[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 6 de dezembro de 2014




 

Efeméride mozartiana

A efeméride das efemérides
- morte de Mozart, em 5 de Dezembro de 1791


[facebook, 5.12.2014]

Resolvi não massacrar com mais notas acerca de um assunto com tanta informação partilhada convosco e que, precisamente hoje, voltei a trabalhar no 'Jornal de Sintra' do qual, oportunamente, extrairei matéria a transcrever, aqui no mural do facebook e no blogue.

Nesta ocasião tão especial, resolvi reformular um texto que subscrevi há uns anos, por ocasião da Mozartwoche, em que reflectia sobre a real presença de Wolfgang Amadeus Mozart na Salzburg onde nasceu, na cidade que considerou provinciana e atrasada e da qual, incompatibilizado com o Príncipe-Arcebispo Hieronymus Joseph Franz de Paula, Conde de Colloredo von Wallsee und Melz, partiu para Viena, cosmopolita capital do Império, onde afirmou uma década de genial produção.

Portanto, no dia em que lembramos a sua morte, um texto que mais nos remete para os nossos dias. Que Mozart, hoje, em Salzburg? Que presença? Ou, melhor, que tipo de presença? Não sei se «lá» chego. Quanto mais não seja, ficam elementos para reflexão e, em especial, para aqueles que conhecem algo da biografia do compositor e que a sabem distinguir da vida ficcionada e da mitologia mozartiana que continua a fazer o seu caminho contra a verdade despida do manto da fantasia.
Mozart, que presença?

Ao contrário do que acontece noutras cidades europeias onde, de algum modo, passados muitos anos, por vezes séculos, sobre a morte de escritores, músicos, arquitectos ou filósofos que a terão notabilizado, ainda é possível sentir a sua presença, em Salzburg tal não acontece em relação a Mozart, o seu filho mais célebre.

Escrever isto tem os seus riscos já que logo me atacarão lembrando as casas-museu, onde nasceu, na Getreidegasse e outra, na Makart Platz, onde, mais tarde, viveu com a família. Provavelmente, também me dirão de duas estátuas, uma na praça com o seu nome e outra, em Kapuzinenberg. E os Kugeln de chocolate, a sua figura glosada e recriada nas mais diferentes estéticas, um pouco por todo o lado? E o seu próprio nome em tudo quanto é comércio, camisolas, pastelarias, etc, etc…

Pois, muito bem. Mas é a isto que eu me refiro quando escrevo ‘sentir a presença’? Claro que não é. Querem um exemplo, significativamente notório do que possa isso ser que, ainda com muito por fazer para que se torne num paradigma? Pois pensem em Lisboa e na relação que com ela teve e manteve Fernando Pessoa. Aqui bebia uns copos, ali conversava em tertúlia, os inúmeros quartos alugados, os cafés, os passeios, os negócios da gráfica, as neuras, o rio, o sino da sua aldeia…

Em Viena, há um pouco mais dessa tal mozartiana ‘presença’. Mas, repito, em Salzburg, não. Decididamente, não. Muito turismo, casas-museu que expõem hipóteses de cenário ainda que com instrumentos musicais, objectos pessoais, etc, mas a tal presença substantiva, isso não. Lamento muito desapontar mas, se pensam vir a Salzburg em busca desse Amadé, desengano-vos já.

Isto mesmo constatou o querido e saudoso João Bénard da Costa, homem de superior bagagem erudita e cultural, observador de raríssimo estrato, um grande senhor da Cultura Portuguesa dos últimos tempos a quem Portugal muito deve, que passou por Salzburg, por exemplo, para vir ouvir um "Don Giovanni" de muito badalada encenação, tendo oportunidade de escrever algo deveras semelhante ao que acabo de registar.

