[sempre de acordo com a antiga ortografia]
sábado, 23 de novembro de 2013
Centenário de Benjamin Britten Britten [V]
[Facebook, 22.11.2013]
Em continuação do «programa de comemorações» do centenário de Benjamin Britten neste mural, no âmbito do qual aqui partilhei uma peça de sua autoria cada dia desta semana, então, no preciso dia do centenário, proponho-vos a leitura do meu artigo publicado na edição de hoje do 'Jornal de Sintra', no fim do qual há uma curiosa e «coincidente» sugestão de audição.
Trata-se do "Hymn to St. Cecilia" que, em 1942, sempre muito orgulhoso por ter nascido em dia tão auspicioso, Benjamin Britten compôs em honra da padroeira dos músicos que, como sabem, também é celebrada nesta mesma data.
Benjamin Britten,
jovem compositor centenário
Nascido em 22 de Novembro de 1913, há precisamente cem anos, Benjamin Britten é geralmente considerado como o maior compositor britânico do século vinte. Por todo o lado, em 2013, se tem celebrado o centenário, nos mais célebres auditórios e salas de ópera, em todos os grandes festivais, num manifesto de perenidade radicado na excepcional qualidade do seu legado.*
Acerca de Britten, neste dia do centenário, gostaria de partilhar convosco algumas breves notas biográficas, essenciais para se perceber o percurso de um compositor, empenhado com o seu tempo, cuja modernidade é tão determinante para o entendimento geral do próprio século vinte, em todos os aspectos, não só o musical e cultural lato sensu mas também os sociais e políticos.
Para entender o músico, preciso é entender o homem, atento a todos os sinais de um mundo que fervilha, autor de obra onde palpita uma criatividade transbordante, uma originalidade que tanto é irmã das melhores produções das artes plásticas, da literatura, do cinema como, politicamente, do cidadão comprometido com as grandes causas como, por exemplo a denúncia dos horrores da guerra.
Até ao fim da Guerra
Nasceu em Lowestoft, na região de East Anglia, sudoeste da Inglaterra, onde a presença da água terá sido determinante para o enquadramento de muita da sua escrita musical. Foi o que costuma designar-se como garoto prodígio, num ambiente familiar favorável à música, tendo começado a compor aos cinco anos e, com dez, logo participando num festival de amadores em Norwich. Beneficia do magistério do compositor, maestro e pianista Frank Bridge (1879-1941), estuda no Royal Colledge of Music, em Londres, onde recebe formação pianística de elevado nível mas pouco lucra das lições de composição de John Ireland.
Em 1934, de tal modo ficou impressionado com uma récita de "Wozzek", ópera de Alban Berg (1885-1935) estreada em 1925, que chegou a pensar ir estudar para Viena de Áustria com aquele compositor, projecto que não se concretizaria. Entretanto, chegam às salas de concerto as suas primeiras composições de um período de grande empenho em que, também escrevendo para o cinema, se encontra com o poeta anglo-americano W. H. Auden (1907-1973), se envolve politicamente com reflexos em "Our Hunting Fathers" (1936) e "Ballad of Heroes" (1939).
Com o começo da guerra, o objector de consciência que Benjamin Britten era, segue Auden para a América. Consigo vai Peter Pears (1910-1986), companheiro de toda a vida, sofisticado tenor que daria voz a inúmeras peças do compositor. É no outro lado do Atlântico que compõe a sua "Sinfonia da Requiem" (1940) e "Primeiro Quarteto de Cordas" (1941). No ano seguinte percebeu que tinha de voltar à sua Albion. Já em Inglaterra, com Pears, apresentam-se em grande número de eventos, envolvendo-se com a Sadler’s Wells Opera Company.
Até aos anos sessenta
Foi em Londres, no auditório da Rosebery Avenue, Clerkenwell, zona de Islington, em 7 de Junho de 1945 – a guerra na Europa tinha terminado um mês antes, em 8 de Maio – que a ópera "Peter Grimes" se estreou, com Peter Pears no protagonista, num tal sucesso tal que, aos trinta e dois anos, Britten passou a ser considerado o mais famoso dos compositores ingleses do seu tempo.
De 1946 é o tão conhecido e popoular "Young Person’s Guide to the Orchestra", a partir de um tema de Henry Purcell escrito trezentos anos antes e que, a nível mundial, emparceira com o não menos famoso" Pedro e o Lobo" (1936) de Prokofiev, para apresentação à gente nova dos instrumentos da orquestra. Como não eram tempos propícios às grandes produções, compõe as designadas óperas de câmara, tais como "The Rape of Lucretia" (O Rapto de Lucrécia) ou "Albert Herring", "The Turn of the Screw", escritas para pequenas orquestras e reduzidos elencos, óperas que podiam ser levadas à cena em pequenas igrejas e noutros enquadramentos similares.
