[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 26 de janeiro de 2014





Sábado com a Filarmónica de Viena


[Salzburg, 26.01.2014] Depois dos eventos da manhã de ontem, e, depois de outras actividades sempre no âmbito do Festival, participei, ao fim da tarde, num encontro com Joshua Bell que ainda não conhecia
pessoalmente. Mesmo os não melómanos já viram no YouTube aquela cena do grande violinista que, incógnito, tocava numa estação de metropolitano em Washington. Então, é esse o artista que, chegando a estar em Salzburg três vezes durante o Festival de Verão, fazia hoje o seu début com a Orquestra Filarmónica de Viena.

Uma simpatia de homem, à conversa com Mathias Schulz, Director Artístico do Mozarteum e Christoph Koncz, um dos segundos violinos da Filarmónica que os mais atentos às transmissões televisivas de grandes concertos com esta orquestra já notaram com toda a certeza. Lourinho, está logo na primeira fila, parece um adolescente mas já tem vinte e quatro anos. Com grande espírito de humor, é um músico dotadíssimo, responsável pelo projecto da Orquesta infantil do Mozarteum.

Durante a conversa ficámos a saber que, dentro de uma hora, ao interpretar o Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior, op. 77 de Johannes Brahms, no fim do primeiro andamento, Joshua Bell tocaria a sua própria ’cadenza’ e não a do dedicatário da obra, o violinista Joseph Joachim. Como não conhecia esta sua proposta, fiquei com mais um motivo para a grande expectativa do longo serão, sob a direcção do premiadíssimo e famoso Maestro Paavo Järvi, em que, além da obra de Brahms, teríamos duas sinfonias de Mozart, em Si Maior KV. 319 e em Ré Maior, KV. 385, “Haffner” e ainda “Metamorphosen”, op. 142, uma das obras finais de Richard Strauss.

Como sabem, qualquer concerto com a Filarmónica de Viena é sempre uma experiência extremamente enriquecedora. O empenho, a entrega, a jovialidade, a tarimba, «a cultura daquela escola orquestral», o respeito de todos os músicos pelos pergaminhos da instituição, a fabulosa técnica de cada um, contribuindo para o «klang» geral, resultam numa máquina única de produção de Arte que emparceira com pouquíssimas mais em todo o mundo.

Em Salzburg, os da Wiener Philharmoniker estão em casa. Até uma rua têm com o seu nome, a que, constantemente, nos serve de ligação entre a Universitäts Platz e o Grosses Festspielhaus ou a Haus für Mozart. Em Salzburg, durante o ano, pelo menos, entre Mozartwoche e Festival de Verão, são inúmeras as vezes que por aqui estão. Agora, tê-los-emos em três eventos, sempre com diferentes maestros, que a sua estratégia passa por não ter um titular.

Entrando já no concerto que se seguiu à conversa, tudo foi perfeitamente superlativo em todos os aspectos. Quem acompanha os meus textos há anos, bem sabe que, nem sempre, assim acontece. Já tenho tido experiências «interessantes» com alguns maestros, como o Mutti que, há uns bons anos, ao dirigir certa sinfonia de Mozart, quando tinha indicação de ‘presto’, fez ‘prestíssimo’ de tal modo endiabrado que descaracterizou a peça, caindo-lhe em cima a sala, que esfriou, e a crítica no dia seguinte…

Volto ao concerto de ontem. Deixem-me confessar que a cadenza do Joshua Bell não me convenceu. Na minha opinião, demasiado «acrobática», ultrapassou aquela medida de sábio equilíbrio em que a exuberância do grande artista não pode confundir-se com jactância e exibicionismo. Não foi muito mas o suficiente para me ter deixado um evitável amargo de boca.

As sinfonias de Mozart, clássicas até à medula, tiveram apolínea leitura. A obra de Strauss, preocupada, soturna – começada a compor precisamente em 13 de Março de 1945, no dia seguinte à destruição da Ópera de Viena – mas com evidentes momentos de superação, na direcção de Paavo Järvi, respeita milimetricamente a intenção do compositor que, no final, se inspira no tema descendente da marcha fúnebre da ‘Eroica’ de Beethoven, como se a morte do herói coincidisse com a da própria cultura germânica que Strauss conhecera. Do concerto de Brahms, exceptuando o referido episódio, ficar-me-á, para sempre, mais uma experiência inolvidável.
Naturalmente, saí arrasado.

Deixo-vos com “Methamorphosen”, numa gravação de 1968, ao vivo, com as Cordas da Orquestra de Cleveland sob a direcção de George Szell. Um portento!

Boa audição!



http://youtu.be/5S9kB7Qj85Q




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