[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Quem diria…

A Sedes – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social - é uma organização cívica, constituída ainda no tempo do antigo regime, em 1970, congregando uma série de figuras de intelectuais, estudiosos das áreas da economia e finanças e das ciências sociais que, ou eram da oposição democrática ou se posicionavam na área mais progressista da Igreja Católica.

Ciclicamente, a Sedes vem a público apresentar o resultado de alguns dos estudos que, felizmente, continua a desenvolver sempre com irrefutável e inequívoca qualidade, em prol da cidadania. Hoje, precisamente, o jornal diário Público concede o seu principal destaque, de primeira página e interior, a um documento cujas conclusões mais não fazem do que resumir o estado de depressão social que o país atravessa.

Ao contrário do que o Primeiro-Ministro, desesperada e falsamente, continua a afirmar, o insuspeito estudo daquela associação cívica vem confirmar que Portugal experimenta um mal-estar difuso (sic) de tal ordem preocupante que, mais cedo ou mais tarde, poderemos estar a braços com uma crise social de contornos difíceis de prever.

Os factores que, mais decisivamente terão contribuído para este statu quo e continuam o seu pernicioso efeito na sociedade portuguesa são a “(...)degradação da confiança no sistema político, sinais de crise nos valores, comunicação social e justiça, criminalidade, insegurança e os exageros cometidos pelo Estado (…)”.

Uma das mais pertinentes afirmações da Sedes relaciona-se com o potencial mas flagrante fracasso da democracia representativa que “(…) criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e às consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas (…)”.

Acerca da corrupção - doença social crónica que, também hoje, será objecto de Lei a aprovar pelo Parlamento, infelizmente, expurgada pelo Partido Socialista dos dispositivos judiciais que, com maior eficácia, permitiriam o seu combate – afirma a Sedes que “(…) É precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança (…)”.

Naturalmente, também os partidos políticos e o Estado, em geral, são visados no sentido de prestarem contas sobre a forma como exercem o poder, alertando para a permanente necessidade de ouvir os cidadãos que não podem deixar de entender “(…) as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito (…)”.

O Documento da Sedes surge num momento em que faltava uma síntese operacional do estado de coisas a que chegámos, com um governo que, ao contrário das recomendações supra, não tem querido ver, ouvir e ler os sinais de mal-estar de um povo que não aguenta mais.

A que nos governa, tenho-o dito e repetido, é uma classe política destituída dos méritos que mais interessariam à gestão da república, classe que, ao contrário da sempre desejável elite, é incapaz de produzir os verdadeiros estadistas que preservam o lastro ideológico e cultural sem o qual a política é coisa desalmada (isto é, sem alma, sem ânimo).

Para estes politiqueiros que nos governam, a quem convém afivelar máscaras condicentes com os óculos cor de rosa, o estudo da Sedes, não tenham dúvidas, vai ser considerado como mais um factor gerador de desânimo popular, a contribuir para a falta de auto-estima, de quem não compreende os superiores propósitos dos iluminados que, em São Bento, cantando e rindo, vão afundando este desgraçado país.

Até agora, apenas vimos, por exemplo, e, só de uma vez, quase duzentas mil pessoas protestando na rua, em manifestação que o governo desvalorizou. Até agora, apenas vimos, por exemplo, um grupo de professores que, no Largo do Rato, se permitiu manifestar, ao Primeiro-Ministro e Secretário-Geral do Partido Socialista, um descontentamento que Sua Excelência logo considerou deslocado e protagonizado por militantes comunistas que tentavam condicionar uma outra força política...

Um dia destes, quando os protestos revestirem força e formas diferentes, estes politiqueiros não poderão dizer que não foram avisados. Aves agoirentas, dirão. Pois, mas não foi só a Sedes. Se bem se lembram, ainda há poucas semanas, nas páginas do Expresso, o General Garcia Leandro, director do Observatório de Segurança, publicava um artigo com idênticas conclusões. E, pelo menos, até prova em contrário, não consta que, quer a digníssima associação cívica quer o militar em questão, não passem de lamentáveis profetas da desgraça.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Dr. Cachado,

Não era preciso a Sedes e o General virem dizer o que todos estamos a viver. A meu ver, a tal crise social não está para vir pois está aí. Ainda hoje que já li o seu post, também ouvi na rádio e na televisão o caso da pobreza das crianças.
Só o Sócrates é que convem dizer o contrário. É capaz de ganhar as eleições do ano que vem, porque o povo que não é sábio, tem o goveerno que merece. Mas não vai ganhar com maioria absoluta e isso é a nossa sorte. Sem maioria absoluta vai ver como ele se encolhe.
Mas a crise está aí e este governo é muito responsável. O problema não é só de agora mas estes teem muita culpa.
É um desabafo. Isto tem que melhorar.
Cumprimentos.

Rosário Peres