[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Heliodoro Salgado,
que remédio?

No artigo precedente, acerca do assunto que o título prenuncia, em Notas Diárias do passado dia 7, não especifiquei - e devia tê-lo feito - que a solução da abertura ao trânsito da Heliodoro Salgado, apenas num sentido, poderia funcionar com a ressalva dos condicionamentos habituais às vias que compatibilizam uma forte componente pedonal com a circulação de veículos.
Em primeiro lugar, a hipótese de, novamente, trazer o eléctrico àquela via, vindo das praias a caminho da estação dos comboios e Vila Velha, poderia constituir inquestionável mais-valia de animação e, em simultâneo, obra tão importante de recuperação do património de Sintra como as de outros bens que tanto prezamos. As memórias que, ainda hoje, temos coladas aos deslumbrados olhos dos meninos que fomos há mais de cinquenta anos, dão-nos razões de sobra para insistir nesta nota.
Espero bem que não conotem esta vertente daquilo que denominei como recuperação de património de Sintra com o patológico saudosismo de caquéctico senil... Aliás, são tantos e bem conhecidos os casos em que, por esse mundo fora, vigora esta solução que me dispenso de maior detença. O que não devo é deixar de continuar a explicitar como a circulação do eléctrico joga com um cenário complementar.
Assim sendo, prossigamos. Em simultâneo, tendo em consideração a viabilidade desta proposta que continuo a considerar muito aliciante, naturalmente se me impôs a articulação com outra medida pertinente e civilizada, qual seja a possibilidade de ali condicionar, apenas num sentido, o trânsito de determinados veículos ligeiros, normalmente autorizados nas tais situações alheias mas congéneres e afins.
Como será de prever, a exequibilidade desta proposta só se compatibiliza com a estrita observância de regras que os cidadãos estão longe de terem interiorizado. Restrições absolutamente determinantes para o sucesso de tal iniciativa como, por exemplo, a concretização de um rígido regime horário de cargas e descargas ou são assumidas para cumprir e fazer cumprir ou, então, nada mais suscitarão do que o agravamento do actual statu quo.
Aliás, a propósito de situação actual, continuo a não compreender como possa defender-se a manutenção de um cenário que, na Heliodoro Salgado, se apresenta totalmente à revelia de tudo quanto constitui a padronizada oferta de qualquer zona pedonal. Os veículos ligeiros particulares, os de aluguer, os ligeiros e alguns pesados de carga, circulam a qualquer hora, a insegurança é o que se sabe, a animação inexistente.
Se alguém considerar que estarei enganado, faça o favor de me indicar onde ali existe a possibilidade do usufruto desta área da Estefânea em que estética, segurança, animação, ócio e negócio andem de braço dado, para satisfação dos cidadãos que a procuram, antecipada e absolutamente certos de que não vão deparar com desconforto, incomodidade e fealdade...
Será que, por osmose, com as freguesias do cimento, estarão a instalar-se, bem no coração de Sintra, as soluções que nem esses subúrbios betonizados do concelho deveriam admitir? Sim, que a actual Heliodoro Salgado não passa disso mesmo, já que se transformou num desengraçado troço urbano, tão desqualificado como qualquer área clandestina ou a sair da situação de clandestinidade.
Continuo a pensar que a Heliodoro Salgado é o lugar geométrico da precipitação de decisores políticos inábeis, impreparados, pouco informados, afectados de provincianismo bacoco que ali deixaram a inequívoca marca de uma incapacidade que só precisava de mais aquele atestado. Porque não estiveram à altura das circunstâncias, ali está o resultado, bem patente, com todas as consequências adjacentes, já aludidas no texto anterior.
Como advogo soluções adquiridas a partir da análise sistémica, convirá reafirmar que as ideias afins de soluções para a Heliodoro Salgado são comuns e afins das que, inapelavelmente, devem ser equacionadas para toda a área urbana compreendida pela tríade Estefânea, Vila Velha e São Pedro. Se assim não for pensado, apenas resultarão medidas desgarradas, desarticuladas, alheias à perspectiva de actuação integrada que tudo isto pressupõe.
Naturalmente que, a propósito, convirá ter em consideração tudo quanto temos tido oportunidade de avançar para debate, em relação ao problema dos transportes particulares e colectivos, ao estacionamento, ao acesso aos lugares onde estão implantados bens patrimoniais naturais e edificados, enfim, um conjunto de ideias que, não constituindo a mínima novidade, não
têm feito parte da preocupação da edilidade nem dos deputados municipais que é suposto controlarem o exercício daquela.
Para terminar estas duas Notas Diárias sobre a Heliodoro Salgado, muito gostaria de propor um franco debate de ideias, por exemplo, no âmbito de um Círculo de Estudos sobre a questão, cujos resultado pudessem ser entregues à autarquia como contributo dos cidadãos. Bem sei que é coisa nada habitual entre nós mas, tendo em mente que as soluções dos países nórdicos tanto são do agrado geral, então avenham-se com esta do Círculo, tão comum na Suécia. O problema é que exige disponibilidade para o estudo, muita reunião, trabalho sistemático e disciplinado. Se estiverem para isso, inscrevam-se neste blogue.
Os contributos dos comentaristas de serviço têm sido preciosos. A propósito deste tema, permitam que, pela coincidência de opiniões, destaque o que escreveu Spirale. Como compreenderão, depois de acederem à sua mensagem, foi preciso muito atrvimento da minha parte para acrescentar os parágrafos que acabam de ler...

