[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 12 de janeiro de 2014





Nobre admiração e torpe inveja

Quem acompanha os textos que aqui gosto de partilhar, sabe da profunda admiração que nutro por Soren Kierkgard, filósofo e teólogo dinamarquês (1813-1855). Acerca da inveja, na sua obra O Desespero Humano, Kierkgard terá escrito uma das mais certeiras considerações que conheço. Permitam que a transcreva:


"(...) A inveja é uma admiração que se dissimula. O admirador que sente a impossibilidade de ser feliz cedendo à sua admiração, toma o partido de invejar. Usa então duma linguagem diferente, segundo a qual o que no fundo admira deixa de ter importância, não é mais do que patetice insípida, extravagância. A admiração é um abandono de nós próprios penetrado de felicidade, a inveja, uma reivindicação infeliz do eu. (...)"

Curiosamente, na mesma sintonia, também o filósofo, matemático, crítico social britânico Bertrand Russel (1872-1970), na bem conhecida A Conquista da Felicidade, aborda o tema, nos seguintes termos:


"(...) De todas as características que são vulgares na natureza humana a inveja é a mais desgraçada; o invejoso não só deseja provocar o infortúnio e o provoca sempre que o pode fazer impunemente, como também se torna infeliz por causa da sua inveja. (...) Afortunadamente, porém, há na natureza humana um sentimento compensador, chamado admiração. Todos os que desejam aumentar a felicidade humana devem procurar aumentar a admiração e diminuir a inveja. (...)"

Às palavras de Bertrand Russel que, tão naturalmente, enaltece o sentimento da admiração que, afinal, só os generosos conseguem conjugar, eu acrescentaria que todos os que desejam aumentar a felicidade humana e, em particular, a sua própria felicidade, devem prosseguir por aquela via.

Ao longo da vida, como homem da Educação, sempre à espreita de reconhecer os talentos de cada um, fazendo todo o possível por que rendessem o máximo, me vi constantemente na situação de manifestar a minha admiração pelo «outro», fosse o meu colega, o aluno, um funcionário subordinado, ou o director.

Dentre os que frequentam estas páginas do facebook, há quem, conhecendo-me há dezenas de anos, sabe que sempre foi esta a minha atitude. Tenho de dar graças a Deus por jamais ter tido qualquer problema em louvar, em enaltecer, em elogiar o melhor trabalho fosse de quem fosse.

Porém, não raro, nos contextos profissionais onde exerci actividade, me deparei com algumas pessoas que chegaram a duvidar da sinceridade desta postura que, felizmente, é partilhada por muita gente de bem. Desgraçada e invariavelmente, aqueles descrentes tinham todas as marcas, exibiam as feridas da vida, orgulhavam-se das chagas das lutas - que, na sua perspectiva, tinham vencido - incapazes de nelas reconhecerem o perverso efeito da inveja em que haviam sido geradas.

A inveja. O perfeito horror da inveja. A inveja, a tal célebre última palavra de "Os Lusíadas" em que tantos analistas pretendem descortinar a intenção do vate em distinguir o pior dos defeitos mas característica dos portugueses. A inveja, a mesma inveja que tem sido mote para tantas, tantas obras de Arte, de todos os tempos, em todos os domínios, das plásticas, à Literatura, à Música.

Depois destas impressões, não vos deixaria sem o consolo de uma peça de Johann Sebastian Bach, Cantata Herr Gott, wir de alle loben dich BWV 130, onde uma famosa passagem sobre a inveja nos aguarda em Der alte Drache brennt vor Neid [O velho dragão arde em inveja]. A interpretação está confiada à voz do barítono Dominik Wörner, e aos Bach Collegium Japan chorus & orchestra Masaaki Suzuki.

Boa audição!



http://youtu.be/8QUnAVbAqTI






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