[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 8 de setembro de 2014




8 de Setembro,
Dia Internacional da Alfabetização

 [Transcrição do artigo publicado na edição do dia 5 de Setembro de 2014 do 'Jornal de Sintra']

 Em 1965, ao adoptar a data de 8 de Setembro como Dia Internacional da Alfabetização, a Unesco logo estabeleceu que, para a eficaz e sistemática divulgação das campanhas afins de cada ano de trabalho neste domínio, todas as iniciativas se subordinariam a um tema específico e dinamizador.

Foi nesse contexto que, apenas referindo os três anos mais recentes, em 2012, a ideia forte foi a da Alfabetização e Paz enquanto que, no ano passado, a linha mestra de todas as grelhas de actuação passou por perspectivar os desafios de uma adequada Alfabetização para o Século Vinte e Um. Pois bem, em 2014, a grande preocupação é Alfabetização e o Desenvolvimento Sustentável.

 De algum modo, através da simples enunciação deste tipo de slôganes, a Unesco chama a atenção para um factor determinante. Ou seja, longe de se reduzir à mera dicotomia ensino/aprendizagem de um código alfanumérico, a alfabetização é indissociável dos mais ambiciosos objectivos sociais, económicos e culturais que contribuem para a hipótese da felicidade do Homem.

 O tema condutor deste ano não podia estar mais de acordo com o global entendimento da alfabetização, não como oferta ou imposição do sistema mas, isso sim, tal como Paulo Freire propunha, aquisição-chave para o indivíduo se tornar cidadão em toda a acepção da palavra, com plena capacidade de intervenção cívica, sempre na perspectiva de que ela não transforma o mundo mas muda as pessoas e estas é que transformam o mundo.

 Ora bem, tal conceito radica na constante necessidade de actualização de um programa cujas características estruturais exigem logística adequada em todas as latitudes, considerando que, tanto as grandes manchas continentais como as bolsas mais restritas de analfabetismo, sempre correspondem a evidências de subdesenvolvimento, ainda que com os matizes naturais e correspondentes às respectivas coordenadas geográficas e socioculturais.

Preocupantes números

Na ponta mais meridional da Europa, quando nos esforçamos por melhor entender o caso português, logo deparamos com um quadro cujos contornos, além de negativos, se evidenciam com assinalável persistência. De facto, que evolução poderá ter existido se, em 1900, cerca de setenta por cento da população era analfabeta e, três quartos de século depois, tal percentagem era próxima dos trinta por cento?

Mais ou menos trinta por cento, em 1974? Será necessário recordar que trinta por cento era a taxa de analfabetismo que países como a Irlanda ou a Áustria apresentavam na última década do século dezanove, praticamente cem anos antes?

No que respeita às tentativas de remediação da situação depois do 25 de Abril, cumpre lembrar as generosas e inúmeras iniciativas de alfabetização promovidas e protagonizadas, entre outros, por intelectuais, professores, estudantes e militares dos três ramos das forças armadas.

 Foi necessário, contudo, aguardar cinco anos para que, por unanimidade, o Parlamento tivesse aprovado a Lei 3/79 de 10 de Janeiro e, com ela, apresentasse o Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base dos Adultos [PNAEBA] cujo Relatório de Síntese, datado de Junho do mesmo ano, sistematizou e, grosso modo, apontou o fim da década seguinte para irradicação do analfabetismo.

Foram investidos recursos muito significativos e montada uma estrutura nacional, dotada dos indispensáveis meios materiais e recursos humanos. Muito, muito se fez mas também muito ficou por fazer, razão pela qual Portugal ainda é um país em que a Educação de Base de Adultos se impõe de modo determinante.

Com uma preocupante incidência de mais de vinte por cento dos cidadãos vivendo no limiar da pobreza e, pasme-se, com a mais elevada taxa de analfabetismo de todos os países da Europa a 27, será que surpreendem as marcas de subdesenvolvimento?

Aliás, para bem de todos, a verdade dos baixos índices socioculturais portugueses deveria ser devidamente partilhada, tanto a nível nacional como na UE. Ora bem, não é, está longe de ser e isso só prejudica o país que, nem se mobiliza internamente nem é objecto da solidariedade europeia na dimensão de que carece.

Finalmente, outra realidade não menos preocupante se vai perfilando. Refiro-me à literacia cuja definição remete para as capacidades de processamento da informação escrita na vida quotidiana. Trata-se das capacidades de leitura, escrita e cálculo com base em textos, documentos, gráficos, de uso corrente na vida social, profissional e pessoal.

Pois bem, importa assumir que 47,3% da população portuguesa se distribui pelos níveis 0 (zero) e 1 (um), ou seja, correspondentes à mais radical indigência da literacia. São números tremendos, quase metade da população!... Na realidade, o analfabetismo surge com outros e radicalmente novos desafios aos quais preciso é responder, quanto antes, integradamente, com todos os recursos disponíveis.

 

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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