[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008


Que lástima!


Na maior parte dos casos, são técnicos de Educação e professores os meus familiares e amigos que, na casa dos sessenta anos de idade, se reformaram muito recentemente ou estão prestes a fazê-lo, logo que possível.

Esta gente que me é tão próxima, nasceu na década de quarenta, frequentou a faculdade na de sessenta, lutou contra a ditadura, rejubilou em Abril de setenta e quatro e, sempre na Função Pública, ao serviço das crianças e jovens de Portugal, afirma um enorme orgulho por ter servido o país, às vezes em condições muito precárias.

Desde sempre, tinham adquirido o princípio de que o Estado é pessoa de bem. Pois foi necessário chegar ao fim da carreira para perceberem que um Estado Democrático de Direito, governado por um grupo de eleitos nas listas de um Partido que se afirma Socialista e de esquerda, e por independentes que lhe são afectos, pode tratar muito mal quem jamais pensou ser objecto de aviltamento tão sistemático.

Embora haja razões de sobra, não me refiro à quebra unilateral de um contrato de trabalho que fora celebrado na presunção de que, no termo de trinta e seis anos de serviço, a aposentação era possível. Essa é matéria ainda não esgotada, que abrangeu toda a Função Pública, afectando e minando os seus mais profundos alicerces.

No entanto, em boa verdade, não impediu o funcionalismo de responder ao ataque com uma imensa dignidade, aguentando todas as invectivas, não dispensando o natural protesto mas sem jamais pôr em causa a função e o exercício da mesma, assim respeitando e indo ao encontro dos interesses da generalidade dos cidadãos

Não. O que estou a pensar, é, isso sim, na perversa e sistemática perspectiva economicista que, a montante de todas as designadas reformas educativas do Governo Sócrates, põe em causa inequívocos princípios da didáctica e da pedagogia, princípios estes que, independentemente da sua intrínseca generosidade, radicam em investigação científica perante a qual os actuais decisores políticos fazem tábua rasa.

Tais responsáveis políticos, permitem-se desmantelar, alterar importantes componentes do Sistema Educativo - no Ensino Especial que abrange crianças e jovens com necessidades educativas muito específicas, no Ensino Artístico em geral e no da Música em particular, na Avaliação dos docentes, no regime de autonomia dos estabelecimentos de educação e de ensino dos vários níveis, na administração, gestão e direcção da Escola - sem que estejam asseguradas alternativas minimamente equacionadas e credíveis.

Ninguém desconhece ou advoga o imobilismo e/ou que não haja necessidade de verdadeiras mudanças. Mas também ninguém ignora que todo o processo de alteração, afim de mudanças de natureza conjuntural ou estrutural, carece de um tempo de estudo, de assunção, de aplicação e de avaliação que não pode nem deve ser posto em questão por medidas precipitadas, que se articulam com a duração da legislatura e com o calendário eleitoral…

Ministra e Secretários de Estado, acolitados por uma clique bem orquestrada, estão actuando ao arrepio de toda a boa prática que, no respeito e contexto de uma perspectiva sistémica, impediria a concretização de quaisquer alterações ao Sistema sem que se observasse uma estratégia de ataque, enquadramento e solução de todas as consequências decorrentes de tais mexidas.

Este é um governo que tem ofendido muito a gente a quem hoje presto o meu mais sincero, veemente e emocionado tributo. Conheço-os bem. São da minha geração. Deram o seu melhor a uma causa em que acreditaram, actualmente posta em questão por autênticos vendilhões do templo.

Destes meus amigos, alguns há que, em Sintra, em Coimbra, em Viseu, no Porto, já não aguentam mais. E estão a solicitar a passagem à situação de aposentados, mesmo com as pesadas penalizações que terão de suportar. E é belíssima gente, detentora de uma experiência profissional que, em Portugal, o Sistema Educativo se permite o luxo de desperdiçar…

Que lástima! Assim, não vamos lá. Olhem, estou triste, cada vez mais triste com o rumo destas coisas da Educação. Infelizmente, prevejo horas de grande inquietação.

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu estimado amigo,
Esta sua crónica fez-me recuar tanto tempo que lhe perdi a conta.
Fez-me lembrar, com saudade, da minha querida professora da primária, que ternamente chamávamos de "menina Alicinha", mesmo quando nos dava umas boas réguadas (por vezes com a menina dos cinco olhos) ou o ponteiro nos tocava a cabeça.
Era a menina Alicinha tão dedicada à sua vida de professora, que julgo nunca ter casado, porque só tinha olhos para os seus alunos.
Quem passou pelo velho Manuel Bernardes nos anos 40-50 recordará essa Mulher que foi professora de muita crianças de famílias conhecidas.
Para dizer que o princípio da dedicação ao ensino se sobrepôs, na grande maioria dos professores, a outros interesses e opções de vida.
Que maltratados agora! A frieza das decisões que colidem - até - com os princípios de direitos humanos. O vai para aqui ou acolá, a casa às costas, a manutenção excedentária, as desconsiderações por quem os ensinou, como que arrependidos de terem aprendido com eles qualquer coisa, eles os sabichões do templo.
Não sendo católico, mesmo assim não deixo de desejar que Deus proteja estes nossos dirigentes, pelo inferno que têm criado a tantas famílias com professores.
UM abraço,

Sintra do avesso disse...

Caríssimo Fernando Castelo,

Não há pessoa sem um património de histórias como a sua. E não deve haver profissão, como a docente, que, tão indelevelmente, todos os dias, em todos os lugares, continue a ditar as histórias que se agarram à pele das crianças e dos jovens, marcando-os, para o bem e para o mal, para o resto das suas vidas.

É pena que, entre nós, não só os docentes mas também a generalidade dos educadores - e, neste caso, o pessoal não docente das escolas que, igualmente, tão importante é no acompanhamento dos educandos - sejam tão maltratados pelo poder instituído.

Olhe, provavelmente, trata-se de inveja... Se não, repare no seguinte: enquanto a «sua» Alicinha, que já deve ter morrido há dezenas de anos, ainda hoje é recordada pelo «menino» Castelo, um Fernandinho que já vai nos sessenta e tal, esta Ministra, nunca será uma "menina Lurdinhas" mas, isso sim, uma Lurdecas qualquer, que não fará as boas memórias de nenhum menino da escola e, quanto muito, habitará os pesadelos de quem sofre os efeitos da sua inabilidade e tropelias...

Cotejo a sua intenção final, aproveitando para lhe dizer que, enquanto católico, gostaria, hoje e todos os dias, de não ter de perdoar as ofensas que esta gente vai fazendo, comprometendo o futuro de uma comunidade já tão sofrida.

Um grande abraço do

João Cachado