[em 19 de Setembro, as Notas Diárias também estão com Aquilino]
Aquilino Ribeiro, sempre!
Hoje, a nação presta homenagem a Aquilino Ribeiro. Os seus restos mortais ficarão no Panteão de Santa Engrácia, reforçando a ideia de uma imortalidade que já fora alcançada. Não haja a mínima dúvida, esta coisa da homenagem do poder aos demiurgos, na maior parte dos casos, apenas serve para sublinhar aquilo que já estava adquirido, ou seja, uma realidade preexistente... Mais uma vez, também Aquilino, não fugiu à regra.
A imortalidade, ganhara-a Aquilino pelo Amor, em todas vertentes, com que se jogou a uma vida eminentemente telúrica e apaixonada; alcançara-a pela Força das convicções e das decorrentes atitudes, sempre inequívocas, sempre grandes, francas e generosas; merecera-a pela Beleza que espalhou, vulcânica, a rodos, por quase setenta obras-primas.
Amor, Força e Beleza, eis o ritmo triádico da Arte, de que Aquilino tinha perfeita consciência, quando escreveu, à guisa de prefácio a Andam Faunos pelos Bosques, as seguintes palavras que, afinal, se aplicam à totalidade do seu aplicado e fecundo labor:
"(...) O que fiz é honrado; não plagiei; não extorqui a jóia mais humilde ao mais invulgar dos escritores; não cedi às correntes que hoje são cortejos triunfais, amanhã depenadas Danças da Bica. Perdurei o que sou por temperamento, e adquiri por educação e algum estudo. Confesso essa soberba. Escrevi com o meu sangue; nunca molhei a pena na pia da água benta, nem nos lavabos perfumados das viscondessas. Arranquei as minhas figuras aos limos da terra, às mãos ambas, e amassei-as com a devoção de Machado de Castro ao mundo gnómico de seus presépios. Valem pelo que são. Criando, no sentido restrito do vocábulo, rendo como S. Francisco de Assis a minha homenagem ao Criador. (...)"
Que formidável Autor! Que belíssima afirmação de Autoria e de Autoridade! Que confiança, na qualidade das suas criaturas, figuras arrancadas aos limos da terra...
As minhas razões
Confesso não ter palavras que sirvam o propósito de agradecer a quem me proporcionou o convívio com a obra de Aquilino, obra que me orgulho de bem conhecer. Não estranharão, portanto, que esta data de institucional homenagem nacional, para mim, seja um dia de acção de graças. Em primeiro lugar, ao próprio Aquilino Ribeiro, na leitura de cujos livros busquei e encontrei os vestígios, o testemunho de uma arte de ser, de uma arte de viver, que acabaram por crescer comigo, transformando-se num património imperdível.
É também dia de lembrar as casas de meus avós e pais, casas onde os livros ocupavam um lugar absolutamente determinante na vida de todos, livros herdados, livros que se iam comprando, livros que me habituei a cobiçar, desde pequeno, a sonhar com o momento de poder lê-los e, pecado dos pecados, a surripiar alguns que estavam proíbidos e (mal) escondidos...
Naturalmente, o Aquilino também andava lá por casa, acabando por me ser apresentado, pelos meus treze anos, através de O Jardim das Tormentas. Ainda hoje, muita gente não considerará adequado a tão púbera idade. Pois li-o, mais ou menos pela mesma altura em que, às escondidas, me 'apoderei' de O Crime do Padre Amaro e tenho a certeza de que o Eça não viu com maus olhos tal «vizinhança» literária, uma vez que as duas obras, certo é que juntamente com outras, destes e doutros autores, iam assumindo contornos de via iniciática para outros voos.
Um pouco mais tarde, mas ainda antes da Faculdade, foi tempo de me aperceber, por exemplo, da especificidade de O Malhadinhas, tão universal como O Velho e o Mar de Hemingway e que A Casa Grande de Romarigães é uma grande alegoria deste país. Para esse entendimento, pressupondo leitura um tanto ou quanto mais sofisticada, contribuiu o imenso saber e entusiasmo de duas grandes senhoras, professoras do Liceu Don João de Castro (que frequentei durante sete magníficos anos, entre 1958 e 1965), Manuela da Palma Carlos e Helena Dá Mesquita, cuja memória está em mim tão presente como a dívida de que são credoras.
Ainda gostaria de acrescentar que tenho o gratíssimo privilégio de conhecer e, periodicamente, de conviver com Aquilino Ribeiro Machado, filho do grande escritor, a quem me liga uma afinidade de grandes valores e princípios, fraternalmente partilhados com outros amigos que, na sábia inteireza da sua atitude cívica, acabam por distinguir tão discretas quanto veementes, as grandes linhas de rumo que o pai traçou, como cidadão absolutamente exemplar.
Mágoas do dia
A grande mágoa que me assalta, neste 19 de Setembro de 2007, pesar que não é de hoje, reside na circunstância de Aquilino Ribeiro ser um perfeito desconhecido para as gerações de estudantes das últimas três décadas. Sob o estigma do falsíssimo carácter regional da escrita aquiliniana que, ao fim e ao cabo, apenas mascara a flagrante ignorância de um léxico riquíssimo - que a maior parte dos falantes, dos leitores e dos escreventes portugueses deixou de dominar - a obra deste grande cultor da Língua Portuguesa, vulto máximo da nossa Literatura, está posta de lado.
Subtraiu-se aos jovens estudantes dos Ensinos Básico e Secundário a possibilidade de acederem a páginas e páginas de Aquilino, a verdadeira Beleza ao alcance de um gesto. Esse gesto não acontece - afirmo-o eu que, como Técnico de Educação, professor e formador de professores, tenho obrigação de saber alguma coisa da poda - fundamentalmente, devido a uma geral ignorância. Infelizmente, hoje em dia, quer os governantes, medíocres gestores do Sistema Educativo, enredados em estatísticas para inglês ver e em TLEBS para português confundir, quer uma grande maioria de professores, mesmo que pretendessem redimir-se de tamanho pecado, não saberiam o que, onde, quando e como fazer a, entre aspas, reabilitação de Aquilino Ribeiro.
Vejamos que tudo isto se confirma, e, aliás, se articula com circunstâncias absolutamente fortuitas. Aconteceu que Jaime Gama, a segunda figura da hiererquia do Estado, para além de Presidente do Parlamento, por acaso, também é um verdadeiro homem de Cultura, tendo sido sensível à vontade comum a muitos homens de cultura no sentido de homenagear Aquilino.
Sublinho o «por acaso». É que, por acaso, a actual Ministra da Cultura, que não passa de uma razoável interessada pela obra de Eça, circunstância que não basta para a creditar como verdadeira pessoa de Cultura, há apenas umas semanas, esqueceu-se - coitada da senhora, deve ter mais com que se entreter - que, pelo menos ela, em representação do Estado Português, era forçoso que estivesse presente na homenagem a Miguel Torga (por acaso, outro pilar fundamental da Literatura Portuguesa do século vinte, e, por acaso, também muito acusado de regionalismo...
Portanto, se a ausência de Aquilino da Escola nos magoa, não nos deve surpreender. Talvez, daqui a uns anos, venham tempos mais propícios. Entretanto, aqueles que admiramos e sabemos como a Arte de Aquilino é imprescindível à Educação das crianças e jovens, não percamos a oportunidade de o fazer sentir, pelo menos, junto dos que estão mais próximos.
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