[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

"Bristol" em banho-maria

Num país como o nosso em que pouca coisa funciona, com a eficácia e a celeridade que se espera num Estado de Direito, não deixa de ser minimamente gratificante verificar que, por vezes, até mesmo no âmbito da tão criticada Justiça, são aplicadas as medidas necessárias.
Ora bem, quanto mais não seja, pelo próprio título de Notas Diárias de hoje, já entenderam que me refiro ao caso da Albergaria Bristol, ali incrustada no centro histórico, paredes meias com o Museu do Brinquedo, apenas a uns metros do Palácio Valenças.
Permitam-me que, para efeitos do enquadramento do assunto, vos cite parte de um artigo que subscrevi, publicado pelo Jornal de Sintra em 13.10.06:
"(...) aí temos a Albergaria Bristol, qual fenix montelunar, renascendo de uns calhaus arrasados a preceito, atrás de uma fachada mais ou menos incólume, a fingir que se preserva e reconstrói alguma coisa quando, afinal, isso sim, se apagam e aniquilam vestígios, sinais, pormenores de construção, um acervo de natureza múltipla que integrava a memória e a história do edifício, o próprio espírito do local.
(...) há por aí uns pobres coitados, incapazes de destrinçar o que, por exemplo, diferencia a correcção de obras como as do Lawrence's das de vulgar fancaria, para tudo meterem no saco daquilo que consideram ser tudo a mesma coisa. Atrevidotes, pois claro, permitem-se dar uns palpites de avaliação sobre intervenções em casco histórico, como se se tratasse das questões de lana caprina a que estão habituadas as suas embotadas mentes.
A Câmara Municipal de Sintra (...) por um lado, furta-se ao controlo e ao exercício da autoridade democrática, decorrentes do voto popular, licenciando e autorizando intervenções pouco ou nada qualificadas (...) parece esquecer que «isto» do coração de Sintra nada tem a ver com o betão de Massamá ou de Monte Abraão ou com a infelicidade do Cacém que, com ou sem Polis, sempre serão desengraçadas selvas de cimento (...)" Fim de citação.
Passadas eram apenas algumas semanas sobre a data de publicação do artigo referido, o Tribunal Administrativo acabou por decretar a suspensão das obras, na sequência de oportuna intervenção da bancada da CDU na Assembleia Municipal de Sintra. E, na realidade, os trabalhos foram mesmo suspensos, apesar dos interesses comerciais e turísticos em presença. A Justiça, cega por inerência, actuou. (*)
Respeitar prazos...
De acordo com os termos iniciais destas Notas Diárias, muitos sintrenses acolheram a decisão judicial, com o maior respeito e apreço, como inequívoco sinal de que, efectivamente, as instituições do Estado de Direito até funcionam. Quando, diariamente, passo pela fachada tapada e entaipada daquele edifício (**), sempre penso no caso. Contudo, em complemento, não posso deixar de lamentar que, passado quase um ano, mais nada se soube.
Entretanto, quem passa no local não tem a mínima informação sobre a situação da obra. Parece evidente que, no mínimo, deveria existir um painel dando conta da decisão judicial. A própria dona da obra nisso teria toda a vantagem na medida em que evitaria o corrente boato da falência da empresa.
Pois é, a Justiça tem de funcionar mas sempre com celeridade, senão o aparente benefício inicial acaba por se transformar num prejuízo para a comunidade. Quantos anos serão precisos para que se assista ao desfecho do caso? Será admissível continuar a ignorar que, tanto neste como noutros casos, há justos interesses pessoais e gerais a defender? Infelizmente, na situação de «banho-maria», aquele edifício é mais um sintoma da cultura de desleixo que por todos os lados nos cerca.
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(*) Para mais detalhes, aceder ao sítio do Alvor de Sintra;
(**) Apenas uma curiosidade para lembrar que se trata do edifício onde alguns cidadãos sintrenses, fantasistas e visionários - que também os há - pretenderam descortinar misteriosos túneis...

3 comentários:

Anónimo disse...

O que escreveu num comentário ao seu post de ontem, se eu percebi bem, significa que quem se não insurgiu contra os orçamentos gerais do Estado dos últimos anos que privilegiaram os estádios de futebol “não pode verberar (a palavra é feia e é sua) contra a falta de recursos para a recuperação do Chalet da Condessa”?
Essa é boa !!!
ereis

Sintra do avesso disse...

