Mandatos versus idoneidade
Já o tenho expressado e, inequivocamente, confirmo o meu frontal desacordo com a legislação vigente que impede qualquer autarca, depois de eleito durante tês mandatos sucessivos, de se candidatar novamente. Na realidade, discordo totalmente da desconfiança radical no eleito, partindo do princípio de que é um potencial prevaricador que, depois de doze anos «instalado no poder local», se pode transformar num perigoso manipulador, porventura, qual mafioso cacique, fonte de inimagináveis impunidades.
Num país onde, infelizmente, os dados estatísticos referentes à Educação e ao consumo de bens culturais são dos mais baixos e preocupantes da União Europeia, compreende-se que, perante a mais flagrante iliteracia, o legislador tenha sido levado a menorizar e/ou desconfiar da capacidade de avaliação dos eleitores. Se tal se compreende, não deixa de ser curioso que, não raro, a realidade dos factos o desminta.
Ao longo de quase quarenta anos, após a reconquista das liberdades democráticas que caracterizam o Estado Democrático de Direito, o que não faltam são exemplos de autarcas que, por todo esse país, muito bem serviram as populações, durante três ou mais mandatos, sempre com a maior idoneidade e num digno exercício de gestão da coisa pública. Claro que, sendo esta a regra, as excepções confirmam-na.
E, ainda neste contexto, naturalmente, também não faltam exemplos de não ter sido necessário atingir o terceiro mandato para que os munícipes tenham rejeitado a veleidade do autarca à recandidatura. Sintra, aliás, é caso paradigmático. Veja-se o que, por exemplo, aconteceu com Edite Estrela que, no termo do segundo mandato, os eleitores decidiram não reeleger. E não consta que assim tivessem decidido porque a ex Presidente da Câmara tivesse incorrido em práticas menos abonatórias da sua honestidade.
No Parlamento, tendo-se limitado a cumprir as determinações das respectivas máquinas partidárias, os Senhores Deputados não viabilizaram uma Lei que, sem margem para dúbias interpretações, tivesse impedido se chegasse ao actual mas absolutamente previsível despautério, remetendo a resolução do imbróglio para os Tribunais.
Pois, muito mal. As decisões dos doutos juízes, a Norte, ao centro e ao Sul, são para todos os gostos, pouco ou nada faltando para que se conclua terem elas obedecido a subjectivas simpatias partidárias. Uma vergonha que apenas apresenta a «vantagem» de desmascarar o argumento segundo o qual o vigente dispositivo legislativo seria inequívoco, argumento tão caro aos mais diferentes interessados, dos mais diferentes quadrantes.
Quantidade de mandatos versus idoneidade? Só faltava esta ambiguidade, aparentemente antagónica, para ainda mais inquinar o ambiente da República.
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