[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 1 de junho de 2014



Naturalmente, o que faltava...

Como se esperava, António José Seguro confirmou não ter a mínima intenção de convocar o congresso extraordinário. No contexto da vida democrática indissociável da actuação partidária, qualquer dirigente não teria hesitado em protagonizar a atitude mais consentânea e eficaz, tal como Manuel Alegre referiu, poucas horas depois de se ter instalado no partido a evitável
crise que, tudo leva a crer, tal como o início das procissões, ainda vai no adro.

Já se percebeu que, de modo algum, a actual turbulência no Largo do Rato é consequência do desafio de António Costa e, isso sim, se deve a evidentes falhas de alguém que, ambicionando alcançar a plataforma máxima da decisão política do país, mais uma vez assim prova não ter gabarito para o efeito.

De facto, foi um razoável Secretário-Geral de transição, apenas tendo servido para «segurar as pontas» durante três anos. Nada, absolutamente nada mais. Tal como no episódio entre o pintor Apeles e o sapateiro, também neste caso não deve Seguro ir além da sandália…

E, continuando neste clássico registo, lembraria que a hybris [ὕβρις], ou seja, um orgulho desconforme ou autoconfiança desmesurada, em especial nos contexto do exercício do poder, faz com que o sujeito entre em perda de contacto com a realidade, sobrevalorizando as suas próprias capacidades e, não raro, conduzindo-o ao abismo para onde também arrasta quem nele confia.*

Felizmente, as eleições europeias aconteceram neste providencial momento da situação de inusitado depauperamento da vida portuguesa, tendo permitido ao eleitorado afirmar que, em eleições legislativas, mantendo-se ele na direcção, o PS arriscar-se-ia a ter resultados tão pouco ou ainda menos expressivos do que há oito dias.

Depois de tanta e embaraçosa mediocridade que, não carecendo de mais provas, ainda se confunde com ausência de coragem, AJS está a promover uma infelicíssima táctica de protelamento, com o objectivo de adiar a solução do problema, lá para Outubro ou Novembro, através de primárias directas, que nem sequer são estatutárias – não para Secretário-Geral, note-se, já que se recusa a desistir do lugar – mas para candidato a Primeiro Ministro.

Mas que pretenderá ele? Aquilo que, com algum humor, certos observadores já entendem como uma proposta de ‘bicefalia à Bloco’ no PS? Não entenderá que, se assim fosse, na perspectiva de cinco ou seis meses de discussões no interior e na praça pública, vai sujeitar o partido a uma fragmentação perfeitamente demolidora?

Estará numa de hara-kiri político e, portanto, nada preocupado com o tal ‘reality show’ que está a promover, a exemplo do que aconteceu nestes poucos dias que se seguiram ao desafio de António Costa? A menos que, tão inimaginável quanto perversamente, com tanta falta de discernimento como de sentido de Estado, o homem queira mesmo destruir o Partido Socialista…
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*É o cerne da Tragédia. Há cinquenta anos, na Faculdade de Letras de Lisboa, e no âmbito da cadeira de História da Cultura Clássica, tive o privilégio de estudar tudo isto pela mão do querido e saudoso Prof. Manuel Antunes.

A toda a gente faz falta, mesmo muita falta, o acesso a estes saberes básicos da Cultura de que somos herdeiros. Quem não acede a tais conhecimentos – o pretendente a decisor político, por maioria de razão – fica fatalmente desprovido de instrumentos decisivos para os embates da vida. Também porque assim é, não admira que os vejamos incorrer em erros crassos que tão prejudiciais são aos próprios e à comunidade.

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