Para ereis

Com certeza que o problema é meu. Admito sem qualquer sofisma nem ironia, acredite. Todavia, a interpretação que colheu das minhas palavras é de tal modo abstrusa que me deixa totalmente perplexo. Mas vamos lá a ver se me faço entender.

A articulação entre Chalé da Condessa e estádios de futebol é tão longínqua que, na realidade, só seria praticável se, como intermédiário, funcionasse um qualquer agente de ligação. Na economia do escrito que publiquei esta manhã - em resposta a um comentário subscrito por Saloio -
tal agente,sendo uma única e mesma pessoa, por um lado, coincide com o actual Primeiro Ministro de Portugal [responsável pelos mitigados orçamentos com que, alegremente, nos vai empobrecendo,nada restando ao bolo que permita retirar uma insignificante fatia que satisfaça as necessidades de acudir a questões de Recuperação, Conservação e Restauro de Património, como é o caso do Chalé da Condessa] e, por outro, também se identifica com o então Ministro do Governo de Guterres que se responsabilizou pela delapidação e esbanjamento de dinheiros públicos traduzido no desastre dos estádios de futebol.

E, para cúmulo, tal pessoa também coincide com a do Ministro do Ambiente que, segundo o Engº António Abreu - nunca contestado - espaldou e apadrinhou uma série de «irregularidades», cometidas pelo biólogo Serra Lopes, enquanto gestor da Parques de Sintra Monte da Lua. Ora bem, tal gestor, que teve a posiibilidade de dar alguns passos afins da recuperação do Chalé, preferiu «gastar o dinheiro noutros fins», escrevamos assim, mais ou menos eufemisticamente, para não ofender certas mentes muito bem intencionadas, que até consideravam como muito boa pessoa o referido Presidente do Conselho de Administração da PSML...

Até prova em contrário, o que veio a público é que o biólogo terá feito uma utilização incorrecta dos dinheiros públicos que, como ereis sabe,merecem o melhor encaminhamento, especialmente num país tão empobrecido como o nosso que, com o modelo de desenvolvimento que vem adoptando, não sai da cepa torta, de índices que nos envergonham como o dos vinte por cento dos nossos compatriotas que vivem abaixo do limiar da pobreza.

Sem afunilar o meu discurso para quaisquer conclusões específicas, predeterminadas - não é o meu estilo, conduzir a mente seja de quem for é coisa que não me passa pela cabeça - pretendi deixar ao Saloio e a quem connosco partilha este espaço, a abertura e liberdade para caldear as várias pistas em presença que, há-de convir, apresentam afinidades,
interagem com inequívoca lógica.

Foi isto, tão somente isto, o que pretendi que fosse entendido, sem qualquer subentendimento, como ereis pretendeu fazer e fez, suscitando uma conclusão mirabolante, que apenas a si lhe deve passar pela cabeça. Mas, se o fez - e agora confirmo a minha inicial asserção - foi porque eu próprio, inadvertidamente, terei aberto a porta à sua perversa conclusão.

Agora, outro assunto. Realmente, não consigo entender o que terá levado ereis à diatribe acerca da estética do verbo verberar. Afirma ereis que 'verberar' é pavra minha e feia. Não percebo. Aliás, só perceberia se ereis, por mero acaso, tivesse recorrido a um qualquer dicionário, extraindo do verbete consultado, não o correcto, mas outro significado não coincidente com o contexto do discurso que eu subscrevi.

(Infelizmente, agora devo interromper mas continuarei logo que possível)

Sintra do avesso disse...

Para ereis

Como poderá verificar, mais ninguém coincidiu com a interpretação objecto do seu comentário de ontem. Daí que, antes de continuar a responder-lhe, confirme que apenas me referia às muitas pessoas que verberam contra a falta de recursos para a Recuperação do Património, esquecendo que as verbas não são inesgotáveis. Se gastarmos milhões a construir estádios de futebol, natural é que tais dinheiros públicos faltem para umas obras como as do Chalé da Condessa.
Isto mesmo, por outras palavras, foi afirmado hoje, em Portalegre, pelo Presidente da Câmara Municipal de Santarém, num forum sobre Recuperação do Património das cidades com centros históricos. E de tal modo assim é que, anedótica mas quase tragicamente, o actual Governo se permitiu dotar Santarém com mil euros [o senhor ereis está a ler muito bem, E:1.000,00 ou seja duzentos contos] no actual orçamento, para obras de Recuperação do Património na capital ribatejana, cujo importantíssimo acervo monumental justificaria uma dotação substancialmente maior...

