[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 8 de maio de 2013



Arte Nova,
memórias do estilo


Estou às voltas com um trabalho sobre Jungendstil [Arte Nova]. A propósito, lembrei-me de uma passagem de Der Mann ohne Eigenschaften [O homem sem qualidades], de Robert Musil, obra monumental, que foi traduzida para Português por João Barrento, num trabalho da mais alta qualidade que jamais será demasiado enaltecer.

Pois, no Volume I, Livro Primeiro, Segunda Parte, No. 80, subordinado ao título ' Onde se conhce melhor o General Stumm, que aparece inesperadamente no concílio', a págs. 459, depara o leitor com uma opinião muito depreciativa da Arte Nova por parte do narrador:

"(...) O seu lugar era no meio dos grandes acontecimentos, e isso manifestava-se de muitas maneiras. No vestido de uma mulher mais extravagante, na ousada falta de gosto da recente arquitectura vienense, no estendal colorido de um grande mercado de hortaliça, no ar cinzento-pardo do asfalto das ruas, aquele asfalto macio feito de ar cheio de miasmas, cheiros e perfumes, no barulho que explode em segundos para produzir um som único, na imensa diversidade dos civis e até nas pequenas mesas brancas dos restaurantes, tão incrivelmente individuais, apesar de serem todas iguais - em tudo isso havia uma felicidade que ecoava na sua cabeça como um tilintar de esporas. (...)"

Que belo naco de prosa e que estupendo trabalho, o desta tradução, tão especialmente respeitadora da adjectivação, do ritmo, que o Prof. Barrento consegue. Pois é verdade, “(…) na ousada falta de gosto da recente arquitectura vienense (…)”. Tenho estas palavras tão presentes que quase não precisava de consultar a ficha de leitura onde as registei.

Ocorrem-me sempre que, em Viena, apesar de os conhecer de cor e salteado, dou por mim a revisitar os mesmos lugares, pela enésima vez, a sós ou acompanhado, fascinado pelos contornos e perfil de uma linguagem que me desafia para além do racional.

E, quando tenho presente a citação, também logo me ocorre a memória de minha sogra, senhora de um bom gosto e requinte fora o comum, filha de pintor e de uma família que negócios de antiguidades, amiga de artistas e de boémias, e que também tinha uma opinião muito desvalorizada da Arte Nova, não tanto da arquitectura mas mais ao nível das artes decorativas.

Outra memória, esta muito dolorosa, que, desculpem, me reservo de esclarecer. Dos Kindertottenlieder, poemas de Friedrich Ruckert para música de Gustav Mahler, obra da primeira década do século vinte, anterior, portanto, à primeira Guerra Mundial, época a que se reporta a acção de O homem sem qualidades, eis Wenn dein Mütterlein.

Ainda sabem o que é uma voz de contralto? A sério, mesmo? Então, certamente, confirmam comigo que, depois da Ferrier, nunca mais houve coisa que se lhe assemelhe.

Boa audição!


http://youtu.be/bbXn-g44U9Q
 

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