[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 14 de outubro de 2015




E assim se faz História

[publicado no facebook em 13.10.2015]


Àqueles que, comigo, vibram na mesma corda sensível das grandes causas , só posso dizer que estou a viver dias de grande elevação, bafejado por lufada de ar fresco que, com toda a sinceridade, logo na noite de 4 de Outubro, senti e escrevi como possível e desejável, ao exaltar um momento único e ímpar que tardava.

Com a mesma sinceridade, afirmo ter duvidado de que António Costa viesse a protagonizar, de forma tão assertiva e determinada, a procura da solução que, ao fim e ao cabo, os eleitores evidenciaram, retirando a maioria absoluta à coligação de direita e conferindo ao Parlamento uma distribuição de mandatos que apontam para soluções outras.

Ninguém ignora que, seja qual for a espalda partidária, o próximo governo terá sempre tremendos constrangimentos. A situação em que a coligação deixa o país é de uma míngua de tal modo fatídica que a melhoria sensível vai ser muito demorada, difícil de concretizar mas perfeitamente possível, sem a desalmada dose de crueldade a que o povo esteve sujeito.

Mas PSD e CDS não querem e, mesmo que quisessem, não saberiam fazer diferente. Encontraram na classe média, nos funcionários públicos, nos reformados e aposentados, a galinha dos ovos de ouro que, fosse qual fosse a sua incompetência, sempre cobririam as necessidades ditadas pela cartilha da qual são fiéis executores.

O seu programa de actuação, preciso é lembrar, na maioria das soluções propostas, além da crueldade que envolveu, indo além das próprias exigências da troika credora, até coincide com a da mais global «economia que mata», na expressão tão certeira do Papa que temos a sorte de ter nestes dias que, como os de sempre, têm tanto de sombrios como de esperançosos.
 
Na realidade, o quadro actual não pode ser mais tenebroso e sendo-o, como todos bem sentimos, causa escândalo como o ainda governo é capaz de negar a evidência, manipulando estatísticas a seu belprazer, negando o empobrecimento generalizado, o aviltamento da mão-de-obra, a degradação das condições de trabalho que tem tido como consequência a imposição aos trabalhadores de situações inimagináveis e a institucional instauração do medo. Basta!

Que o PS esteja a conseguir entender-se com PCP e BE, mediante cedências históricas destas duas forças partidárias, é algo que a direita se recusa sequer a «ler» como hipótese de viabilização de soluções cuja legitimidade parlamentar é tão válida como a que enquadrou as que impôs ao país, desde 2011, com a desgraça das consequências que estamos a enfrentar e a sofrer o quotidiano impacto.

A título de exemplo, hoje mesmo se ouviu um responsável do Observatório da Emigração confirmar aquilo que muitos de nós vínhamos dizendo e escrevendo, ou seja, que, dos cerca de 480.000 jovens emigrantes dos últimos quatro anos, cerca de 70% não regressarão o que se traduzirá numa perda irreparável para a economia do país nas quatro próximas décadas.

Há poucos minutos, ao ouvir António Costa sintetizar algumas das medidas que a coligação nem sequer equacionou, e que são condição sine qua non para se poder conversar, não pude deixar de me emocionar e, como uma mola, de saltar para este teclado a partilhar convosco a esperança que nos tem vindo a ser negada.

Reescalonamento do IRS, apoios aos mais fragilizados, combate sistemático à pobreza e, nomeadamente, à pobreza infantil - um flagelo incomparável na Europa, com uma em cada três crianças portuguesas, declaradamente pobre - a máxima atenção à Educação de Adultos já que, por esta vertente da luta, passa o combate aos mais baixos índices europeus da literacia e, portanto, a possibilidade de preparar os cidadãos para uma vida cívica digna, etc, etc, eis o que António Costa nos está a dar entender ser possível começar a concretizar.

O Parlamento, que todos o proclamam,ser a «casa da democracia», na sequência da vontade expressa pelos eleitores há dez dias, mudou radicalmente. Seria verdadeira lástima que a uma tal mudança não fosse possível fazer corresponder a concretização de medidas que possam começar a contribuir, sem quaisquer conotações de assistencialismo, para uma melhoria das condições dos mais desfavorecidos.

De todo em todo, se tal não for possível, ainda há figurinos de actuação que, de uma vez por todas, possam dar indicações à coligação de direita, aos mercados e a Bruxelas de que, em Portugal, a esquerda não é um residual amontoado de partidos sem qualquer hipótese de entendimento, antes gente capaz de ultrapassar os impasses, constituindo-se como força política credível, estimável e capaz de concentrar esforço e empenho no sentido de operacionalizar a possibilidade de dirigir uma comunidade a caminho do desenvolvimento e do progresso.

De qualquer modo, com o PR que ainda temos, dificilmente se imagina que dê posse a um governo de maioria de esquerda liderado pelo PS. Nesse caso, o PS teria de se munir de todos os instrumentos que o habilitem a um constante controlo da actuação governativa da coligação de direita, impondo-lhe uma conduta sem cedências à ultrapassagem de qualquer das famosas 'linhas vermelhas'.

Ou, então, imediatamente, que também o PS não viabilize tal governo. PSD e CDS governariam em regime 'de gestão', até novas eleições que só o futuro PR poderia marcar. E, se for essa a vontade dos eleitos? Que medo pode agigantar-se? O dos mercados? O do agravamento da dívida e dos juros do seu serviço? Então, quando o «irrevogável» Portas fez aquela linda fita, ninguém à direita se lembrará que tal gracinha custou ao país mais de dois mil milhões de Euros?!

Sem comentários: