[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016



9 de Fevereiro de 1885
Nascimento de Alban Berg (m. 1935)


Com o objectivo de comemorar a efeméride, não poderia partilhar convosco melhor produção de "Wozzeck", ópera com libretto e música de Alban Berg com base na peça de Georg Büchner. Trata-se de uma produção, datada de 1970, da Hamburg Staatsoper, com a Orquestra Filarmónicae e Coro da mesma Staatsoper, sob a direcção - muita atenção! - de Bruno Maderna!

E, agora, reparem no elenco:

Wozzeck: Toni Blankenheim
Marie: Sena Jurinac
Drum Major: Richard Cassilly
Andres: Peter Haage
Captain: Gerhard Unger
Doctor: Hans Sotin
Workman I: Kurt Moll
Workman II: Franz Grundheber
Idiot: Kurt Marschner
Margret: Elisabeth Steiner
Marie's son: Martina Schumacher


Ceografia: Herbert Kirchhoff
Figurinos: Helmut Jürgens


A gravação, ao vivo, também data de 1970 tendo sido colhida na própria Hamburg Staatsoper.
Esta ópera de Alban Berg, marco incontornável da História da Música em geral e do século vinte em particular - no São Carlos, seria estreada em 1959, sob a direcção do extraordinário e saudoso Maestro Pedro Freitas Branco - 'parte' de um texto absolutamente espantoso de Georg Büchner.

Büchner é um dos autores da minha vida. Há três anos, escrevi umas notas biográficas que volto a propor porque, entretanto, tenho novos leitores, alguns bastante jovens, com quem gostaria de as partilhar. Alban Berg partiu de um texto ímpar, impondo-se se perceba, ainda que minimamente, quem foi esse dramaturgo tão à frente do seu tempo.

Aí ficam essas notas sobre um autor que, tendo morrido com 24 anos, depois de escrever três das mais revolucionárias peças de teatro de sempre, será um jovem em todos os tempos futuros.

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Georg Büchner,
a propósito de WOZZEK,
ópera revolucionária de Alban Berg



Há quase cinquenta anos, ia no quarto ano do curso de Filologia Germânica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, quando tive Erwin Theodor Rosenthal como professor de Literatura Alemã III, pessoa cujo magistério, absolutamente modelar, me marcou para o resto da vida. Foi ele quem me abriu a porta para um território dramatúrgico que, remontando ao primeiro quartel do século dezanove, se me revelou de uma modernidade que, ainda hoje, me continua a surpreender e a fascinar.

Biografia de revolucionário

Refiro-me a Georg Büchner (Goddelau, Darmstadt, 1813 - Zürich, 1837) cuja brevíssima vida é tão rica e pródiga em eventos que não resisto a adiantar-vos algumas notas biográficas. Tenho a certeza de que vale a pena partilhar, dando-me oportunidade de recordar aquele meu incontornável mestre cuja amizade e convívio, a exemplo de algumas das melhores coisas da vida, me aconteceu naquela fabulosa década de sessenta.

Filho de um médico, aos dezoito anos, Büchner parte para Estrasburgo com o objectivo de completar estudos que lhe permitiriam seguir a carreira de seu pai. Regressado em 1832 à cidade natal, para continuar a vida académica na Universidade de Giessen, é confrontado com a miséria da região que contrastava com a situação de Estrasburgo, muito mais desafogada.
 
É nessa altura que, juntamente com Friedrich Weidig, escreve Der Hessische Landbote um panfleto revolucionário inspirado no tema «guerra aos palácios, paz nas choupanas» que, como sabem, em Paris, tinha sido a designação de uma das secções da Sociedade dos Direitos do Homem, panfleto este cuja eficácia se aquilata por logo ter desencadeado uma revolta de camponeses.

Dois anos mais tarde, continuando em Giessen, funda a Geselschaft der Menschenrechts (Associação dos Direitos do Homem). Com um tal currículo de agitador, é obrigado a refugiar-se em Darmstadt onde escreve a sua primeira obra dramática A Morte de Danton que será publicada com o patrocínio do dramaturgo Karl Gutzkow. Uma vez que continuava sendo perseguido, regressa a Estrasburgo, com os dinheiros obtidos com a edição, também para se juntar à noiva.

