[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 6 de dezembro de 2014



Nella Maissa


Torino, 7 de Maio de 1914 
Lisboa, 26 de Novembro de 2014

[facebook, 26.11.2014]

A primeira reflexão que me ocorre, neste dia em que partiu, vai para o facto de o seu nome me ser familiar desde sempre, de menino, quando comecei a ouvir meu pai falar acerca dela. Pouco depois, passaria a ouvi-la, a assistir aos seus concertos e recitais, o primeiro dos quais, talvez, numa das edições iniciais do Festival de Sintra.

Tantos, meu Deus, tantos programas com Nella Maissa!... Ao respeito e admiração, seguiu-se a veneração. Muito, muito recuadamente, parece que, para o garoto que eu era, Nella Maissa se me impunha, sei lá, como o protótipo de pianista. É verdade, de tão impositiva e positiva que era a sua imagem.

Poderia desfiar memórias imensas até que, há uns dez anos, tive o privilégio de poder trabalhar com ela. Foi no âmbito da recolha de testemunhos para o documentário biográfico "Marquesa de Cadaval, uma Vida de Cultura" do qual, como sabem, sou coautor.

Nella Maissa era amiga íntima da Senhora Marquesa, e, tal como ela, natural da mesma cidade de Turim. Tinha um património de recordações preciosas que fizemos questão de gravar em primeiro lugar, como significativo momento de homenagem inicial à grande mecenas.

Que fabulosa manhã de Verão aquela, quando nos apareceu menina, num camiseiro fresco, na sua casa da Rua Rodrigo da Fonseca, para contar um infindável novelo de histórias, durante horas e horas de encanto. Tocou para nós, mostrou quadros, fotos, dedicatórias, autógrafos.

E a rede de afectos, cruzados e partilhados com a amiga Olga, que entendeu como poucos, durante dezenas e dezenas de anos de intimidade. E falou-nos do seu Bomtempo, que Portugal lhe ficou a dever, bem como do serviço aos grandes compositores contemporâneos, portugueses e europeus. E o sorriso, a afabilidade assertiva, uma extraordinária artista que era História viva da Música.

Voltámos a encontrar-mos mais recentemente, já na Casa do Artista, onde passara a residir, para gravar imagens para um outro filme biográfico. Desta vez, a sua biografia. Desta vez, a recolha de testemunhos outros sobre a vida da grande pianista, a quem jamais poderemos agradecer, numa justa medida de correspondência ao seu amor por Portugal e à obra que aqui nos deixa. Quanto ao filme, para RTP, praticamente acabado, estou certo de que, em breve, poderá vir a público.

Nella Maissa pertence a um escol e a uma estirpe de artistas de referência nacional absoluta, tal como a classificavam alguns conhecidos melómanos como o célebre Juvenal Esteves - com quem tanto aprendi sobre a ópera de outros tempos - Manuel Eugénio Machado Macedo, que foi bastonário da Ordem dos médicos, o saudoso João de Freitas Branco, Mário Moreau, amigos do meu pai, companheiros das lides musicais que, nos seus encómios, raramente se enganavam...

Gostaria, neste dia tão especial, de deixar comovida palavra de reconhecimento ao meu amigo Arq. Romeu Pinto da Silva, outro conhecido melómano, indefectível amigo de Nella Maissa, que a acompanhou, visitando-a amiúde, levando-lhe carinho a rodos, compondo os solitários dias da ilustre mas quase esquecida centenária.

Dela não faltam registos soberbos de peças musicais às quais fica indissociavelmente ligada. Apenas um curto mas significativo exemplo da forma sublime como lia Bomtempo. Do Concerto para Piano no. 1, a segunda parte do primeiro andamento - Allegro Comodo.

Até já querida Nella!

Boa audição!


http://youtu.be/4l7CMYSNARw

 
 

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