[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 7 de março de 2008





Salzburg, Festival de Inverno
(conclusão)



A nata mozartiana

Já há duas semanas vos tinha informado de que não entraria em detalhes de programação. Hoje ainda gostaria de que ficassem com uma ideia aproximada do escol de intérpretes presentes.

Como sempre, a colaboração de agrupamentos de música de câmara como os Quartetos Artemis, Hagen e Quatuor Ébène, de algumas das consideradas grandes orquestras mundiais, casos da Filarmónica de Viena, com a sua habitual residência traduzida pela concretização de vários concertos, Concentus Musicus de Viena, a Orquestra do Mozarteum de Salzburg, a Camerata Salzburg, a Orquestra Sinfónica da Universidade Mozarteum, a Kremerata Báltica, Les Musiciens du Louvre, Cappella Andrea Barca, e de dois dos mais conhecidos agrupamentos corais austríacos, o Salzburg Bach Chor e Vienna Singverein e os britânicos English Voices.

Quanto à direcção dos referidos agrupamentos, sucederam-se famosos maestros como Nikolaus Harnoncourt, Ivan Fischer, Ivor Bolton, Louis Langrée, Paul McCreesh, Sir Charles Mackerras, Ingo Metzmacher, Marc Minkowski ou Jonathan Nott, todos eles com relevantes ligações a leituras da obra de Mozart.

O artista residente foi o pianista francês Pierre-Laurent Aimard que tem vindo a cimentar uma forte ligação a Salzburg e, em especial ao universo mozartiano. E lá estiveram muitas das grandes vozes masculinas e femininas da actualidade, das quais destacarei os tenores John Mark Ainsley, James Gilchrist, Werner Güra ou Markus Schäfer, os barítonos Matthias Goerne ou Hanno Müller-Brachmann, os sopranos Eva Mei, Christiane Oelze, Miah Persson, Patricia Petibon e os meios-sopranos Vesselina Kasarova, Elisabeth von Magnus ou Anne Sofie von Otter, entre outros que faço a horrível injustiça de omitir.

Entre os vinte e muitos solistas instrumentistas, lembraria as espantosas jovens violinistas Lisa Batiashvili e Patrícia Kopatchinskaja para além dos consagrados Hilary Hahn, Leonidas Kavakos ou Gidon Kremer, os pianistas Rudolf Buchbinder, Elisabeth Leonskaja, András Schiff, Andreas Staier ou Lars Vogt e os violoncelistas Daniel Müller-Schott ou Jean-Ghien Queyras.

Se me perguntarem por alguma revelação absoluta, não terei a menor dúvida em apontar a violinista Patrícia Kopatchinskaja que, na interpretação do Concerto funebre de Karl Amadeus Hartmann, com a Orquestra do Mozarteum de Salzburg, dirigida por Louis Langrée, se revelou senhora de uma desmedida mas poderosa e contida energia, intensidade vibrante, a par de uma musicalidade singular. É um caso fenomenal de alguém que está muito voltada para a música mais recente e que, estou certo, vai dar muito que falar.

Eventos inesquecíveis, os concertos de Les Musiciens du Louvre sob a direcção de Marc Minkowski, com uma interpretação fenomenal e fidelíssima, como eu ainda estava para ouvir, do Don Juan de Gluck; uma prestação ímpar de árias de Betulia liberata, de Lucio Silla e de Ascanio in Alba de Mozart, por Vasselina Kasarova, com a Filarmónica de Viena dirigida por Ivan Fischer, com aquele timbre único, extensão e raríssimo domínio dos registos graves e, referência final ao barítono Matthias Goerne, interpretando árias de várias cantatas de J.S. Bach, entre as quais Ich habe genug, BWV 82, com a Camerata Salzburg dirigida por Paul McCreesh.

A concluir

Em Salzburg, também fiquei a saber duas novidades, que muito prazer me deram, já que se referem a artistas do panorama musical português. Primeiramente, já no próximo dia 4 de Abril, pelas 19,00 horas, no santuário da Grosse Saal do Mozarteum de Salzburg e, no âmbito da iniciativa Dialoge, Menshen Musik, promovida pela Fundação Internacional do Mozarteum, em que a nossa Misia vai apresentar o seu canto de Fado.

