[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 6 de dezembro de 2015



6/7 de Dezembro de 1791
Efeméride mozartiana



[Aproveitando textos escritos num passado mais ou menos recente, passo a transcrever um publicado na edição de 6 de Dezembro de 2007 do 'Jornal de Sintra'. Seguir-se-á outro, já amanhã, que completa a matéria]

O enterro de Mozart (1)

A ideia de que Mozart morreu na miséria, totalmente desamparado, de tal modo que ninguém acompanhou os seus restos mortais até à vala comum dos indigentes, no cemitério central de Viena, não corresponde, de modo algum, à veracidade dos factos, como terão oportunidade de concluir se acompanharem os artigos que hoje iniciamos.

Porém, a gravura da autoria de Pierre Roche de Vigneron (1789-1872), com o carro funerário apenas seguido por um cãozito triste e cabisbaixo, fez um caminho de tal modo persuasivo, acomodando-se ao imaginário de sucessivas gerações que, praticamente, só os estudiosos sabem qual o valor a atribuir à imagem, já que a cena, repito, nada tem de real ou verdadeiro.

Não há a certeza absoluta de que o enterro de Mozart, falecido a 5 de Dezembro de 1791, tenha acontecido no dia seguinte ou dois dias depois da data da morte. Seja como for, a publicação deste artigo, hoje dia 6 de Dezembro, para além do principal objectivo de que darei conta um pouco mais à frente, também pretende comemorar a efeméride.

Durante o ano jubilar de 2006, por ocasião do ducentésimo quinquagésimo aniversário do nascimento de W. A. Mozart, tive oportunidade de aqui publicar oito artigos, através dos quais procurei divulgar uma série de ideias que poderão contribuir para a imprescindível desconstrução de fantasias que se colaram à memória do compositor.

Começaria por confirmar que tão modesto é o alcance do meu labor à volta de Mozart, que muito satisfeito me consideraria se, em resultado desses escritos, entre as muitas novidades de que fui portador, alguns dos meus leitores puderam encontrar suporte, por exemplo, para deixarem de considerar Mozart-menino, como o prodígio explorado por um tirano pai que só pensava obter chorudos proventos dos filhos maravilha; ou passaram a melhor entender a relação de Mozart com o dinheiro, ele que não era, nunca foi nem morreu miserável; que aprenderam as suas maleitas, o seu carácter, a sua paranóia; ou que concluíram como nem Salieri nem a Maçonaria tiveram algo a ver com a sua morte.

Efectivamente, na História da Cultura Ocidental do século dezoito, dificilmente encontraremos outro grande criador de Arte cuja biografia tenha sido mais deturpada. Durante o Romantismo, falseou-se muita coisa acerca da vida deste Amadé (como gostava de se assinar), e, entre o muito que se inventou, abundam os artefactos.

O veneno de Salieri

Só em relação às lendas sobre a morte, poderíamos considerar uma ilustríssima genealogia. Primeiramente, foi o próprio António Salieri (1750-1825), aparente rival e grande admirador do génio de Salzburg que, muito transtornado, totalmente senil, nos seus setenta e quatro anos, se declarou culpado pelo assassinato de Mozart. Nesse ano de 1824, entre 21 e 25 de Janeiro, o surdo Beethoven que, praticamente, só comunicava com os amigos através de um bloco de notas, escrevia: “(…) O Salieri está muito mal. Anda transtornado e a insistir que é culpado da morte do Mozart e que lhe deu veneno (…)”.

Baseado nas absurdas confissões de Salieri, que rapidamente se propagaram por toda a Viena e dali para além fronteiras, Puchkine (1799-1837) escreve um drama que Nicolai Rimski-Korsakov (1844-1908) aproveitará como argumento da sua ópera Mozart e Salieri (1898). Daí foi um passo, até à peça de teatro "Amadeus" do dramaturgo Peter Schäffer que, tomada como argumento, o realizador Milos Forman imortalizou no filme homónimo.



(continua)


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