[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 14 de março de 2016



Gulbenkian, 4 de Março, 19,00
Waltraut Meier e algumas memórias


[publicado no facebook em 05.03.2016]


O que devo a Waltraut Meier, como ‘Kundry’, no “Parsifal” de Bayreuth, em duas récitas memoráveis, traduziu-se num lastro determinante para o resto da vida e marco muito importante na experiência de wagneriano. Pego nos respectivos programas, um do dia 18 de Agosto de 1983 e o outro de 9 de Agosto de 1987, desço os olhos pelos elencos e a emoção não pode ser maior.

No primeiro caso, com Simon Estes, Matti Salminen, Hans Sottin, Peter Hofmann, Franz Mazura, direcção musical de James Levine. Quatro anos mais tarde, sempre com encenação de Götz Friedrich mas sob a batuta de Barenboim, Waltraut Meier emparceirava com Donald McIntyre e Siegfried Jerusalem, mantendo-se os outros companheiros daquela aventura que foi a produção do centenário da morte do demiurgo.

No São Carlos, há quinze anos

Assisti à sua ‘Isolde’ em mais duas ocasiões – e não entro em detalhes porque senão isto torna-se maçador – confirmando que, até um dia de São Martinho de 2001, os meus encontros com WM sempre foram em Bayreuth. Nessa noite de 11 de Novembro, acolhi-a em São Carlos, num recital de Lieder, acompanhada por Nicholas Carthy ao piano, com as “Ziegeunerlieder, op. 103 de Brahs, “Rückert- Lieder” de Mahler seguindo-se mais oito peças de Schubert.

Fui ao meu diário e é de lá que cito “(…) Se calhar será exagerado dizer que a sala estava meia o que nada me admira nesta Lisboa tola e ignorante (…) Tratando-se de recital único, pergunto-me qual terá sido a alternativa dos melómanos da capital… (…) Fez muito bem as Canções Ciganas se bem que lhe tivesse notado uma certa insegurança nos finais de estrofe. Nos “Rückert Lieder” Waltraut Meier não esteve à altura, pura e simplesmente falhou na tão desejada subtileza da meia voz. (…)” Sem citar mas, em resumo do que então escrevi, a melhor impressão ficou-me dos Lieder de Schubert e em duas peças de Hugo Wolf e Brahms que ofereceu em extra.

Ontem, na Gulbenkian, a sua abordagem dos “Wesendonck Lieder”, ainda que denotando alguns sintomas de cansaço vocal, teve momentos de muito bom nível, especialmente em “Schmerzen” em que poderá ter assinado uma interpretação quase paradigmática. De qualquer modo, tendo estado particularmente atento a determinados ‘sintomas’, causou-me certa surpresa o seu desconforto nalgumas passagens cruciais em que determinadas sílabas mais nasaladas devem surgir com uma dificílima, sofisticada e aparente leveza.

Só vos confesso que “Wesendonck Lieder” é daquelas obras que escuto de tal modo envolvido que, quando ‘as coisas correm muito bem’, fico perfeitamente arrasado, tal o caldo de emoções, isso mesmo me tendo acontecido, por exemplo, com Barbara Bonney ou Gwineth Jones, entre bastantes mais. Pois, ontem, nada disso aconteceu. Estive longe ou ela esteve longe de mim… Mas um factor determinante sucedeu que terá prejudicado – e de que modo! – a sua prestação. Refiro-me à direcção Saraste que, neste caso, mal articulou a componente instrumental e determinadas particularidades acústicas da orquestração com a vertente vocal.

Em 1983, WM tinha 27 anos. Em 1987, 31. Em 2001, 45. Em 2016 tem 60. O tempo faz estragos? Pois faz. Mas uma boa gestão da carreira - que, agora, ainda mais se lhe impõe, pode fazer milagres de longevidade, como conhecemos nalgumas vozes de distintíssimas wagnerianas.

E, já de seguida, muito resumida e rapidamente, a rematar com uma nota de excelência para a interpretação da Sinfonia No. 3 de Brückner. Muito bem reforçada, a Orqiestra Gulbenkian concedeu a Jukka-Pekka Saraste todo o crédito para solicitar a cada músico o empenho que todos demonstraram. Direcção entusiástica, resposta absolutamente calorosa e de alta qualidade, momentos de grande beleza aos quais o público presente – meia casa… - correspondeu, saudando da maneira mais efusiva.

Finalmente, a mesma Waltraut Meier, na interpretação das mesmas peças, numa gravação ao vivo, há cerca de década e meia. Myung-Whun Chung dirige a Orchestre Philharmonique de Radio France, na
Basilique Cathedrale de Saint Denis, Festival de Saint Denis. Quem ontem a ouviu, faça o exercício que mais convier. Uma coisa é certa, embora não pareça. Trata-se, de facto, do mesmo mezzo wagneriano...


Boa Audição!

 
 
Waltraud Meier, mezzo soprano Myung-Whun Chung / Orchestre Philharmonique de Radio France Basilique Cathedrale de Saint Denis Festival de Saint Denis
youtube.com
 
 

 
 

Sem comentários: