[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 10 de novembro de 2013



Património de Sintra,
da necessidade de bilhete de identidade

 

[Transcrição do artigo publicado na edição de 8 de Novembro de 2013 do ‘Jornal de Sintra’. Julgo que a solução de identificação dos bens patrimoniais de Sintra, através de uma placa análoga à utilizada em tantos lugares civilizados, é solução de inequívoca premência de adopção. Inadiável. Por isso me tenho permitido, pelo menos de há oito anos a esta parte, lutar no sentido de que assim venha a suceder. Sintra merece que, desta vez, o alvitre encontre o merecido acolhimento.] 

 
Foi em 15 de Abril de 2005 que o Jornal de Sintra publicou o meu artigo ‘Um turismo às claras’ acerca do assunto que hoje pretendo revisitar. Sete anos e meio depois, em 7 de Setembro de 2012, nestas mesmas páginas, também após a abordagem da matéria nas redes sociais (1), voltei à carga, subordinado ao título ‘Sintra, legendas no património’ mas, sintomática e infelizmente, com o mesmo negativo ou, melhor, nulo resultado.

Agora, praticamente no fim de 2013, no momento em que muda de mãos a gestão da autarquia, ainda não desisti de considerar que, tanto esta minha preocupação como a subsequentes sugestão de resolução, continuam pertinentes. É por isso que, sem mais delongas, volto à matéria na esperança de que, finalmente, possam encontrar o acolhimento que, sem presunção, julgo merecerem.
Reporto-me à inequívoca obrigação de Sintra suprir toda a informação possível, de forma directa, imediata, expedita e concisa junto dos bens patrimoniais em que tão pródiga é a sede do concelho, com particular destaque para o Centro Histórico, São Pedro e Bairro da Estefânea onde, constantemente, deparam os forasteiros com peças interessantíssimas mas sem qualquer identificação.
Como a necessidade de colmatar a falha é inquestionável, a falta de resposta é inadmissível, ao longo de tanto tempo, colidindo com o quadro de referência de Sintra como destino de vocação turística. A verdade, no entanto, é que à excepção dos espaços afectos à Parques de Sintra Monte da Lua, o modo displicente como esta terra tem sido tratada logo suscita as maiores dúvidas, não tanto em relação à aludida vocação mas, isso sim, quanto a estar à altura de lugar tão sofisticado e exigente.

Casos concretos

Nada melhor do que considerar casos concretos, tão conhecidos como, por exemplo, os da Quinta da Regaleira, Quinta do Relógio e Sobreira dos Fetos, concentrados numa mesma e contígua área. Já se deram conta de que ali nada existe que, minimamente, esclareça quanto à singularidade daquelas três peças do património local? Ora bem, há que suprir essa falta, adoptando a prática que tão eficaz se tem revelado por toda a parte.

Afinal, tudo se resume à instalação, junto de cada edifício, de uma placa informativa. No caso vertente, sobre a estética revivalista romântica da sua arquitectura, esclarecendo acerca dos proprietários iniciais promotores da construção, dos artistas envolvidos, das curiosidades mais notáveis tais como toda a simbologia maçónica da Regaleira, ou o facto histórico de D. Carlos e D. Amélia terem passado a lua de mel na Quinta do Relógio. Já a propósito da nobilíssima árvore, para além das referências botânicas identificativas da espécie, importaria divulgar os escritores que a ela se referiram, bem como o especial afecto que lhe dispensou a última rainha de Portugal.

Mais casos? Porque não Seteais, a pouca distância? Chegados ao portão de acesso, as únicas placas presentes são as que identificam o Palácio de Seteais apenas como hotel de luxo de determinado grupo empresarial. Ali deveria existir informação acerca deste palácio do século XVIII, dos jardins de acesso livre e gratuito, do miradouro do qual se avista uma das mais impressionantes paisagens de Portugal, daquele arco de triunfo e o acontecimento ali celebrado, etc. Isto é o mínimo que merecem os bens patrimoniais da comunidade em termos de interpretação e divulgação.


