[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017



CÓLOFON OU EPITÁFIO


Trinta dias tem o mês
e muitas horas o dia
todo o tempo se lhe ia
em polir o seu poema
a melhor coisa que fez
ele próprio coisa feita
ruy belo portugalês
Não seria mau rapaz
quem tão ao comprido jaz
ruy belo, era uma vez


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[“Homem de Palavras”, Cadernos de Poesia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1969]
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Tenho tido mesmo muita sorte! Falo do privilégio de amigos, mesmo dos que já partiram, mesmo dos que há muito não frequento. Continuam amigos, muito presentes, indissociáveis do homem que me tornei.
 
Dois amigos, meus condiscípulos da Faculdade de Letras, há mais de cinquenta anos, continuam comigo. Um, o Luís Miguel, comigo se cruzou naquele lugar um ano depois de ali ter conhecido outras duas pessoas excepcionais, seu pai, o queridíssimo Prof. Luís Filipe Lindley Cintra, e Ruy Belo - num encontro em que a Fé comum foi determinante traço de união - mais velho do que nós, já licenciado em Direito e Direito Canónico.

Meu Deus, repito, que marcas para a vida! Meio século, tanta vida! Entre muito, muito caminho, a grande Arte, a possibilidade tangível do divino. Essa, aí a tendes, através da sublime 'apropriação' do Luís Miguel, magnífica lição de interpretação do poema escrito pelo nosso comum amigo. Amigos. Que privilégio o meu!

Eis «a voz»! E o poema transcrito, para a companhia que preferirem.


https://youtu.be/4YJ4H2ZQ8u4


Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua
É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.



PS:

Ruy Belo ficou indissociavelmente ligado a Sintra. Em 2008, durante um dos mandatos do Prof. Fernando Roboredo Seara como Presidente da Câmara Municipal de Sintra, foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Municipal (Grau Ouro). Ruy Belo também é patrono de uma Biblioteca instalada na Quinta do Mirante, no Pendão e do Agrupamento de Escolas.

 
 
 
 
 

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