Centenário de Benjamin Britten Britten [IV]
[Facebook, 21.11.2013]
Em continuação do «programa de comemorações» do centenário de Benjamin Britten neste mural, no âmbito do qual aqui terão uma peça de sua autoria cada dia desta semana, hoje proponho-vos
"Curlew River, A Parable for Church Performance", Op. 71 (1964)
Hoje em dia considera-se absolutamente determinante a viagem musical ao Extremo Oriente, que Benjamin Britten e Peter Pears empreenderam em Dezembro de 1955, pelas consequências artísticas profundas na obra subsequente do compositor.
A sua experiência de contacto com o austero e estilizado ritual do Teatro Nô japonês acabaria por constituir a inspiração essencial para três Parábolas Religiosas, escritas com intervalos de dois anos entre 1964 e 1968, dentre as quais "Curlew River", a primeira composta, se evidencia como mais próxima da origem japonesa, na medida em que se trata da adaptação de uma genuína peça Nô.
No entanto, em "Curlew River", a acção é transferida para as Fenlands, região pantanosa do leste da Inglaterra, na East Anglia medieval, conferindo-se-lhe um enquadramento cristão, acentuado pela utilização do cantochão 'Te lucis ante terminum', basilar para a estrutura a obra, resultando numa experiência operática radicalmente nova, enquanto que acolhe alguma da mais intensa e bela música de Britten.
O libretto é de William Plomer, com base em "Sumidagawa" (Rio Sumida) de Juro Motomasa, peça do teatro Nô. A estreia aconteceu em 12 de Junho de 1964 na igreja de St. Barholomew, em Orford, Suffolk, no âmbito do Festival de Aldeburgh.
Sinopse
De acordo com as características do Teatro Nô, a representação é assegurada apenas por actores masculinos: o 'Abade', que funciona como Narrador, a 'Mulher Louca', o 'Barqueiro' e o 'Viajante'. Oito Peregrinos desempenham as funções de Coro. Como tantas vezes acontece no universo de Britten, por exemplo, nas óperas "Peter Grimes”, "Billy Budd" ou "The Turn of ths Screw", o enredo está centrado num outsider que, neste caso, é 'Madwoman'.
A 'Mulher Louca' e o 'Viajante' pretendem atravessar Curlew River. Explica ela que anda em busca do filho que havia desaparecido há um ano. Embora inicialmente algo relutante, o Barqueiro acaba por ceder ao transporte. Durante a travessia conta a história de um rapaz que, um ano antes, por ali aparecera acompanhando um homem que o tinha raptado nas Black Mountains, donde a Mulher Louca é natural.
Doente, o rapaz tinha sido abandonado pelo homem e, embora tratado pela gente local, acabara por morrer, permanecendo a crença de que a sua sepultura era lugar sagrado. Naturalmente, torna-se evidente a relação entre a criança desaparecida e a 'Mulher Louca' que, com os acompanhantes, rezam junto à campa. No momento crucial em que todos cantam, ouve-se a voz do rapaz, aparecendo o seu espírito sobre o túmulo, confortando a mãe com a certeza do encontro no Céu.
Quanto ao suporte musical, sem direcção formal, a obra prevê que os cantores sejam acompanhados por um pequeno conjunto composto por flauta, trompa, viola, contrabaixo, harpa e percussão (cinco tamboretes, cinco pequenos sinos e um gong) e um harmónio (pequeno órgão).
A principal técnica musical presente em "Curlew River" é a 'heterofonia' que, em breves palavras, se resume à execução de variações independentes, por duas ou mais vozes, sobre uma mesma melodia, que Benjamin Britten utiliza conseguindo efeitos dramáticos extraordinários. Ainda cumpre salientar que, a exemplo do que acontece com outras obras do compositor, também nesta, alguns instrumentos estão afectos a determinadas personagens, como a 'Mulher Louca' à flauta e o 'Barqueiro' à trompa.
Obra de primordial importância, que precede e enquadra uma série de peças que o compositor escreverá subsequentemente, tais como "Owen Wingrave", "Death in Venice" ou o "Terceiro Quarteto de Cordas", é extremamente interessante e significativo que, «informalmente» (já que a partitura autógrafa, de facto, não regista) Curlew River tenha tido como dedicatária a Senhora Marquesa Olga de Cadaval que, no seu palácio em Veneza, algumas vezes acolheu o amigo pessoal Benjamin Britten.