Espero ter sido tão claro quanto ereis desejava e que o senhor me faça a justiça de considerar que, apesar da sua evidente provocação, não me faltou a paciência para
o esclarecimento.

Agora, a questão do verbo 'verberar'. Afirma ereis que é uma palavra «feia». Com toda a franqueza, não percebo o atributo estético. Mas, feia porquê? Terá o senhor entendido o verbo, não na acepção em que, efectivamente, o empreguei mas noutra que, de modo algum, seria autorizada pelo contexto do meu discurso?

Ora bem, como a questão não é assim tão despicienda quanto possa parecer - já que suscita um flagrante desentendimento - o senhor não vai sair deste diálogo sem que eu prossiga um pouco mais, no sentido de que não subsista qualquer prejuízo de sua parte.

Por dever de ofício, afim das minhas lides filológicas, aqui mesmo no meu escritório, disponho de uma boa quantidade dos melhores dicionários de Língua Portuguesa que, infelizmente, algumas bibliotecas públicas não disponibilizam. Claro que tenho nisso um certo orgulho. Mas o que maior prazer me dá, passa por esta facilidade de, imediatamente, poder esclarecer seja quem for, por muito sofisticado que o assunto se apresente. No caso vertente, tão comezinho, não será necessário recorrer aos mais especializados,
bastando-me indicar-lhe, a partir dos dicionários mais acessíveis, que é a seguinte a acepção, de acordo com a qual empreguei o referido verbo:

[na medida do possível, é respeitada a grafia]

1.
- No Dicionárioda Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, Vol.II, pág. 3725:

....fazer duras críticas a alguém; censurar rispidamente. = CENSURAR, CRITICAR. Ter uma opinião muito desfavorável; considerar mau, errado ou negativo = OPOR-SE, REPROVAR.

2.
- No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa do Instituto António Houaiss de Lexicografia Portugal, Vol. VI, pág. 3684:

....expressar enérgica censura a respeito de (alguém ou algo); reprovar, repreender, criticar.

3.
- No Grande dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, Vol.VI, pág. 560:

....Censurar rispidamente. Reprovar energicamente.

4.
- No Grande Dicionário de Cândido de Figueiredo, Vol.II, pág. 1290:

....Censurar. Reprovar energicamente.

5.
- No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, Vol. V, pág. 386:

....Do lat. verberare, «bater com chibata»; bater; maltratar (com palavras), fustigar, censurar»

Como terá verificado, apenas no último caso, por se tratar de um verbete inserido num dicionário etimológico, lhe forneci a totalidade das acepções.

Tal não significa que os outros dicionários supra, não contenham todas as acpções decorrentes da etimologia. Só para lhe dar uma ideia aproximada, tenha em consideração, novamente, o Houaiss, ainda no mesmo verbete, portanto, correspondente a 'verberar':

....açoitar, vergastar, fustigar, maltratar, espancar, sovar, maltratar (com palavras); deitar por terra, esmagar (um orador).

Será que o senhor ereis não teve em consideração a acepção correspondente ao contexto do meu discurso, acabando por se prejudicar (prejudicar, no sentido etimológico, pre..juízo, devido a um pre..conceito) na interpretação?
Terá sido por isso que o senhor ereis considera «feia» a «minha» palavra?

Mas como lhe terá passado pela cabeça que, nas minhas palavras, havia qualquer conotação a vergastar, açoitar, fustigar, maltratar, sovar ou mesmo esmagar o orador? Olhe que «cheira» a uma certa perversidade».

Bem, como consigo é preciso ter muito cuidado, veja lá em que acepção vai entender aquele substantivo... Para que não haja equívocos, sempre esclarecerei que aquela «perversidade» vai no sentido de 'deturpação'...

Uma final recomendação: a consulta aos dicionários jamais pode deixar de ter em consideração o contexto. É o contexto que autoriza uma só e nunca outra acpção, por muito próximas que se apresentem as acepções.

Melhores saudações

João Cachado