada, mesmo à beira do nosso Terreiro do Paço? Terá chegado o momento de devolver à comunidade um espaço que, aparentemente, muito negativo, apenas carece da intervenção adequada às suas características e de acordo com as memórias que, há tantos séculos, acumula?

Provavelmente, o despretensioso título deste escrito logo terá começado por vos surpreender. Pois, se assim foi, ainda bem já que, de facto, há mesmo motivo para tal reacção. Depois de anos e anos de desconchavo – suportando o que dificilmente se concebe num lugar tão civilizado, como este do casco histórico da nossa Vila Velha –tenho o enorme privilégio de vos dar a boa nova que, em primeira mão, reservei para estas páginas.

Se querem que vos confesse, tão grande ainda é a sensação de frustração relativamente ao estado em que permanece, que jamais imaginei a Rua dos Arcos proporcionando-me qualquer remota possibilidade de embandeirar em arco!... Pois, sem mais delongas, posso anunciar que, muito mais brevemente do que poderiam imaginar, aquele cenário vai mesmo desaparecer, sendo substituído por uma alternativa que me parece de excelente perfil.

Como sabem, a uma cota sensivelmente mais baixa do que a da praça adjacente, a Rua dos Arcos, antiga Travessa do Forno, cujo sentido descendente desemboca no Beco do Forno, serve um percurso coincidente com o do quarteirão definido pelos prédios ocupados pelos Café Paris e Hotel Central. Ora bem, para perfeito entendimento da boa nova que hoje vos trago, preciso é também saberem que, actualmente, estas duas unidades emblemáticas do centro histórico de Sintra, já são património de uma mesma e única empresa.

Comércio com histórias

Porque assim acontece, tal circunstância permite encarar todo aquele espaço como uma interdependente e integrada proposta hoteleira e de restauração, perfeitamente coerente em termos da sua oferta de negócio. Ora, como já depreenderam, no contexto desta matriz de propriedade comum, é que se revela a lógica de intervenção na Rua dos Arcos, desde a sua embocadura, nos baixos do Café Paris até aos degraus que nos permitem o acesso ao Beco do Forno.

Aquele que, inicialmente, não era um espaço no subsolo, acabou por adquirir a forma da desqualificada rua coberta que conhecemos. Nem sempre assim foi. E, recuando o tempo bastante, difícil não é adivinhar ruas, ruelas e becos, um dédalo no qual se inscrevia esta parte da Mouraria de Sintra, que convivia com a judiaria e os bairros de cristãos, na maior harmonia, a exemplo do que sucede noutras conhecidas comunidades ibéricas, dentre as quais a escala de Toledo era espectacularmente notável.

Pois bem, é precisamente tendo em consideração aquela herança de memórias ancestrais que o Dr. José Artur Silva Carvalho pretende requalificar a Rua dos Arcos. Entre outros atractivos, animada pelos artifícios de adequada iluminação, e recuperando uma manifesta vocação comercial, ali vão nascer quatro lojas. E, desde já, até posso anunciar que, com base no testemunho do saudoso José Alfredo, uma delas se há-de inspirar na célebre Taberna do Vintenzinho, lugar de castiça amesendação sintrense que emparceirava com outra, a do António da Mestra.*

Acerca dessa que, lá para o fim do próximo ano e meados do seguinte, já poderá ser uma nova e curiosa artéria de comércios com histórias, conversámos nós, numa destas estupendas manhãs de Inverno, apenas uns metros acima da Rua dos Arcos, no espaço ímpar que é o terraço das traseiras do Central, gozando um panorama de suster a respiração, cuja amplitude, abarcando as Quintas da Regaleira e do Relógio, desce ao oceano, perfeitamente visível, lá ao fundo. Que privilégio! Em rápido parêntesis, deixem-me prever que, a breve trecho, ali teremos mais outro poiso de eleição de Sintra.

Expressivos detalhes

Tenha-se em consideração que está em curso a concretização de um projecto de recuperação do Hotel Central que, muito sabiamente, vai avançando ao mesmo tempo que permite à empresa o pleno usufruto das componentes do espaço que já sofreram as completas e imprescindíveis beneficiações. Se bem entendem, portanto, investimento e rendibilização das instalações compatibilizam-se à medida que vão viabilizando as sucessivas etapas da intervenção equacionada que, para todos os efeitos, se prolongará por um período ainda de alguns anos.

Aproveito a oportunidade para partilhar outras boas notícias. Se, no contexto do que acima anunciei, o edifício onde funciona o Café Paris também fará parte do complexo hoteleiro em perspectiva, então, necessariamente, as soluções da recuperação de tão interessante quarteirão do património local, vão pressupor um diálogo íntimo entre o passado e as exigências dos nossos dias.

É nesse quadro de preocupações que, por exemplo, será reposta a emblemática morfologia do telhado do Paris. Contudo, nada impedirá que, a poucos metros, funcionem um moderno spa, mais alguns quartos e espaços de lazer e de convívio. E, meus amigos, a essa altura, a abrangência das vistas é de trezentos e sessenta graus, um perfeito assombro!

Por fim, à guisa de remate de alerta, aproveitaria para lembrar um importantíssimo desafio que o centro histórico coloca à comunidade. Quem conhece a Vila Velha e sabe do estado em que se encontram as infra-estruturas de abastecimento de águas e saneamento básico, não pode deixar de conjugar o anúncio destas boas notícias com a manifesta urgência da realização das obras de recuperação e substituição das condutas e de todos os dispositivos técnicos e equipamentos afins.

É uma lástima a que, com toda a coragem, urge pôr cobro. Às autarquias, Câmara Municipal de Sintra e Junta de Freguesia de São Martinho, o protagonismo que, em representação de todos os cidadãos, apenas elas podem assumir. Há anos que tal intervenção vem sendo adiada, prejudicando o interesse geral e só em aparente benefício de alguns particulares, atitude decorrente, afinal, do modus faciendi das obras de tal dimensão.
 

Significa isto que, em Portugal, também tem de ser possível realizar este tipo de trabalhos, com mínimo incómodo, a exemplo do que acontece por essa Europa fora, onde o respeitável interesse dos comerciantes não é afectado, senão residualmente, já que tudo se equaciona e concretiza com a preocupação de não comprometer o acesso dos potenciais clientes, com todas as condições, nomeadamente, de segurança. Neste como noutros aspectos, impõe-se uma radical mudança, no inequívoco respeito pelos interesses de todos. É, também, toda uma cultura que está em causa.

*Azevedo, José Alfredo da Costa, Bairros de Sintra, A Vila Velha, A Estefânia, São Pedro, Câmara Municipal de Sintra ed., Sintra 1997

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]