5 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro João Cachado,

Continuo a ler, com o maior interesse, os textos que nos apresenta, na defesa das suas idéias. Respeito-as tanto, que também gosto de contrapor as minhas.

Como se poderá inferir de textos meus, a solução do eléctrico retomar a passagem pela Heliodoro Salgado era muito positiva, até porque seria o recuperar da história que nos liga ao local, porque há cerca de 60 anos ali passava eu com meu pai depois de o apanhar junto à estação.

Mas o eléctrico, com a devida protecção e por ser pouco poluente, seria até um forte motivo de interesse para visitantes e residentes.

Ao invés, ainda não consegui lobrigar os interesses na passagem sistemática de veículos automóveis pela HS, pois na Combatentes da Grande Guerra continuariam a circular e muitos dos que agora vão para a Portela ou aproveitam o IC16 (é 16 não é?) passariam a engerrafar a HS.

Noutro lado, colocaremos aquilo a que chama a tríade Estefânia, S. Pedro e Vila Velha. Não parece que a Estefânia tenha as afinidades históricas que existem entre S. Pedro e a Vila Velha. Aliás, se lermos o Plano De Gröer (agora até estou a gostar de o reler) notamos logo as diferenças.

Por fim, sem que nas prioridades assim seja, devo dizer que, salvo melhor opinião, só o facto dos peões terem uma zona que é sua, já constituiu uma importante conquista. Pode estar feia e com pedras escuras, pode estar suja, pode ter todos os defeitos e até carros a passar por lá com frequência (a GNR deveria fiscalizar e ter horarios de circulação para mercadorias) mas é uma rua dos peões.

Acreditem ou não, se a HS deixar de ser pedonal também deixarei de por lá passar, deixarei a suprema felicidade a quem goste mais de passar por lá de carro, não sei ainda se os que descem ou os que sobem (porque a proposta de abrir num só sentido é apenas a chave da abertura total).

Se isso suceder, podem falar dos centros históricos de todo o mundo e dos seus exemplos, das cidades portuguesas em que isso já é realidade e que as populações gostam, mas não se diga que Sintra é tão diferente que até os automóveis têm prioridade sobre as pessoas que andam a pé.

E se - ou quando - acontecer, teremos mais uma rotunda na ligação da HS com a Estrada de Chão de Meninos, porque sinaleiro a gerir o tráfego de várias direcções era noutro tempo.

Claro que, por certo, estarei errado, mas suporto-me no que tenho visto e aprendido pelo mundo e em cidades com dimensões muito diferentes mas onde o peão é respeitado.

Sintra do avesso disse...

