Em nome de Távora,
soluções para o futuro
soluções para o futuro
[Transcrição do artigo publicado na edição de 6 de Setembro de 2013 do 'Jornal de Sintra', também no facebook em 08.09.2013]
[Com insignificantes alterações, o artigo que se segue reproduz um outro que subscrevi, publicado na edição de 9 de Setembro de 2005 do ‘Jornal de Sintra’. Em simultâneo, com esta renovada homenagem a Fernando Távora, igualmente pretendo aproveitar a oportunidade da entrada no período eleitoral, para tentar suscitar o debate da questão do estacionamento e circulação automóvel no centro histórico.
Trata-se de matéria a resolver, de forma integrada, com outras igualmente tão importantes como, por exemplo, o acesso e estacionamento na Serra, transportes públicos e de turismo, entre outras. Tudo está diagnosticado, as soluções conhecidas. Apenas falta o compromisso e o financiamento que, mesmo em tempo de vacas magras, será criminoso adiar.]
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Em 3 de Setembro de 2005, fez há poucos dias oito anos, faleceu Fernando Távora. Arquitecto extremamente inovador, com uma comovente capacidade de intervenção nos cascos históricos dos espaços urbanos, figura de absoluta referência e pai da Escola de Arquitectura do Porto, era um grande senhor da Cultura Portuguesa, a quem Portugal muito deve, sem que a universal incultura dos portugueses sequer suspeite.
O mais moderno dos modernos, deixou o nome ligado a projectos que se tornaram paradigmáticos, como o da Pousada de Santa Marinha da Costa e a reabilitação do centro histórico de Guimarães, Escola Primária do Cedro (V.N. Gaia), Mercado Municipal de Santa Maria da Feira, Pavilhão do Ténis de Matosinhos ou aquele fabuloso poema que é a Casa dos 24 no terreiro da Sé do Porto.
Em termos da recuperação do património, o Arq. Fernando Távora é incontornável e tutelar. Para além de Guimarães, o seu trabalho no edifício sede do Círculo Universitário do Porto é uma autêntica lição, de visita indispensável, por exemplo, a estudantes de uma escola como a Profissional de Recuperação do Património de Sintra.
Távora e a Volta do Duche
A história recente de Sintra, convém lembrar, ficará para sempre ligada a Fernando Távora na medida em que aqui nos recusámos a concretizar um seu projecto. Avivando a memória, tratava-se do estacionamento subterrâneo na Volta do Duche. Lamentavelmente, a contrario do que determinam os mais doutos, pertinentes e lógicos pareceres relativamente aos fluxos de trânsito e ao estacionamento nos centros históricos, Fernando Távora foi induzido a apresentar uma solução que traria mais automóveis para o centro histórico de Sintra.
O anterior executivo, enfrentando dificuldades na concretização da atitude a que estava obrigado – em função da escala, dos valores patrimoniais envolvidos e das verbas em consideração – apresentou um facto praticamente consumado, sem estudo de impacto ambiental, numa rápida sessão matinal no CCOC, perante reduzidíssima assistência de cidadãos de Sintra.
Seguiu-se a história que se conhece. Petições ao Presidente da República, ao Director da UNESCO em Paris, as mais destacadas personalidades da cultura portuguesa assinando um documento com mais de seis mil assinaturas, no contexto de um dos movimentos cívicos mais conhecidos a nível nacional, com a cobertura de todos os canais de televisão e dos jornais de maior circulação.
Naturalmente, perante a vontade inequívoca dos sintrenses, bem espaldada por testemunhos tão inequívocos dos mais conhecidos artistas, arquitectos paisagistas, historiadores e críticos de Arte, filósofos, escritores, jornalistas,académicos (grande parte do corpo docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa aderiu à causa) políticos, etc, o projecto foi abandonado.
Questão adiada
A proposta não foi avante e ninguém me convence de que esta não foi mesmo a melhor solução e, inclusive, a melhor e maior prova de respeito por Fernando Távora que, deste modo, afinal, não viu o seu nome apoucado por um polémico e controverso projecto cujos difusos contornos nada se conjugavam nem com o seu altíssimo gabarito e prestígio nacional e internacional nem com os reais interesses de Sintra.
Mas, meus senhores, a história não podia ter terminado em 2001 porque permanecia – e permanece tão pertinente como desde o início – a necessidade de estacionamento que se revela imperioso resolver a contento. É verdade que a radical atitude de um Movimento Cívico, com tanto êxito, condenou a solução. Na realidade, o acto político subsequente da Assembleia Municipal sancionou-a. Entretanto, seria de esperar que fossem apresentadas e concretizadas as competentes alternativas.
Ora bem, isso não aconteceu. Nem um centímetro de parque periférico dissuasor, que funcionasse em articulação com um expedito sistema de transportes públicos afins. Não vimos o aproveitamento de pequenas bolsas de estacionamento. Não vimos concretizado, ou sequer anunciada, a construção de qualquer auto-silo. Nenhuma via foi cortada ao trânsito. Nenhum civilizado regime de horário de cargas e descargas se implementou para que fosse inapelavelmente cumprido.
A cultura do desleixo
Nada, absolutamente nada foi feito minimamente análogo a esta rede de soluções que, de facto, constituem as alternativas ao que se pretendia fazer na Volta do Duche. E, assim tendo acontecido, os carros arrumam-se onde é possível, de qualquer maneira, inclusive em cima dos passeios.
Paradigmático? Pois esta é apenas uma das inúmeras soluções de terceiro mundo que, à falta de melhor, Portugal tanto tem promovido… É o resultado da pouca vergonha, é o desleixo à solta, a falta de nível, a consequência de más opções e de maus investimentos, os compromissos, o oportunismo, a falta do exercício da autoridade democrática.
É escusado procurar culpados nos decisores políticos mais ou menos recentes porque se trata de muito séria endemia, uma questão geracional e, mesmo que nos custe a admitir, coisa praticamente genética… Há excepções, claro que sim. Fernando Távora, por exemplo, nada tinha a ver com esta cultura da ordinarice institucionalizada. Respeitosamente, curvo-me perante a sua memória.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
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