Traduz dramas de Victor Hugo, escreve a comédia Leôncio e Lena e a novela Lenz – com base na biografia do poeta Jakob Michael Reinhold Lenz que, juntamente com o filósofo Johann Georg Hamann, é considerado o grande ideólogo do Sturm und Drang – e deixa inacabada Woyzeck. Com 23 anos segue para Zürich onde, depois de um curto estágio, é nomeado professor da Universidade. Poucos meses passados, morre vítima de uma epidemia de tifo.

Obra de revolucionário

Esquecida e desconhecida, a obra de Georg Büchner só foi «descoberta» no início do século vinte, tornando-se num dos autores preferidos do teatro germânico subsequente ao período de Weimar. Brecht, Piscator, Jessner ou Fehling, por exemplo, muito se interessaram pelas três peças de Büchner, tendo-as trabalhado em várias ocasiões.

Em França, só no pós-guerra, em 1946, André Ribaz apresentaria Woyzeck no Vieux Colombier e Claude Vernier no Galté-Montparnasse. Quanto à peça Morte de Danton, apenas em 1950 seria estreada em Avignon por Jean Vilar e reposta em 1953 no Palais de Chaillot. Na ex-RDA, foi realizado um filme com base em Woyzeck e, em 1922, Alban Berg escreve uma ópera subordinada ao mesmo drama.


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Comecei por vos confessar como me tinha tocado a modernidade de Georg Büchner, evidência perante a qual, ainda hoje, me rendo. Naturalmente, os meus colegas e contemporneos da Faculdade, Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo, respectivamente, na Cornocópia, com Leôncio e Lena, em 2008, e Artistas Unidos, com Morte de Danton em 2012, não podiam deixar de se debruçar sobre manancial tão particularmente desafiante.

Aconselho vivamente a leitura das peças. Se não dominam o Alemão, tenham em consideração que Woyzeck foi editado pela Húmus em 2010 mas parece que estará esgotada. Talvez encontrem, nalgum alfarrabista, a edição da Início que tem data (da gráfica) de 1967… Há que procurar. Verão como vale a pena.

A propósito de Woyzeck, gostaria de vos citar palavras de Arthur Adamov extraídas do prefácio de uma das traduções para Francês:

“(…) no drama revolucionário, a crueldade reside na sucessão de factos, sucessão cega que desloca sem cessar a culpabilidade dos heróis. Em Woyzeck, ela resulta da sua simultaneidade, que opõe as personagens não em consequência de uma hostilidade fortuita, mas como resultado da sua existência como seres separados… Todos as personagens são doentes, Woyzeck delira, o Doutor é um maníaco e o Capitão um melancólico. Mas este fundo comum de doença não faz mais do que separá-los, cada vez mais irremediavelmente, ficando cada qual prisioneiro do seu mal particular e, por isso, obrigado a tornar-se vítima e carrasco, simultaneamente. (…)”

“(…) A metamorfose do homem em mecanismo cego é a mais grave consequência da sua maneira de viver o tempo (…) Em Woyzeck, é a substituição do homem pelo animal o o Doutor trata Woyzeck como ao gato no qual realiza experiências, mais cruelmente do que ao próprio gato, pois o reduz à condição de objecto (…)”

Acerca de Woyzeck, escreveria Jean Duvignaud: “Woyzeck é, sem dúvida, a primeira imagem do proletário posta em teatro. Proletário no sentido exacto do termo, pois que ele nada mais possui do que a sua própria cabeça onde habita um irreprimível amor por Maria”

Enfim, espero ter-vos deixado algumas pistas abertas para o enquadramento da ópera homónima de Alban Berg datada de 1922.
 
 
Music and libretto by Alban Berg, after the play by Georg Büchner Wozzeck: Toni Blankenheim Marie: Sena Jurinac Drum Major: Richard Cassilly Andres:…
youtube.com
 
 
 
 
 
 

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