[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 1 de março de 2014



Sintra,
Desleixo institucional
e os «culpados do costume»...



"O muito gosto que me suscitam os seus comentarios nao impedem que lembre que a responsabilidade maior recae sobre o anterior presidente da Camara de Sintra , o futeboleiro Dr Seara!!"

[Comentário do Prof. José Luís De Moura, ao meu artigo publicado na edição de ontem do 'Jornal de Sintra'].


Eis o que se me oferece replicar, a título de reflexão, na sequência do efeito produzido por estas palavras:

Lamento imenso, caro Prof. José Luis De Moura, não poder concordar consigo no que respeita àquilo que designa como «responsabilidade maior» do Prof. Fernando Seara.

Embora não possa negar que, em última instância, o primeiro e último responsável pela gestão autárquica é sempre o Presidente da Câmara Municipal, a verdade é que, seja ele quem for - e, só em Sintra, desde garoto (não sou de cá e, permanentemente, «só» aqui vivo há 45 anos) já conheci não sei quantos presidentes, antes e depois do 25 de Abril, muitos dos quais pessoas admiráveis, em cujos mandatos aconteceram, sistemática e permanentemente, os mesmos ou casos idênticos àqueles que, por exemplo, apontei no meu artigo supra.

Muito mais do que a responsabilidade de cada um, infelizmente, o que prevalece ao longo de dezenas de anos é algo que afecta Sintra, sim senhor, e, ao fim e ao cabo, o todo nacional. Acho que o ex-Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, definiu esse pecado maior da maneira de ser e de estar do viver dos portugueses em comunidade como «cultura do desleixo», uma formidável síntese expressiva que diz tudo.

Bem puderam ex-presidentes da Câmara Municipal de Sintra como Távares de Carvalho, Edite Estrela ou Fernando Seara ter querido, por um lado, obstaculizar o surgimento e/ou, por outro, remediar situações instaladas que redundam em tristes situações de degradação do património natural e edificado, que a tal omnipresente e prevalecente «cultura de desleixo» nega, impede, anula os melhores desígnios.

Se mencionei aqueles três nomes foi porque, em cada um dos respectivos mandatos, assisti a episódios nos termos dos quais as suas melhores intenções esbarraram na proverbial relutância à mudança, instalada a todos os níveis da autarquia, desde a gestão e direcção aos operacionais no terreno, nas oficinas, nas obras, enfim, por todo o lado.

Mas como pode isto acontecer, se, afinal, nós somos todos óptimos? Quando emigramos, não há como os portugueses, demonstrando adaptabilidade, criatividade ímpares, tão afins do famoso «desenrascar». No entanto, internamente, apesar das excepções honrosas que sempre confirmam a regra, porque ao nível das chefias intermédias, é muito laxista a cultura de exigência que chega ao fim da cadeia do serviço, os resultados estão à vista.

E tal acontece, infelizmente, por todo o lado, no âmbito do que depende da administração central do Estado e, naturalmente, na esfera autárquica. Ou seja, no caso vertente da minha denúncia desta semana – apenas uma em centenas, ao longo dos anos – o Vale da Raposa é aquela imundície, o Casal de São Domingos chegou àquele ponto de degradação, aqueles fontanários [há outros que estão em boas condições de preservação] da Estrada Velha de Colares estão como estão, não porque os presidentes sejam militantes do mais radical laxismo mas, isso sim, porque o laxismo está radicalmente instalado.

O laxismo, o aviltante ‘laissez faire’, o desleixo institucionalizado, estão intimamente articulados com os níveis da literacia nacional. Saibamos ler nas estatísticas disponíveis, os índices socioculturais e educativos em que se sustentam a tal «cultura do desleixo» o nosso viver, a falta de empenho e de envolvimento na resolução dos problemas da polis, ou seja, a falta de investimento pessoal em tudo quanto seja intervenção cívica e que ultrapasse a perspectiva mais primária e imediatista da manifestação de rua.

Muito, muito trabalho pela frente. De facto, lançar pedras aos «culpados» do costume é o mais fácil. Alterar um estado de coisas tão enraizado, em todas as instâncias, isso é bem mais difícil.
 
 

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