[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 13 de setembro de 2014



 
Laivos alentejanos


Anteontem, a carga de água foi algo de dificilmente descritível. Até as áreas de cota mais alta do nosso terreno estão perfeitamente encharcadas e, nas mais baixas, em algumas parcelas, enterrei-me até aos tornozelos. A verdade é que, seguidamente, se instalou uma calma tão seráfica que, em certos momentos, parece vivermos outra dimensão.

O monte, como qualquer monte alentejan
o, é isolado. Mas o nosso, tão longe de tudo, que familiares e amigos acham demasiada e ousadamente isolado. Não temos receio. Nada havendo que valha a pena cobiçar e constando nas redondezas que assim é, confiamos que teremos feito todas as diligências dissuasoras do interesse dos amigos do alheio. E, sem medos atávicos, acreditem, mais propício é o quotidiano deslumbramento.

Nesta altura do ano, manhã cedo vou pelos meus figos, ao fim da tarde, colho as uvas. Em casa, passamos a maior parte do tempo sob o melhor telheiro do mundo. Normalmente, amesendamos n’ “A Mó”, casa da nossa querida amiga Cidália, em Albergaria dos Fusos, onde a cozinha alentejana, de primeira ordem, é galardoada com as três estrelas do conceituado Guia dos Ávila-Cachado...

Tão beneficiados costumamos ficar com esta refeição, cerca das duas, três da tarde que, depois de nos termos batido, por exemplo, com um cheiroso e aveludado cozido de grão, como hoje aconteceu, o jantar é invariavelmente muito ligeiro, queijo, fruta, um bom vinho, coisa que não falta no meio deste dourado triângulo vitivinícola definido por vinhas de Alvito, Cuba e Vidigueira.

Se tiver sido suficientemente sugestivo, então, permitam que remate diferente, com uma espreitadela ao firmamento mais portentoso das lusas paragens. Não há hipótese. Nunca as estrelas foram mais brilhantes, nunca a Estrada de Santiago tão visível, nunca o luar tão claro. E, à nossa volta, suspensos no tempo, videiras, oliveiras, sobreiros projectam sombra nocturna única.
 
 

Sem comentários: