[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 9 de março de 2014



Palácio de Queluz
(Parques de Sintra Monte da Lua)
TEMPESTADE E GALANTERIE
Recital inaugural de 8 de Março
 


Sala da Música a abarrotar, público muito interessado e, evidentemente, com a satisfação no gesto, no rosto, nos comentários durante o intervalo e no final do recital. Noite grande, da grande música dos tempos do classicismo da Primeira Escola de Viena, um evento em que melómanos atentos ganharam mais umas pedras para o edifício pessoal do seu património monumental.

P
ortanto, logo a abrir estas minhas palavras de partilha convosco, acerca de um evento que aguardava com tanta expectativa, este manifesto do maior regozijo e de parabéns à Parques de Sintra Monte da Lua. Na realidade, de modo tão patente, continua a demonstrar que, seja qual for a área cultural em que se envolva – como esta, de promoção de eventos no domínio da tão sofisticada e específica música do período setecentista – sempre demonstra a alta qualidade do seu empenho.

Durante a tarde de ontem, em troca de mensagens com o Maestro Massimo Mazzeo, alma mater e Director Artístico desta iniciativa, escrevia ele que o “(…) O Ronald [Brautigam, pianista] passou a manhã no Clementi e ficou simplesmente deslumbrado com a qualidade da manutenção feita no instrumento, assim como pela magnificência do Palácio. Tenham a vossa alma desperte para o grande prazer que o recital de hoje à noite poderá dar. Um abraço, Massimo (…)”

Pois, meus caros leitores, de facto, bem podia o Ronald estar perfeitamente deslumbrado… A propósito, tenho de «voltar a Salzburg» para lembrar que, na última Mozartwoche, de onde vos enviei notas diárias, assisti a um recital de Kristian Bezuidenhout – que estará connosco em Queluz na próxima quarta-feira, dia 12 – tocando, igualmente, nm pianoforte excepcional que, se comparado com este maravilhoso instrumento de Queluz, parecia algo «abafado»…

Este ‘Clementi’ é do melhor que tenho ouvido, permitindo todas os matizes de abordagem. Está em condições óptimas, após a intervenção de conservação e restauro de que foi alvo, nos termos em que, sucintamente, já ontem vos dei conta. E, durante o serão, Ronald Bautingam que, graças a Deus, já tenho ouvido noutros auditórios, demonstrou plenamente, não só como é um privilégio ouvi-lo, a ele, como intérprete, mas também as características desta máquina fabulosa que, muito bem tratada, nestes já seus duzentos anos, pode continuar a encantar as audiências.

Não se esqueçam de que era este, do pianoforte, e não dos posteriores Bechstein, Bösendorf, Steinweg e Steinway, o som que os compositores de setecentos tinham na cabeça quando compunham, era este o som que se ouvia nas salas onde a Música se fazia. E, de modo algum, se pode dizer que o piano actual é «melhor» do que um pianoforte, seja ele original do século dezoito seja dos nossos dias, em que se continua a construi-los. São máquinas diferentes, ambas fascinantes.

Parêntesis

Quem «disto» sabe muito, muito mais do que eu e do que qualquer simples e interessado melómano, é Paulo Pimentel, que ontem lá estava, durante o intervalo, atento e competentíssimo, numa circunstancial, necessária e sumária afinação durante o intervalo, Estive no palco, de volta dele, aproveitando para acompanhar aquela atitude de carinho sobre a peça, no sentido de que pudesse continuar a maravilhar-nos, sempre nas melhores condições, na segunda parte.

Deixem que, neste momento, coloque um detalhe mais pessoal neste relato. É que conheço Paulo Pimentel – é bisneto do Arq. Raúl Lino, neto de D. Maria Cristina Lino Pimentel e sobrinho-neto D. Isolda Lino Norton de Matos, que, ainda nos anos oitenta, com o meu pai e comigo, faziam parte de um grupo que se deslocava, por exemplo, ao Festival de Música de Lucerna. Que saudades, meu Deus! O meu pai admirava imenso o Paulo Pimentel e, ontem, ainda no estrado, já depois de afinar o ‘Clementi’, lembrava ele as conversas no escritório da Rua Passos Manuel, quando o Paulo era mesmo muito jovem.

O programa do serão

Só ontem soube o detalhe das obras que escutaríamos. E não deixa de ser interessante que, antes disso, durante o dia, vos tenha proposto a audição da Sonata em Si bemol Maior, Op. 24 No. 2, de Muzio Clementi, que tive oportunidade de enquadrar no testemunho que Mozart deixou para a posteridade na célebre carta de 16 de Janeiro de 1782. Foi a primeira obra do recital de Bautingam que, imediatamente, deu a entender a quem ainda não o conhecia, ao vivo, como estava em presença de um excepcional artista, que, neste reportório, é dos mais saudados a nível mundial.

Depois, peças dos três gigantes da já aludida Primeira Escola de Viena. De Haydn, aquela que, em 1780, ele próprio considerou a maior e mais difícil Sonata que havia escrito para instrumento de tecla até à altura, a Sonata No. 33 em Dó menor, Hob. XVI/20 (1771); de Mozart, as Sonatas No. 17 em Si bemol maior, KV 570 (1789), uma das mais simples, e No. 14 em Dó menor, KV 457 (1784), cuja tonalidade indicia a pertença ao grupo das obras mais angustiadas do compositor (neste capítulo as peças em Sol menor são as mais perturbantes) e, finalmente, de Beethoven, a Sonata No. 4 em Mi bemol Maior, Op. 7 (1796/7), longa e compósita mas belíssima, virtuosística, um absoluto monumento da forma sonata, com um Rondo final que é um verdadeiro ‘testamento’ escrito, precisamente a meio da vida (1770-1827) do compositor.

Recital memorável a todos os títulos. Felizmente, como tinha previsto. Claro que é MAIS UM GRANDE SUCESSO DA PARQUES DE SINTRA MONTE DA LUA. A título de memória do evento, interpretadas por Ronald Brautigam, num pianoforte réplica de Walther, aqui ficam 'Die Verliebte', Sonatas para piano de Beethoven – dentre as quais, a primeira a ouvir-se é, precisamente, a op. 7 que, no serão de ontem, foi tocada pelo mesmo artista.

Boa audição!
http://youtu.be/7o7we1H6wTk
 
 

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