Sintra,
Autárquicas de 29 de Setembro,
nas entrelinhas do descalabro[transcrição do artigo publicado na edição do dia 11 de Outubro de 2013 do Jornal de Sintra]
Todos os sinais, quer os colhidos em anteriores eleições,
quer os das mais recentes sondagens, em articulação com o manifesto alheamento
dos eleitores em relação à concreta vivência da democracia, apontavam para o
desenlace e descalabro que, infeliz e efectivamente, veio a verificar-se.
Em 29 de Setembro, Sintra não foi excepção e, se a abstenção
em Portugal se traduziu numa taxa média de 47,4%, no nosso concelho os números
foram muito mais negativos, atingindo 56,5%, quase mais dez por cento! Em seis
das freguesias a abstenção foi superior a sessenta por cento. E reparem que, na
UF Cacém e São Marcos, Algueirão Mem Martins e Rio de Mouro, as percentagens
respectivas foram de 63,4, 63,2 e 63 por cento!
Outra conclusão a merecer a devida consideração relaciona-se
com os totais inerentes aos votos brancos e nulos. No concelho de Sintra,
estando inscritos 304.082 eleitores, só se deslocaram às assembleias de voto 122.918.
Contudo, com toda a pertinência, tenha-se na devida conta que, destes cento e
vinte e dois mil e poucos, 6.168 votaram branco e 5.198 anularam o seu boletim.
Portanto, 9,2% dos votantes, manifestaram um evidente voto de protesto.
No meu referido artigo, publicado no passado dia 27 de
Setembro, subordinado ao tema Abstenções,
foi precisamente este o grupo que elegi como alvo, partindo do pressuposto
que as eleições também servem para demonstrar até que ponto pode chegar o voto
de protesto. Porque, brancos e nulos mas, muito em particular, os brancos,
permitem distinguir esse específico sinal.
Expressão do protesto
Foi aos abstencionistas, cujo peso inusitado era
perfeitamente previsível, a essa maré alta dos desiludidos do «prodec» -
processo democrático (???) em curso –
que me permiti propor se dessem ao incómodo de ir às urnas e votar em branco. Não
que me animasse qualquer proselitismo afim da solução que, em termos
literários, José Saramago acolheu em O Ensaio sobre a Lucidez, mas porque a
comunidade tem o direito de saber quantos eleitores rejeitam a matriz da
desqualificada expressão a que chegou a vida democrática no país, em geral, e neste
concelho, em particular.
Quanto mais claras forem as circunstâncias, quanto mais
inequívocos forem os números através dos quais tais circunstâncias se traduzem,
pois tanto maior será o lucro da comunidade nesse conhecimento, ao perceber o
resultado do rico trabalho de rotunda desmotivação que, com honrosas excepções,
toda uma degradada classe política, instalada nos partidos do arco da governação, se tem encarregado de promover ao
longo de dezenas de anos de regabofe impune.
De facto, são esses que bem podem limpar as mãos à parede...
Com a abstenção a mais de sessenta por cento, brancos e nulos em aumento
galopante, para onde vamos? Não muito longe, certamente. Pensemos, por exemplo,
na expressão da representatividade eleitoral do Presidente da Câmara Municipal de
Sintra, portanto, do segundo mais populoso concelho do país, com mais de
trezentos mil eleitores, que acabou de ser eleito por 32.698 desses cidadãos,
ou seja, apenas por 10,5% dos munícipes com direito a voto! Trata-se,
inegavelmente, de um paupérrimo resultado, de um descalabro com todos os
ingredientes de perplexidade, que coincidem com um desgosto sem nome.
Se de desgosto falo, é porque outro termo não me ocorre
quando, por um lado, apenas a título de exemplo, assistimos à tristíssima
debandada dos jovens qualificados – apesar de apenas podermos considerar como
emigrantes aqueles que saem para destinos fora União Europeia – e, por outro, nos
cai em cima este autêntico cenário de pesadelo, com os contornos e cores da mais
severa mas bem real avaliação do estado de coisas a que o país chegou.
Refiro-me ao país, é verdade, situação que, no especial caso de Sintra, deve
ser articulada e adequadamente considerada.
Sintra, capital do desânimo
Como é bem sabido mas, por vezes, parece ignorar-se nas
análises, o eleitorado de Sintra está numa situação especialmente vulnerável
pois, tal como acontece com o da capital, também é muito importante, em termos
numéricos, no contexto de toda a área metropolitana de Lisboa, não podendo
estar mais perto da sede de um poder central cada vez mais desgastado e
desacreditado.
Todos os dias a saltar para os noticiários das televisões e
parangonas dos jornais, um tal quadro afecta seriamente as opções dos
eleitores. Tal como em todo o país, aqui, porém, com muito maior acuidade, é
neste caldo de desgaste e de descrédito da classe política que se deve procurar
entender a génese de tanta demissão do
eleitorado, vertida na monstruosa abstenção do dia 29 de Setembro último em
Sintra.
A incompetente, desalmada e desumana austeridade tem algo a
ver com tudo isto. No entanto, números de tão patente desânimo, uma tal
abstenção, brancos e nulos neste nível, radicam nas razões bem mais profundas do
aludido desalento, que todos conhecemos. Os eleitores estão fartos, não
aguentam mais os discursos balofos, as mordomias, as prebendas e regalias de
toda a ordem, da tal classe política que muito bem tem sabido eternizar-se no
poder, tirando o máximo proveito de um Estado exangue em consequência das suas
manigâncias.
Perante todo este compósito quadro, nos termos do qual
ninguém pode regozijar-se, também em Sintra, há que muito bem saber interpretar
os sinais que, tão expressivamente, o movimento dos independentes acaba de
apresentar. É escusado bater mais no
ceguinho, apontá-lo como falso, inconsequente, incoerente e não sei que
mais. Apenas sei que, em Sintra, se bem recordados estão, não ganhou por uma unha
negra.
A terminar, louvo-me das palavras proferidas por Rui
Moreira, figura de referência nacional absoluta do movimento dos independentes,
actual Presidente da Câmara Municipal do Porto, no seu discurso da victória, palavras
que se aplicam, ipsis verbis, ao caso
de Sintra: “Se os partidos não entenderem o que se passou aqui hoje, então não
perceberam nada”. Enfim, acreditemos
que, por cá, todos vamos percebendo.
PS:
Há demasiado tempo, que se impõe
concretizar um imenso trabalho nas pequenas comunidades de cada freguesia, de acordo com o
seu perfil, mais ou menos rural, mais ou menos urbano, no sentido de conquistar
os fregueses para o exercício de uma cidadania activa, assumida e responsável,
visando a resolução em comum de pequenos problemas, contribuindo para a
melhoria de qualidade de vida individual e colectiva. O que não faltam são
medidas adequadas que aguardam a disponibilidade de quem souber e puder
dinamizá-las.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
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