Escrevia ele que Salzburg, se alguma significativa marca apresenta, não de Mozart, mas da estética da urbe onde Mozart viveu até aos vinte e cinco anos, presença fortíssima de que nós ainda hoje beneficiamos, pois essa é a que Johann Bernhardt Fischer von Erlach, o grande arquitecto do período barroco, determinou para a posteridade, ali deixando marcas indeléveis de um património riquíssimo, como as igrejas da Santíssima Trindade, da Universidade, das Ursulinas, da igreja do Johannspital em Mülln, Palácio Klessheim ou, ainda, no interior da igreja dos franciscanos, o fabuloso altar-mor, como já tive oportunidade de referir.

Porém, assim como, uns parágrafos atrás, tão desalmadamente vos desiludi, agora me apresso a compensar-vos com a certeza de uma presença outra de Amadé, qual seja a que se sente, vive e vibra todos os dias do ano, na Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg, da qual tenho a honra de ser membro e, atenção, muito especialmente, na Universidade do Mozarteum.

A atestá-lo, as centenas de jovens de todo o mundo, que aqui acorrem em busca de um ensino e musical vivência absolutamente de excepção, atraídos pelo legado e espiritual presença de Wolfgang Amadeus Mozart. Essa sim é a presença que, afinal, acaba por ser menos sentida pelos milhões de turistas que acorrem a Salzburg, absolutamente nada preocupados com Mozart e o seu legado, e muito mais determinados ao gozo da possibilidade da visita aos lugares onde foram filmadas sequências de ‘Música no Coração’…

Nem queiram saber as histórias que poderia contar-vos sobre este alheamento das massas ignaras em relação a Amadé. Não deixa de ser curioso, como o é noutros lugares, em relação a outras ilustres figuras, que Mozart tenha sido o ’isco’ para a frutuosa pesca do turismo e que, em simultâneo, seja tão ignorado.

Os jovens estudantes e graduados académicos do Mozarteum comovem-me todos os anos, pelo seu entusiasmo, dedicação, entrega e procura de Amadé, nas linhas dos pentagramas, nos interstícios das pautas, conduzidos por óptimos e atentos professores. Por isso, aquela universidade é tão cobiçada e demandada por interessados de todas as latitudes. As provas de acesso são proverbialmente exigentes, os cursos não menos. Mas o ‘cartão de visita’ com a marca do Mozarteum de Salzburg abre portas em todo o lado…

É no contexto destas considerações e no absoluto e estrito respeito por ‘esta significativa presença’ de Mozart em Salzburg, que vos lembrarei a importância da Orquestra Sinfónica da Universidade do Mozarteum de Salzburg, orquestra académica através da qual os jovens vivem o privilégio de continuar o designado ‘Klang’ de Salzburg.
 
Em St Sebastian alojam-se muitos destes estudantes. Quando aqui venho, convivo com eles, em especial ao pequeno almoço, onde tenho conhecido alguns com carreiras já interessantes. Também é por isso que não troco St Sebastian por nenhum hotel das redondezas apesar de, no meu caso, os preços andarem ela por ela, uma vez que, embora amigo da casa, não gozo das tarifas mais vantajosas aplicáveis à rapaziada que aqui passa largas temporadas.

Portanto, se quiserem ir até Salzburg, vão lendo estas dicas e, já sabem, podem contar com a ajuda que já tenho prestado a quem estiver interessado em fazer uma visita não de turista mas de viajante.
 
Na impossibilidade de vos propor uma gravação com a Orquestra Sinfónica da Universidade Mozarteum, deixo-vos com estes dois gigantes David Oistrakh e Rudolf Barshai e a Orquestra de Câmara de Moscovo, interpretando o segundo andamento da famosíssima Sinfonia Concertante de Mozart que, há uns anos ouvi maravilhosamente interpretada por aquela orquestra com dois promissores jovens solistas.
 
E, propondo esta gravação, com estas duas lendas, pois fiquem sabendo que ainda vi e ouvi Oistrakh, em Lisboa, no Coliseu, em 1960, com Pedro de Freitas Branco, na direcção da Orquestra da Emissora Nacional, tocando o Concerto para Violino de Tchaikovsky. Era eu miúdo, nos meus doze anos, acompanhando o meu pai, o «culpado máximo» desta minha aventura de melómano inveterado.

Boa audição!

http://youtu.be/Nf0_tKOyqkc
 
 

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