Finalmente, desta peça crucial do testamento do compositor, proponho-vos uma brilhante produção do Festival de Aix-en-Provence, datada de 1998.
Boa audição!
http://youtu.be/InBawPCqN1c
"Curlew River, A Parable for Church Performance", Op. 71 (1964)
Hoje em dia considera-se absolutamente determinante a viagem musical ao Extremo Oriente, que Benjamin Britten e Peter Pears empreenderam em Dezembro de 1955, pelas consequências artísticas profundas na obra subsequente do compositor.
A sua experiência de contacto com o austero e estilizado ritual do Teatro Nô japonês acabaria por constituir a inspiração essencial para três Parábolas Religiosas, escritas com intervalos de dois anos entre 1964 e 1968, dentre as quais "Curlew River", a primeira composta, se evidencia como mais próxima da origem japonesa, na medida em que se trata da adaptação de uma genuína peça Nô.
No entanto, em "Curlew River", a acção é transferida para as Fenlands, região pantanosa do leste da Inglaterra, na East Anglia medieval, conferindo-se-lhe um enquadramento cristão, acentuado pela utilização do cantochão 'Te lucis ante terminum', basilar para a estrutura a obra, resultando numa experiência operática radicalmente nova, enquanto que acolhe alguma da mais intensa e bela música de Britten.
O libretto é de William Plomer, com base em "Sumidagawa" (Rio Sumida) de Juro Motomasa, peça do teatro Nô. A estreia aconteceu em 12 de Junho de 1964 na igreja de St. Barholomew, em Orford, Suffolk, no âmbito do Festival de Aldeburgh.
Sinopse
De acordo com as características do Teatro Nô, a representação é assegurada apenas por actores masculinos: o 'Abade', que funciona como Narrador, a 'Mulher Louca', o 'Barqueiro' e o 'Viajante'. Oito Peregrinos desempenham as funções de Coro. Como tantas vezes acontece no universo de Britten, por exemplo, nas óperas "Peter Grimes”, "Billy Budd" ou "The Turn of ths Screw", o enredo está centrado num outsider que, neste caso, é 'Madwoman'.
A 'Mulher Louca' e o 'Viajante' pretendem atravessar Curlew River. Explica ela que anda em busca do filho que havia desaparecido há um ano. Embora inicialmente algo relutante, o Barqueiro acaba por ceder ao transporte. Durante a travessia conta a história de um rapaz que, um ano antes, por ali aparecera acompanhando um homem que o tinha raptado nas Black Mountains, donde a Mulher Louca é natural.
Doente, o rapaz tinha sido abandonado pelo homem e, embora tratado pela gente local, acabara por morrer, permanecendo a crença de que a sua sepultura era lugar sagrado. Naturalmente, torna-se evidente a relação entre a criança desaparecida e a 'Mulher Louca' que, com os acompanhantes, rezam junto à campa. No momento crucial em que todos cantam, ouve-se a voz do rapaz, aparecendo o seu espírito sobre o túmulo, confortando a mãe com a certeza do encontro no Céu.
Quanto ao suporte musical, sem direcção formal, a obra prevê que os cantores sejam acompanhados por um pequeno conjunto composto por flauta, trompa, viola, contrabaixo, harpa e percussão (cinco tamboretes, cinco pequenos sinos e um gong) e um harmónio (pequeno órgão).
A principal técnica musical presente em "Curlew River" é a 'heterofonia' que, em breves palavras, se resume à execução de variações independentes, por duas ou mais vozes, sobre uma mesma melodia, que Benjamin Britten utiliza conseguindo efeitos dramáticos extraordinários. Ainda cumpre salientar que, a exemplo do que acontece com outras obras do compositor, também nesta, alguns instrumentos estão afectos a determinadas personagens, como a 'Mulher Louca' à flauta e o 'Barqueiro' à trompa.
Obra de primordial importância, que precede e enquadra uma série de peças que o compositor escreverá subsequentemente, tais como "Owen Wingrave", "Death in Venice" ou o "Terceiro Quarteto de Cordas", é extremamente interessante e significativo que, «informalmente» (já que a partitura autógrafa, de facto, não regista) Curlew River tenha tido como dedicatária a Senhora Marquesa Olga de Cadaval que, no seu palácio em Veneza, algumas vezes acolheu o amigo pessoal Benjamin Britten.
Finalmente, desta peça crucial do testamento do compositor, proponho-vos uma brilhante produção do Festival de Aix-en-Provence, datada de 1998.
Boa audição!
http://youtu.be/InBawPCqN1c
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