[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 6 de dezembro de 2014


 
Extraordinário violoncelo
Daniel Müller-Schott
Intérprete ímpar



[facebook, 30.11.2014]


Como tive oportunidade de chamar a atenção, nos passados dias 27 e 28, Daniel Muller-Schott esteve na Gulbenkian para interpretar o Concerto para Violoncelo e Orquestra em Si menor, Op. 104 de Antonin Dvorak.

Reconhecidos por todo o lado, os recursos de DM-S terão sido apreciados em grande copia por quem sabe e, portanto, pode apreciar toda, toda a gama de detaché, staccato, staccato volante, spiccato, cordas duplas, arcadas, etc, o modo como foram concretizados, com que alma, pretendendo exprimir o quê e com que domínio e contenção.

Na sexta-feira não foram muitos os apreciadores porque, se estivesse a metade da lotação, o grande auditório já estaria muito composto... Para mim, continua a ser um mistério muito grande como tantos designados melómanos se permitem desperdiçar fabulosos momentos de partilhas musicais irrepetíveis. Enfim, eles lá saberão.

Grande parte do sucesso deste rapaz também radica no violoncelo absolutamente extraordinário em que toca, circunstância que, como não poderia deixar de ser, mas nem sempre acontece, o programa do concerto regista, ou seja, o “Ex Shapiro”, datado de 1727, da oficina veneziana de Matteo Goffriller.

História e histórias

Ora bem, descodifiquemos o que nos é possível através de elementos que fazem parte da sua história e da própria História da Música. Inúmeros são os casos em que os instrumentos de corda e arco são identificados de modo semelhante. Aquele ‘ex’ significa que, anteriormente, o instrumento pertenceu ou esteve em poder de uma determinada personalidade, na maioria dos casos, um famoso intérprete. No caso vertente, ‘Shapiro’, de acordo como que está grafado.

De quem se trata? Pois, de Harvey Shapiro (1911-2007), violoncelista americano de ascendência russa que teve professores tão famosos como Willem Willeke e Diran Alexanian (este relacionado com Pablo Casals) e que, no fim dos anos trinta, ingressou na Orquestra da NBC, sob a direcção de Toscanini, onde foi violoncelista principal.

Fundou e fez parte de conhecidos quartetos, foi professor da famosa Julliard de Nova Iorque, onde foi mestre de Elena Rostropovitch, cujo famoso pai, Mstislav, considerava Shapiro o melhor professor de violoncelo do mundo. Manteve-se activo até quase à morte, dando magníficas master classes, por exemplo, em Viena e Salzburg, ainda hoje recordadíssimas.

Regresso a Goffriller. A propósito, a minha memória pessoal mais recuada acerca deste famoso luthier de Veneza. Se havia coisa que o meu pai dominava muito bem era, precisamente, a história dos instrumentos. Certa tarde, no seu escritório, com o seu bom amigo e antigo colega do Conservatório, Luís Villas Boas – esse, precisamente, do jazz – em conversa que presenciei, sobre uma encomenda de discos que o meu pai importava directamente, principalmente, dos Estados Unidos, para si próprio e amigos como LVB, João Sassetti, Luís Pignatelli, João de Freitas Branco e sei lá quantos mais, vieram à baila os nomes de Casals e de Suggia. Nessa altura, ironizando, disse o pai que o Casals só era melhor porque tocava num Goffriller, cuja gama de graves era substancialmente melhor que a do Montagnana de Guilhermina…

E, depois deste parêntesis, a lembrar que, além de Harvey Shapiro e Pablo Casals, outros excepcionais intérpretes tocaram em Goffriller. O palmarés, conta algumas dezenas dos maiores, dentre os quais «só» Nicolo Paganini, Édouard Lalo, Lorne Munroe, Johann Sebastian Paetsch, Carlo Alfredo Piatti, Jacqueline du Pré, Leonard Rose, Janos Starker ou Natalia Gutman.

Mais outra memória pessoal, esta a propósito daquela referência a Paganini. São tantas as lembranças, as historietas, os episódios, ao longo de tantos anos de melomania, que não resisto a partilhar. Há uns anos, tenho a impressão de que, por ocasião da última edição da ‘Festa da Música’ no CCB [At. Não confundir com o recente festival ‘Dias da Música’…], os membros do Quarteto ToKyo, entretanto extinto, iam tocar com o Pedro Wallenstein, contrabaixista, formando um quinteto de cordas ad hoc.

Em conversa com o Pedro que, informalmente, aguardava a chegada dos Tokyo, perguntei-lhe se sabia que instrumentos tocavam eles. Respondendo-me que não estava ao corrente, esclareci que eram todos Stradivari e que tinham pertencido, nada mais nada menos, do que a Paganini, informação que colhera eu, havia já uma data de anos, quando os membros do quarteto estiveram nas Caldas da Rainha acompanhando Sabine Maier, tocando o Quinteto com Clarinete, em Lá Maior, KV 581, de Mozart. Quando apareceram à porta da sala do CCB onde iam tocar, mais conversa sobre um dos violinos e a viola. Olhem, outra história. Não digo que é nunca mais acabar?

Finalmente, como não rematar com o Goffriller ‘ex Shapiro’ ao qual se abraça Daniel Müller-Schott para nos devolver as mais belas páginas de música? Noutro dia, propus o Concerto para Violoncelo de Dvorák. Hoje, de Robert Schumann, o Concerto para Violoncelo e Orquestra, em Lá menor, Op. 129, numa gravação ao vivo datada de 2012, em que toca com a Orquestra Sinfónica da RTVE, sob a direcção de Aleksandar Markovic.

Boa Audição!

http://youtu.be/gREiKh79nn8

 
 



 
 

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