[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 5 de março de 2008



Salzburg,
Mozartwoche 2008



A lição de 2008



Mas, tal como ainda é meu propósito, volto ao Mozartwoche 2008, acerca do qual não me embrenharei no detalhe descritivo dos cerca de trinta recitais, concertos de câmara, concertos sinfónicos, coral sinfónicos, missas, conferências, exposições, visionamentos video e sei lá quantos mais eventos que rechearam este festival de Inverno.

Antes de saberem quem e o quê esteve em destaque, considero imprescindível pô-los ao corrente de um facto absolutamente determinante para a história deste festival, já na sua quinquagésima segunda volta, que também passa a constituir exemplo para outros festivais que, eventualmente, se aventurem pelos mesmos terrenos que este decidiu pisar nas últimas edições.

Há uns três anos, a Direcção Artística decidiu investir na integração sistemática de música moderna e contemporânea na programação. Não se tratava de envolver, afinal como tantas vezes fizera, apenas peças de compositores do século vinte da designada Segunda Escola de Viena, Webern ou Schonberg, por exemplo, mas também de Messiaen, Bela Bartók, Lutoslawski, Hindemith ou de autores dos nossos dias, como Jörg Widman, Johannes Maria Staud, Thomas Larcher a quem encomendou obras para estriar durante o Mozartwoche.

Se bem que, constantemente, tivesse havido o sistemático cuidado de preparar um terreno que está cheio de sofisticadas armadilhas, através do recurso aos melhores especialistas, académicos e críticos alemães e austríacos que se encarregaram de fazer palestras de introdução aos concertos – excelentes, posso confirmá-lo já que não devo ter perdido nem uma, durante estes anos – a verdade é que o melómano que procura a Mozartwoche, numa grande percentagem de casos, só com relutância aceitou este figurino.

Enquanto membro da Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg, também eu tive oportunidade de expressar a minha opinião que, com todo o gosto, aqui reproduzo. O que faz com que os mozartianos de todo o mundo demandem Salzburg, em especial, por altura da Mozartwoche, é a busca insaciável dos paradigmas da programação (que recorre apenas aos melhores intérpretes mundiais, concentrando-os na cidade durante quinze dias de glória) e de uma interpretação geralmente considerada como respeitadora dos cânones mais exigentes da linguagem, estilo e demais características específicas da multifacetada obra de Mozart.

Isto que Salzburg supre, há mais de cinquenta anos, isto que nos faz viajar milhares de quilómetros, que sabemos estar ali, ao nosso alcance, pressupõe um quadro mental de atitudes pessoais e de referências que o melómano mozartiano cultiva, a um nível praticamente iniciático já que lhe permite, enquanto adepto eleito e não profano, o acesso a territórios de irrepetível e bem escondida beleza.

Ora bem, a opção da Direcção Artística buliu – e de que maneira!... – com esta moldura de factos adquiridos. Em consequência, pela primeira vez em muitos anos, havia nítidas clareiras de lugares desoladoramente vazios na Grosse Salle do Mozarteum… Já alertados por quanto era previsível vir a acontecer, indícios que estavam a minar a própria coerência, tradições e credibilidade do festival, os responsáveis da Fundação arrepiaram caminho.

Como sempre acontece, já tenho em meu poder o programa do próximo ano e, naturalmente, até já tenho reservados os meus bilhetes. Posso garantir-vos que, em 2009, ano em que se comemora os duzentos anos da morte de Joseph Haydn, compositor que, tão frequentemente, cruzou os seus caminhos com os de Mozart, o Mozartwoche celebra essas afinidades sem quaisquer interferências dos domínios da música mais recente.

Num festival deste calibre, iniciativa em que tudo concorre para a exibição de todos os factores afins das noções de permanência, segurança, previsibilidade; em que o próprio logótipo do festival, os grafismos, a exploração cromática nos vários suportes escrito e audiovisual se mantém com extremo cuidado, qualquer desvio pode ser aquilo que nós costumamos designar como a morte do artista… No entanto, tal não significa que não se corra o risco sempre inerente à Arte em directo.


Aviso:
Notas Diárias dos dias 6 e 7 de Março reproduzirão o artigo que será publicado na próxima edição do Jornal de Sintra.

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