Em 1948 funda o Festival de Aldeburgh. A partir de então, bem pode afirmar-se que passa a compor, quase exclusivamente para este evento anual onde se apresenta como maestro e pianista. De 1951 data outra grande ópera, "Billy Budd", produzida pelo Covent Garden e, de 1953, Gloriana, baseada na relação entre Isabel I e o Conde de Essex, para a cerimónia de gala da coroação da Rainha Isabel II.
Em 1962 escreve o "War Requiem" (Requiem da Guerra), uma das obras coral-sinfónicas mais importantes do século vinte, para comemorar a reconstruçao e a consagração da nova Catedral de Coventry, em substituição da que tinha sido arrasada por bombardeamentos. Para a estreia, além de Peter Pears e de Dietrich Fischer Dieskau, também estava prevista a presença do soprano Galina Vichnevskaia, mulher de Rostropovich, mas as autoridades russas não autorizaram a sua saída do país. De qualquer modo, a primeira gravação discográfica, para a etiquta Decca, já contou com a sua voz.
Mais artefactos do testamento
Da amizade com Mstislav Rostropovich nascem obras como "Sonata para Violoncelo" e "Sinfonia para Violoncelo" bem como três suites para violoncelo solo. É igualmente no contexto desta aproximação com o casal russo que, por diversas vezes, Britten se desloca à então União Soviética para se apresentar como maestro e também como pianista, acompanhando Pears em recitais.
Na sequência de uma viagem ao Extremo Oriente, profundamente impressionado com a estética nipónica do Teatro Nô, compõe, por exemplo, "Curlew River", uma das suas parábolas religiosas, datada de 1964 que, embora não esteja inequivocamente registado na partitura autógrafa, tudo leva a crer tenha sido dedicada à sua amiga íntima, a Senhora Marquesa Olga Cadaval, em cujo palácio de Veneza esteve várias vezes alojado.
Ainda destacaria mais duas grandes obras dos anos finais da vida de Bejamin Britten que morreria em 4 de Dezembro de 1976. Refiro-me às óperas "Owen Wingrave", de 1970 que, tendo sido concebida para televisão, logo foi produzida no palco do Covent Garden, e a "Death in Venice", com libretto baseado no romance homónimo Morte em Veneza, de Thomas Mann, estreada em Aldeburgh em 1973, que se considera incluir a melhor música para voz por ele escrita para Pears, que encarna a figura protagonista do decadente escritor Gustave von Aschenbach.
É curioso ter em consideração, como já tive ocasião de assinalar no meu texto sobre "Curlew River" – excertos do qual foram publicados nas páginas do 'Jornal de Sintra', que muitas das suas personagens principais lidam com o tema do outsider, alguém que, por circunstâncias diversas, não se integra, não se adequa ao meio social ou, então, é mal compreendido pela comunidade. Até que ponto é que a homossexualidade de Britten que, enquanto viveu, jamais foi objecto de pública discussão, poderá ter a ver com tal característica, é algo que constitui elemento não despiciendo da actual análise musicológica.
Deixei algumas pistas da sua extensa obra, cuja evidente modernidade continua a surpreender. Todas as peças que referi são essenciais para entender o mais jovem de todos os compositores centenários. Finalmente, no contexto da oficial celebração por mim promovida através do artigo que estão acabando de ler, neste que também é dia de Santa Cecília, patrona dos músicos, deixaria a sugestão de acederem ao "Hymn to St Cecília", obra coral composta por um Britten extremamente orgulhoso de ter nascido nesta data tão auspiciosa, peça que, pois claro, se ouviu pela primeira vez também num dia 22 de Novembro, em 1942. Boa audição!**
* Sintra não foi excepção, com dois fortes momentos de comemoração. O primeiro aconteceu, logo em 17 de Janeiro, por ocasião do aniversário da Senhora Marquesa de Cadaval, com a Orquestra de Cascais e Oeiras, sob a direcção do Maestro Nikolay Lalov, numa interpretação de Simple Symphony; mais tarde, numa segunda oportunidade, em pleno Festival de Sintra, ao lado de Giuseppe Verdi e Richard Wagner, foi compositor tutelar, com direito a uma conferência, na Quinta da Regaleira, por Rui Vieira Nery e, no Centro Cultural Olga Cadaval, à audição do Concerto para Piano e Orquestra No. 1, com Pedro Gomes como solista, e Orquestra Gulbenkian, dirigida por Joana Carneiro.
** Eis uma referência para busca no YouTube: http://youtu.be/MGyB7_2RnS4
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário