[SALZBURG, 29.01.2014(1)]
[facebook, 29.01.2014]
Antes de mais, a confirmar que, no intervalo do concerto de câmara desta manhã, acerca do qual vos darei breve nota, tive oportunidade de trocar impressões com gente responsável e conhecedora dos mais sofisticados meandros da Mozartwoche que – na sequência de eu apontar como de muito baixo nível a prestação de Villazón – me replicou dando a razão que me assiste.
Caramba! Não tenho a mania de que sei tudo mas, c’os diabos, ainda consigo verificar as qualidades de uma voz e, no caso de Villazón, até nem é preciso ser perspicaz… «Aquilo» não existe, parece impossível. Em Salzburg? Em plena Mozartwoche, no suprassumo do bom, do melhor serviço a Mozart? Entre lábios mais ou menos cerrados, também me foi dito que Marc Minkowski não é insensível à possibilidade de encher a casa se tiver de fazer uma concessão a certo público menos exigente. Olhem, enfim, talvez se prejudique. Minha já lá tem uma carta de protesto que não é única.
1.Na segunda-feira, anteontem, dia 27, um concerto excepcional, com a Camerata Salzburg, sob a direcção de Louis Langrée, para um programa muito interessante em que o espectador tinha a possibilidade de comparar o tratamento que Mozart e Gluck deram às suas óperas subordinadas ao mesmo título, ou seja, “La Clemenza di Tito” que, como sabem, partem de um mesmo de Pietro Metastasio.
Um sucesso, inexcedível qualidade, presenças magníficas de Malin Hartelius, soprano, Marianne Crebassa, Mezzo e de Andrew Staples, tenor. Staples, em especial, está a revelar-se um grande mozartiano. A Camerata é uma das jóias musicais da cidade pela qual os salisburguenses têm natural carinho. Ainda sou do tempo de Sandor Vegh como maestro e, depois, tenho conhecido os sucessores, Sir Roger Norrington, até 2005, Leonidas Kavakos, até 2009 e, desde2011, Langré.
2. Brevíssima referência ao recital de Michael Schade e Malcom Martineau. Mas, primeiramente, permitam que, mais uma vez, dê graças a Deus por, em devido tempo – e era tão miúdo, nos meus quatorze anos – ter decidido ir para Letras, na altura em que se tinha de optar por estas ou por Ciências, para fazer Germânicas. Não era com o objectivo de estudar línguas já que, para o efeito, na altura já havia boas escolas, mas pela cultura germânica.
Claro que, para o efeito, o Alemão é indispensável e eu aprendi-o, por vezes até com certa dificuldade. Dou graças porque, não fosse esse substrato e eu não conseguiria acompanhar e deleitar-me com os lieder germânicos. Quem não souber a língua pode aproximar-se… Agora, perceber a obra em toda a sua profundidade, perceber a simbiose entre poema e soluções musicais, isso é outra coisa bem mais gratificante.
Querem ter ideia do que esteve em causa?
Vejam a lista das peças em programa:
Wolfgang Amadeus Mozart - Das Veilchen KV 476
Wolfgang Amadeus Mozart - ''An Chloe'' KV 524
Wolfgang Amadeus Mozart - "Komm, liebe Zither, komm" KV 351 (367b)
Wolfgang Amadeus Mozart - ''Das Lied der Trennung'' KV 519
Franz Schubert - ''Adelaide'' D 95
Franz Schubert - ''Täglich zu singen'' D 533
Franz Schubert - ''An eine Quelle'' op. post 109/3 - D 530
Franz Schubert - ''Der Jüngling an der Quelle'' D 300
Franz Schubert - ''Der Blumenbrief'' D 622
Franz Schubert - ''Ganymed'' op. 19/3 - D 544
Wolfgang Amadeus Mozart - "Die ihr des unermeßlichen Weltalls Schöpfer ehrt" KV 619 (*)
Richard Strauss - ''Lotusblätter''. Sechs Lieder op. 19 - TtrV 152
Johannes Brahms - ''An eine Aeolsharfe'' op. 19/5
Johannes Brahms - ''Lerchengesang'' op. 70/2
Johannes Brahms - ''Heimweh II'' op. 63/8
Johannes Brahms - ''Auf dem See'' op. 106/2
Richard Strauss - "Allerseelen" op. 10/8
Richard Strauss - ''Befreit'' op. 39/4
Richard Strauss - "Morgen" op. 27/4
Richard Strauss - ''Nichts'' op. 10/2
Richard Strauss - Zueignung op. 10/1
Nesse indissociável «casulo» do Lied, durante o recital de Schade/Martineau – cada vez mais, é preciso não subalternizar a componente pianística, imprescindível para o êxito – fui às lágrimas por várias vezes. Sublime! Com a casa a abarrotar, que lição a entrega às obras do grande tenor mozartiano! Que prova, inclusive de evidente esforço físico que tal entrega pressupõe! A Arte, no palco do Mozarteum, como tantas e tantas vezes acontece. O melhor que o Homem sabe, a Arte.
(*) Desta peça maçónica, foi só a melhor interpretação, quer ao vivo quer gravada, que ouvi em toda a vida.
3. À tarde, recital de Kristian Bezuidenhout,. Foi na Aula Magna da Universidade de Salzburg - o mesmo auditório onde, com onze anos, Mozart viu estrear “Apollo et Hyacinthus,” KV. 38, récita durante a qual o próprio «miúdo» tocou o cravo – por isso, sempre uma emoção ali entrar.
Em pianoforte, Bezuidenhout tocou as Sonatas KV. 309, 283, 332, 279 e 311. Casa cheia, outro êxito flagrante. O homem, que já conheço de outros palcos, é mesmo um dos grandes valores da designada ‘música antiga’ mas que faz os clássicos com a maior mestria. Pretendia eu saber como vai a sua forma já que, brevemente, estará em Portugal, no âmbito da iniciativa da temporada organizada pela Parques de Sintra Monte da Lua em Queluz, sob a direcção artística de Massimo Mazzeo.
4. A noite de ontem, na Grosse Saal do Mozarteum, Orquestra do Mozarteum de Salzburg, sob a direcção do maestro titular Ivor Bolton, para interpretar as Sinfonias Nos. 1 e 3 de Muzio Clementi, também celebrado nesta edição da Mozartwoche como um dos contemporâneos de Mozart acerca do qual já vos tenho proposto um ou outro texto.
A voz da noite foi de Christiane Karg, soprano, que interpretou árias tão exigentes como ‘Amoretti, che ascosi qui siete’ de “La finta simplice”, KV. 51, ‘Lungi da te, mio bene’, de “Mitridate, Re di Ponto”, KV.87, ‘Ferma, aspetta, ove, vai – infelici affetti miei’, de “Ascanio in Alba”, KV. 111 e’Biancheggiain mar lo scoglio’, de “Il sogno di Scipione”, KV. 126, todas de Mozart, claro.
Casa cheia, outro enorme êxito. Christiane Karg é um «produto» total da escola do Mozarteum. Aqui se fez. Depois, na Opera de Frankfurt, tem ganho tarimba. Ainda muito jovem, já é um valor ao serviço de Amadé.
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