[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 21 de março de 2014



Sokolov,
quase meio século de memórias



Há poucos minutos, preparando-me para fazer uma pequena referência ao recital de Sokolov no passado domingo, na Gulbenkian, consciencializei que muito tenho eu escrito sobre o fabuloso pianista. Curioso quanto à possibilidade de poder ter uma ideia mais precisa, fui à minha pasta de crónicas musicais, que publiquei no Jornal de Sintra durante alguns anos, e encontrei dezoito peças escritas. Reparem, não se referem a todos os recitais e concertos a que assisti com ele ao piano mas, tão somente, àqueles de que dei conta naquele jornal.

Foram concertos e recitais em Lisboa, na Gulbenkian, no Porto, em Sintra, em Mafra, em Salzburg também várias vezes... Agora, o mais interessante, foi quando comecei a tentar recuar no tempo para lembrar a primeira vez que o vi e ouvi em Lisboa. Também tive que ir aos classificadores onde guardo programas, bilhetes e tudo o mais desde 1965, ano em que entrei na Faculdade de Letras. Documentação mais recuada, graças a Deus também tenho, mas é herdada dos meus pai e avô paterno.

Lamentavelmente, não encontrei nem o programa nem bilhetes a que me pudesse ater para documentar o momento. Mas lembro-me perfeitamente e sei que foi num Concerto do Ciclo de Cultura Musical, em 1967, no Tivoli. E até me lembro que tocou os Concertos No. 2 de Saint-Saëns e No. 5, 'Imperador', de Beethoven, com a Orquestra da Emissora dirigida pelo Silva Pereira.

E o clique essencial fez-se a partir de um momento essencial da biografia de Sokolov, qual seja o do ano em que venceu o Concurso Tchaikovsky de Moscovo, aos dezasseis anos em 1966. Eu sabia que tinha sido no ano seguinte que se apresentara em Lisboa, ele que é mais novo do que eu apenas dois anos.

Nem sempre tenho estado de acordo com as suas opções. Em especial, no que se refere a algumas das Sonatas para Piano de Beethoven, permito-me divergir relativamente aos 'tempi' de determinados trechos, geralmente, nos andamentos lentos. Quer em relação ao próprio original e indicações do compositor quer tendo em consideração, por exemplo, a antológica versão da integral de Schnabel que venero em absoluto, de facto, por vezes, fico desconcertado.

Contudo, tal não significa que desgoste ou goste menos. As leituras de Sokolov podem ser discutíveis mas são sempre de um refinadíssimo recorte, esteticamente irrepreensíveis. Com Brendel e Uchida ele é um dos vértices do triângulo de ouro com o qual, em termos da pianística, mais beneficiei ao longo da vida, por onde passaram gigantes como Arrau, Kempf, Pollini, de La Rocha. Magalof, Michelangelis, Glenn Gould, etc, etc.

No recital do passado domingo esteve menos bem do que já o ouvi e vi em programa idêntico, totalmente preenchido com obras de Chopin. Claro que só comparo com recitais ao vivo. Com destaque especialíssimo, e como momento mais alto, apontaria o 'Presto non tanto - Agitato' da Sonata para Piano No. 3 em Si menor op. 58. Controlo absoluto, emoção a rodos, o romantismo chopiniano na sua expressão mais entranhada e um cansaço arrasador do qual só me refiz horas mais tarde.

Propor-vos-ei, por Sokolov, a Marche funèbre: Lento, Finale: Presto de uma gravação ao vivo, da Sonata No. 2 in Si bemol menor, Op. 35 do mesmo compositor. Se não conhecem esta sua prestação, aqui têm uma ilustração do que escrevo uns parágrafos acima acerca das suas opções.

Boa audição!

http://youtu.be/aHXkVEAjB6o


 

Sem comentários: