[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 8 de março de 2014


Queluz,
Tempestade e Galanterie



"(...) Muzio Clementi? Não passa de um «Mechanicus» (...)"
[opinião de Mozart...]


 Finalmente, hoje, o dia em que, no Palácio de Queluz, sob os auspícios da Parques de Sintra Monte da Lua, começa a Temporada de Música Tempestade e Galenterie. Se não é difícil prever o sucesso dos recitais e concertos a que vamos ter o privilégio de aceder e que, certamente, vão perdurar no nosso «património pessoal», não menos emocionante será voltarmos a ouvir o pianoforte Clementi.

Est
e Clementi é um instrumento com uma estrutura nas madeiras de mogno, pau-santo e casquinha, que foi construído em Inglaterra por Muzio Clementi (24 Janeiro de 1752 – 10 Março de 1832), em 1810, seu inventor, faz parte do acervo do Palácio de Queluz por doação de Guilherme Possolo. Vale a pena citar Massimo Mazzeo, a alma mater deste Festival:

“(…) Foi alvo de um “processo de recuperação e reconstituição de todas as partes físicas e mecânicas, do qual foi feito um relatório, o que aliás, não existia relativamente ao anterior restauro, feito há 15 anos”, contou. O pianoforte, relativamente ao de hoje, que é uma máquina praticamente perfeita, tem um teclado de cinco oitavas e meia e os de hoje chegam às sete e oito oitavas, e a sua extensão é menor do que os de hoje, e até as teclas são menores que as atuais. O pianoforte é totalmente feito em madeira, quando hoje usam já ligas especiais”, explicou o maestro (…).

O plano de recuperação do pianoforte, cuja diferença dos pianos atuais das salas concerto (…) é como entre um Ferrari e um carro de época”, como afirma Mazzeo, inclui “uma monitorização semanal, com medições de humidade e temperatura e é regularmente tocado, mesmo que não em concerto, cabendo ao cravista e pianista José Carlos Araújo, semanalmente, tocar o Clementi", explicou, de modo a garantir a sua manutenção. (…)”

Pois bem, hoje mesmo, em que ouviremos soar o instrumento nas mãos de Ronald Brautigam, para a interpretação de obras de Carl Philipp Emanuel Bach, Beethoven, e Joseph Haydn, também vamos ter oportunidade de escutar peças da autoria do construtor do instrumento, homem dos sete ofícios musicais, portanto, construtor de pianos, compositor, pedagogo, maestro e editor de música.

Conhecemos-lhe a biografia e mesmo alguns episódios bem interessantes como o que gostaria de partilhar convosco, nele intervindo, nem mais nem menos, do que o próprio Wolfgang Amadeus Mozart. Para o efeito, socorro-me de uma carta datada de Viena, aos 16 de Janeiro de 1782, que Mozart remete para o pai, em Salzburg. Na medida do possível, ao traduzir do Alemão, respeito a grafia do compositor. Os traços longos aparecem tal qual no manuscrito, seguindo-se a letra minúscula, embora tivesse feito um anterior ponto final.

“Mon trés cher Pére [erros de acentuação gráfica do próprio autor da carta que se dirige ao pai em Francês] (…) Então, agora, acerca de Clementi.---- É um intérprete convincente de cravo.---- e nada mais.---- tem grande facilidade na mão direita.---- as suas melhores prestações são Terceiras.---- fora isso, não vale um tostão quanto a gosto e sensibilidade ----não passa de um Mechanicus. (…)".

Seguidamente, Mozart dá conta ao pai Leopold de pormenores do «duelo pianístico» que tinha mantido com Clementi, por sugestão do próprio Imperador [José II]. Ficamos a saber que obras foram tocadas – no caso de Clementi, a sua Sonata em Si bemol, op. 24, seguida do Andante e Rondo de uma Sonata de Paisiello – e, quanto a Mozart, variações não identificadas, bem como o Allegro da mesma última referida Sonata, a partir do próprio manuscrito de Paisiello, que lhes fora entregue pela Grã Duquesa Maria Feodorovna, presente para assistir à «contenda».

Na mesma carta, ficamos ao corrente de outros detalhes curiosíssimos, por exemplo, sobre o estado lamentável de desafinação em que se encontravam os instrumentos usados, além da alusão às conversas que mantivera com o Imperador, o montante de cinquenta ducados* que recebera, etc.

Para já, e, na perspectiva do recital de logo à noite em Queluz, como proposta de audição e partilha convosco, eis o primeiro andamento, Allegro con brio, da Sonata in Si bemol Maior Op.24 No.2, a mesma peça que, de sua autoria, Clementi tocou naquele famoso serão. A interpretação é de Balázs Szokolay.

Boa audição!

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*1 ducado = 4 ½ Gulden; 20 Gulden no tempo de Mozart equivaleria a um poder de compra actual de cerca de £350 . Tal significa que o presente do imperador equivaleria a cerca de 3800 libras actuais.

http://youtu.be/uxwxhDsZtIA
 
 

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