Saloio, Caro amigo,

Em primeiro lugar, o meu sincero reconhecimento pelas suas palavras de apreço. Sem querer fazer troca de galhardetes, fique sabendo que, muito naturalmente, enquanto vou alinhavando os meus diários textos, penso nas pessoas para quem escrevo em especial. Naturalmente, o Saloio aparece à frente, tão notório é o seu empenho, tão constante a sua presença. Bem haja pela força que me dá.

Agora a HS. Espero bem que não lhe passe pela cabeça que, pelo facto de advogar a abertura da HS a um trânsito condicionado, eu respeito menos os direitos do peão... Essa é uma enormidade que jamais autorizaria fosse possível concluir, por simples exclusão de partes. Qualquer coisa do género: amigo do peão é quem insiste em manter a HS tal como está e inimigo será quem propõe a alternativa em apreço...

Por outro lado, não posso deixar de rejeitar a sua afirmação acerca da «grande conquista» dos peões, consubstanciada naquela zona que é sua. O senhor considera mesmo que aquela é uma zona que pertence ao peão? Com o intenso trânsito de veículos, de todo o género, a qualquer hora, o senhor considera que aquilo é uma zona do peão? Olhe, Saloio, aquilo que eu proponho, se bem aplicado, transformaria a HS numa zona que, não tenha a menor dúvida, pertenceria, muito mais do que hoje, ao peão que o meu amigo se considera maior defensor do que o humilde escrevente destas linhas...

O caso da HS é daqueles em que é possível e deve acontecer o compromisso entre o conforto do peão e a «circulação condicionada» de determinados veículos. Não considero que deva abrir-se a rua a todos os veículos. Bem, partamos do princípio que o caso do eléctrico é perfeitamente pacífico. Sem prejuízo de entendimento, fará o favor de ler o que hoje escrevi, na tentativa bem delimitar o perfil do compromisso entre veículos e peões. O senhor já deu a entender que conhece o mundo. Eu também tenho visto não pouca coisa e, portanto, julgo que ambos temos presente o caso de bastantes cidades do centro da Europa - convido-o a não sair deste nosso grande espaço - onde a pedonalização não impediu o acesso dos veículos ligeiros de aluguer, portanto, os vulgares taxis. São esses e tão somente esses - para além dos velocípedes, dos prioritários, dos residentes, dos comerciantes - cuja circulação autorizada eu proporia, a uma velocidade tão reduzida como, no máximo, trinta quilómetros, numa via bem delimitada, com piso adequado, concedendo todas as defesas civilizadas aos peões.

Quando me referi à tríade, tenho em consideração que o tratamento a dar à HS não deve ser entendido como exclusivo, na medida em que a tal solução de compromisso deve estender-se a mais lugares destas três freguesias. Assim o determina, e eu lembrei-o, a tal perspectiva da análise sistémica que, como sabe, manda intervir, não sobre casos isolados, não sobre a célula - e a HS é um caso isolado, é apenas uma célula - mas no quadro da abrangência do tecido compósito que é o espaço urbano com as suas inextricáveis relações, afinidades,analogias e cumplicidades. Não, não estava a pensar em afinidades outras, somente estas e já não são poucas.

Como pensar a HS, isoladamente da Alfredo da Costa e da Volta do Duche? Não há analogias, afinidades, cumplicidades que mereçam tratamento parcial ou totalmente idêntico ao daquele que advogo para a HS - este pequeno eixo de oitenta metros donde partem e onde desaguam relações indissociáveis com os outros membros da tal tríade?

No meu caso, a título de mero exemplo que concretiza esta relação, estou cansado de propor o encerramento ao tráfego da Volta do Duche, precisamente nos termos da circulação condicionada que, mais uma vez - a enésima? - hoje voltei a confirmar... Por mim, falam dezenas de artigos no JS, na Sintra Regional, no blog onde sempre tenho insistido nas intervenções articuladas, na perspectiva integrada de actuações devidamente planificadas a montante.

[Para mim é uma grelha matricial à qual me formatei, há muitos anos, como técnico superior da Administração Pública, onde - ao contrário do que afirmam certos badamecos que para aí andam a chafurdar nas manjedouras do poder - acontecem tão boas coisas, exemplares coisas, cheias de dignidade, como em algumas empresas privadas...]