 
Pertinência da solução

Por outro lado, é impossível ignorar que muitos visitantes, turistas nacionais ou estrangeiros, se preparam muito bem, acedem à informação disponibilizada na internet, passam pelo posto do Turismo local onde lhes distribuem folhetos, mapas e  documentação de todo o tipo. É verdade. O mínimo que poderíamos ripostar é que uma coisa não invalida a outra.
Não deixa de ser curioso verificar - e eu constato-o, quotidianamente, nas minhas andanças e caminhadas – que, precisamente, são os forasteiros portugueses os menos bem apetrechados. Tenho ouvido, junto à Regaleira, pessoas dizendo que se trata de um palácio manuelino do tempo das Descobertas… E, no passado domingo, atravessando o Largo da Quinta do Relógio, alguém perguntava que casa seria aquela, tão degradada, com os caracteres árabes...

Pois sim senhor, não só todo o suporte documental, em papel impresso, mas também a informação que, in loco, deve estar disponível, através da tal placa informativa, de reduzidas dimensões, legível à curta distância de cerca de um metro, contendo apenas meia dúzia de frases imprescindíveis à localização da peça no tempo e no espaço, dando conta de qualquer episódio de interesse relevante.

Esta é matéria aliciante mas, como se pode verificar, que nada evidencia de particularmente inovador. Legendar o património, ou seja, disponibilizar uma placa que funcione como «cartão de identidade» da peça patrimonial é coisa perfeitamente corriqueira em todas as comunidades onde os responsáveis pelos sectores do turismo e do património cultural há muito se renderam a esta prática tão simples mas tão eficaz de divulgação da sua riqueza.

Circuitos e alvitres

Aqueles que, eventualmente, ainda recordem estas propostas, estarão verificando que continuo recorrendo aos meus referidos artigos, desde já, passando a outro exemplo, entre tantos referenciáveis. Desta vez, seria em pleno coração do centro histórico, bem no casco da Vila Velha, onde se justificaria a existência de informação acerca da Judiaria, junto ao arco que lhe dá acesso, à esquerda de quem sobe a rua, a caminho da Periquita.

E, em sentido contrário, outra placa ou painel referenciando a Rua do Açougue, remota reminiscência do as-soq árabe, interessante vestígio da Mouraria de Sintra, mesmo sob a esplanada do Café Paris. Estas, apenas duas das etapas de passagem de um circuito elucidativo da saudável convivência que outrora reinou entre as comunidades religiosas cristã, judaica e muçulmano, percurso a promover com outros motivos do maior interesse, naturalmente, após a requalificação que se impõe.

Como não lembrar, igualmente, entre tantas que poderíamos citar, noutra zona da sede do concelho, as obras dos Arquitectos Norte Júnior, Adães Bermudes, Raul Lino, sem qualquer identificação? Naturalmente, a informação a disponibilizar, ainda que significativamente reduzida, obedeceria sempre a um mesmo modelo padrão de painel-placa, talvez com a aposição de um pequeno símbolo cromático, identificador de certo circuito (medieval, romântico, queiroziano ou outros) em coerente articulação com a que aparece nos folhetos turísticos, tanto em termos do estilo informativo como no aspecto gráfico.

Simples? Dispendioso? Sabemos que não é coisa simples de concretizar, pressupondo o envolvimento de saberes afins da História, divulgação cultural, comunicação, da semiótica, do design gráfico, do marketing. Quanto às verbas a envolver, mesmo em tempo de crise tão grave, trata-se de investimento que, não sendo muito significativo, e a concretizar faseadamente, suscitará inequívoco e positivo retorno.

Até ouso alvitrar o envolvimento da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra que, além das competências trabalhadas nas disciplinas de Português e de História, dispõe de meios afins da concretização de tal projecto, para concepção das placas de identificação, por exemplo, nas especialidades de Azulejaria e Metais se, para tal efeito, se optasse por suportes azulejares.

Será difícil pôr em marcha semelhante plano de identificação e divulgação de todos os bens de interesse patrimonial de Sintra? Será difícil de entender que este tipo de informação é, pelo menos, tão essencial como o dos folhetos e mapas distribuídos pelo Turismo?
E, não tão despiciendo quanto possa parecer, não se perceberá que esta também é uma forma de promover a autoestima dos residentes, em especial dos menos esclarecidos, possibilitando-lhes uma informação sucinta e rápida sobre um património que os forasteiros procuram por razões nem sempre compreensíveis? Muito trabalho? Mas tão aliciante, tão útil, urgente e necessário!
 

(1) www.sintradoavesso@blogspot.com

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[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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