A outra, relaciona-se com o 23º Festival Internacional de Música Kissinger Sommer, de 12 de Junho a 13 de Julho, na conhecida estância termal de Bad Kissingen. Lawrence Foster, maestro titular da nossa Orquestra Gulbenkian, é o único entre muito conhecidos dirigentes, que terá oportunidade de conduzir, não um como os demais colegas, mas dois dos dez concertos programados, primeiro com a Orquestra Filarmónica Checa e, mais tarde, outro com a Orquestra da Rádio de Munique.

E, caros leitores, se mais espaço tivesse, o que não poderia eu contar-vos. Dos meus trabalhos na Biblioteca Mozartiana (sempre contando com o privilegiado apoio da directora e minha amiga Geneviève Geffray, que já conhecem de anos anteriores), das conferências, missas, sessões de apresentação e animação de obras literárias, dos visionamentos de gravações vídeo com interpretações de referência, do óptimo teatro que vi, das exposições de artes plásticas nos dois museus de Arte Moderna e Contemporânea, da exaustiva exposição que, no novo edifício da Universidade Mozarteum, acompanhava o simpósio em curso sobre o querido maestro Harnoncourt, das visitas à casa de música Katholnigg da minha outra amiga Astrid Rothauer, dias plenos de informação e enriquecimento espiritual.

Tudo isto para além das indispensáveis caminhadas-dos-seis-quilómetros-numa-hora que, para não comprometerem a apertada sequência dos referidos trabalhos diários, eu fazia logo às seis e meia da manhã, convenientemente agasalhado, mas nunca conseguindo evitar que o ar frio nos olhos, de mais ou menos sete negativos, desencadeasse uma torrente de lágrimas, logo à saída de casa, ao chegar à margem direita do rio Salzach. Enfim, alguma agrura teria de suportar…

2 comentários:

Nes disse...

Continuo a dizer INCRÍVEL!!
Para além da magia toda da música, posso, ainda, ter o contacto com artes variadas!
Cada vez me identifico mais...duvido que me desiluda...espero, sim, é conseguir um bom guia para que nada me escape!

Inês Santos Costa (filha da amiga Fernanda Costa, leitora diária das suas páginas e ex-colega das lides sindicais - STAAE SUL)

Sintra do avesso disse...

Minha cara Inês,

Que bom! Finalmente, mistério desvendado. Acredite que não foi hipótese que eu não tenha equacionado, isto é, de a tal Inês ser quem é...

Dar-me-ia o maior prazer poder ser «o» guia. E não é nada que não possa ser estudado. Mas, atenção, eu nunca vou para Salzburg em tempo de férias e, muito menos no Verão, altura em que os turistas por metro quadrado transformam aquela terra em coisa muito menos sofisticada do que é na realidade.

Olhe, minha querida, quando quiser, pode frequentar estas paragens para obter quaisquer informações que eu possa dispensar acerca de Salzburg. Mas, como deve saber, este que para mim é um destino muito especial, não é tão exclusivo que me impeça outras musicais afeições e afinidades.

Por exemplo, falo-lhe do caso de Wagner. A minha próxima saída será para Bayreuth, por altura do Festival, em Agosto. Repare que é em pleno Verão mas, ao contrário de Salzburg, é a única altura do ano em que é possível gozar toda a plenitude da música do grande mestre. Assistir à Tetralogia - Ouro do Reno, Valquíria, Siegfried e Crepúsculo dos Deuses - é uma experiência cultural tão única que até arrepia... Pois é coisa que vou repetir este ano e ainda assistir a mais uma récita de Os Mestres Cantores. São quinze dias de retiro, em que cultivo uma solidão tão procurada que, até os intervalos das óperas, se transformam em momentos menos capazes se tiver de dar conversa a alguém que me venha quebrar o feitiço...

E há, também no Verão, Edinburg, Aix-en-Provence, Verona, Lugano e Lucerna, em Setembro, já a atirar para Outono, uma coisa estupenda. Na realidade, não sendo viagens de pé descalço, acabam por ser praticáveis para quem conhece os truques. Está claro que, no meu caso, seria incomportável fazer uma vida de turista despreocupado. Não, eu vou numa espartana, de estudante.

Sabe, o meu pai que era homem de posses, foi quem me habituou a estas coisas dos santuários da grande música. Com ele, fui para os melhores hotéis, com todas as mordomias. Hoje, não podendo fazer essa vida, consigo ter os mais sofisticados gozos estéticos que não deixam de ser acessíveis, se o alojamento for relativamente modesto, em lugares onde não há qualquer hipótese de ficar numa espelunca. Percebe, Inês?

Um beijinho para si, para a sua mãe e também um abraço para o mano, do vosso

João Cachado