Sintra não é diferente de outros lugares onde os peões têm direito a tudo quanto se invente para melhorar a sua qualidade de vida, através de acessos adequados à humana escala, em segurança, esteticamente capazes, onde sejam possíveis o encontro com o outro, o saudável convívio de vizinhança, o ócio e o negócio (como escrevi esta manhã)a animação em geral. Qualquer semelhança da actual HS com este programa é pura mentira, caro Saloio. E o que, afinal, eu pretendo é isto mesmo. E isto é possível nos termos do tal «compromisso».

Um grande abraço do


João Cachado

Sintra do avesso disse...

Ainda para Saloio,

Ah, é verdade, então o que me diz o amigo à ideia de pôr a funcionar um Círculo de Estudos? As coisas que para aqui escrevemos, com a sua maior ou menor pertinência, poderiam perfeitamente ser objecto de análise naquela metodologia de abordagem.

Melhores saudações do

João Cachado

Anónimo disse...

Meu caríssimo João Cachado,

Pelo fim começarei esta participação: O círculo de Estudos apresenta-se como uma idéia gira, a explorar, susceptível de recolher sugestões de bom senso e adequadas às situações concretas que vivemos. Pode ter pernas para andar...no entanto, pela experiência que tive como técnico superior em organização e reengenharia, não deixaria de recomendar cautelas perante riscos frequentes de surgirem fundamentalismos.

Voltando ao tema da HS, é verdade que existe algum desrespeito por parte de condutores mal formados, mas fazem-no nas barbas da GNR. Permito-me ainda notar-lhe que, a menos de 30 metros, existe espaço reservado para "Cargas e Descargas", quase sempre usado para estacionamento, que a GNR pouco vê. Aqui está: Cidadãos 2-GNR 0. E se tiver mais alguma paciência para me aturar, pode ver um Sinal de Trânsito que está há nem sei quantos meses tapado com um plástico e a CMS não destapa.

De qualquer forma, tomando em conta as suas palavras, como os veículos em Serviço Local já lá circulam, restariam "os residentes". Mas quais? Os da freguesia? Os de Sintra? Os da HS onde os comerciantes já estão incluídos? E como seria feito o controlo? Por rádio? Por telecomando? Por Chaves especiais?
Ou ficaria permanentemente aberta, sem controlo e ao sabor de quem a quizesse utilizar? Ainda e por que não, os transportes públicos?

Temos uma questão em comum, que é conhecermos espaços onde o respeito leva os cidadãos a cumprirem. Infelizmente, a nossa sociedade não serve de exemplo, apesar de termos tanta gente que é cumpridora.

Sem querer pronunciar-me sobre o que nasceu primeiro se o ovo se a galinha, notarei que há alguns meses uma Associação que há por aí e fala na defesa do património, manifestava-se num jornal local pela abertura da HS ao trânsito, pelo menos num sentido. Achei isso estranho, depois de terem sido recuperados edifícios que estavam tão poluídos por causa...da circulação automóvel.

Portanto, não é de agora a tendência de recuperar a HS para os automóveis.

Quanto à Volta do Duche não poderia estar mais de acordo consigo, embora a reservasse exclusivamente para transportes públicos e prioritários, vá lá, para que fique satisfeito, como em Salzburgo. Aliás, esta é uma medida que pode ser implementada a qualquer momento, sem implicações de maior.

Por último - e a paciência de quem nos lê também se esgota - gostaria de acrescentar que as contestações resultam sempre da falta de decisões para quebrar a inércia. Tivessem a Câmara ou a Junta de Freguesia, ou até os comerciantes locais, desenvolvido actividades prestigiantes para o espaço oferecido na Heliodoro Salgado e agora não haveria a proposta de pôr lá carros a circular.
Com exposições de arte, mostras de artesanato, música permanente no local e tanta, tanta coisa possível, cada vez mais se gostaria de por lá passar. Até agora não soubemos construir o "espírito do lugar", não é verdade?

UM abraço fraterno, com amizade, do que é mesmo Saloio.

Anónimo disse...

Uma ligeira correcção:

Onde se lê Cidadãos 2-GNR 0 é mais exactamente: Cidadãos Mal Formados 2-GNR 0.

O meu pedido de desculpas,