[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 11 de março de 2008

Cenas de desleixo (I)


Sintra, ontem, segunda-feira, a meio da manhã, em pleno coração da Estefânea, no ponto em a que se encontram as Ruas Câmara Pestana e Adriano Coelho, na Praceta Dr. Francisco Sá Carneiro, dominada pela fachada do edifício onde está instalado o Centro Cultural Olga Cadaval. Estão bem situados? Então, tentem imaginar o que passo a descrever.

O desgraçado condutor dum camion TIR, com um daqueles atrelados de maior tonelagem, da mais conhecida empresa portuguesa de transportes de mercadorias, manobrava desesperadamente, tentando libertar-se da apertada malha-ratoeira em que caíra ao ter acedido a uma zona totalmente vedada a veículos deste porte.

Quando, ao saír de casa, deparei com a cena, a alta trazeira do reboque batia num poste que abanava, abanava, fragilizado pela pancada descomunal de que fora alvo. Entretanto, acumulavam-se os automóveis vindos de Nunes Carvalho, demandando a Correnteza, para se dirigirem à Portela, a Chão de Meninos ou ao centro histórico. Poucos segundos bastaram para se formar uma longa fila de viaturas. Tudo parado. Os basbaques do costume. Os palavrões do costume.

Entretanto, para regularizar o desmando, com grande prontidão, apareceu um agente da GNR que, de imediato, iniciou as atitudes que se impunham. Infelizmente, como sabem os habituais leitores, isto não é coisa rara. Umas vezes são os motoristas de grandes camions de transporte de mercadorias, outras os de autocarros de passageiros, nacionais ou estrangeiros que, na ausência de uma sinalética inequívoca, apropriada, bem colocada, são induzidos em erro para causarem, em dia útil ou fim de semana, os maiores transtornos à circulação.

Cenas congéneres, tenho presenciado em pleno centro histórico. Frequentemente, caminhando pela Volta do Duche, lá vejo passar um camion que fará o inferno uns metros mais adiante ou que, pelo contrário, acabou de se safar de tão espinhosa situação. Estou farto de denunciar a questão. Como não sou o único oficiante de um geral descontentamento, outros têm apontado o problema, com o resultado que se observa: um redondo zero, o desespero de esbarrar numa parede de palavrosas, esfarrapadas e estéreis desculpas, ou o silêncio de desprezo mais absoluto pelos cidadãos que ainda se dão ao trabalho da denúncia cívica.

É o fatídico desleixo que, a montante destas cenas, é responsável pela perda de milhares de horas de trabalho, pelo stresse que atinge um sem número de condutores, por eventuais acidentes decorrentes de tão flagrante falta de cuidado. E há responsáveis nos serviços autárquicos, ao nível técnico e político que, se chamados à pedra, sempre encontrarão um modo de sacudir a água do capote...

Enfim, o desleixo do costume.

(continua)

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro amigo João Cachado,

Começo por lhe dizer, com a tristeza tão grande que me invade, que cada vez sinto mais vergonha do que se está a passar em Sintra. Não por mim, mas por eles, essa gente que já nem autista é, porque arrogantes no esforço que farão para não escutarem as pessoas que, com o melhor espírito de interesse colectivo, ainda se dispõem a lhes escrever e expor os erros ou deficiências, na convicção de que são ouvidos.

Podem não escutar, mas não me vou calar. Podem gozar connosco, mas não nos olharão de cima.

Cenas como a que descreve tenho visto tantas em pleno Centro Histórico. Há tempos, um desses camiões até derrubou 12 pinos em frente ao Parque da Liberdade (dizem que o condutor não ia bem...). Voltei, nessa altura, a referir - directamente - que deveria existir sinalização a proibir certos veículos de circular na zona, pois até na Praça da República se torna difícil a inversão. Nada, meu caro, nada, nem um assessor para esta problemática (espero não estar a ser usado como pretexto para mais um...).

Fosse só esta a vergonha sentida, meu caro, e até lhe daria um abraço por estarmos menos mal.

Também estou farto de eruditas entrevistas que algum dia me tornam catedrático; de promessas que compõem um cardápio riquíssimo para escolha; de lixos, património desrespeitado e degradações de que nem é bom falar.

Começo até a pensar se esta bolsa riquíssima, que ajuda algumas promoções pessoais, não será a única e grande razão para que se mantenha a indivisibilidade do concelho.

Um abraço,

Sintra do avesso disse...

Meu Caríssimo Fernando Castelo,

O que nos vale é o apoio que nos damos mutuamente. Eu não posso estar mais de acordo consigo. O meu amigo tira-me as palavras não sei se da boca se destas mãos que vão carregando nestas teclas, na vã esperança de que me/nos ouçam, leiam e actuem como lhes determina o voto popular que os elegeu.

A veemência com que afirma a vergonha que diz sentir, não por si mas por eles, é precisamente aquilo que eu hoje expressei no segundo texto subordinado ao tema das cenas de desleixo.

E não deixo de pensar que, independentemente da responsabilidade do edil máximo, não tenhamos dúvida de que o senhor vereador cujo pelouro é o das obras municipais tem muitas culpas no cartório.

Há anos que a sede do concelho se afunda, sem que esse senhor tenha qualquer atitude consentânea com as necessidades e características de lugar tão especial. O trânsito é um caos, o estacionamento uma indizível desgraça, uma perfeita anedota a maneira como é tratado o centro histórico, sem estratégia, sem objectivos definidos.

Sintra está a transformar-se e, em muitos casos, já é um desgosto inominável. Aquilo a que se refere como indivisibilidade do concelho, constitui o maior obstáculo à sua governabilidade.

Como sabe o meu amigo, advogo a inequívoca separação desta horrorosa manta de retalhos de tal modo que, promovendo a homogeneidade, a partir das unidades agrupáveis pelas suas afinidades e características, não deixe de se contar com a diversidade incrível que, mesmo assim, ainda é possível considerar nas freguesias que passariam a fazer parte do tal concelho que, por comodidade, costumo designar como Sintra-Sintra.

Estou convencido de que, enquanto isto não acontecer, enquanto este monstro gigantesco não der origem a ois ou três concelhos, nada é possível fazer, mesmo que a equipa de líderes locais fosse de alto gabarito.

Os autarcas de uma Sintra-Sintra, com esta especificidade complexa, compósita, eclética mas coerente, para que a possam gerir, administrar e dirigir em tempo oportuno, não pode estar preocupados com a lógica de lugares que nada têm a ver com este território.

Entretanto, enquanto as coisas não mudarem a nível macro, eu também não vou calar. Poderemos ser as vozes que clamam no deserto. Mas vozes de gente séria, honesta, impoluta, que em nada se confunde com a desses peralvilhos que polulam nos gabinetes em busca de benesses e prebendas.

Sabe o meu amigo como é fácil caír em desânimo. Ainda por cima, meu caro Fernando Castelo, sabendo como nós sabemos que, em muitos dos casos que denunciamos, nem sequer é o problema da falta de recursos financeiros ou humanos que determina a forma atabalhoada como esta gente se permite tratar esta terra.

Anos e anos disto não matam mas...
Será possível tornar mais operacional o clamor da nossa indignação?

Um grande abraço do

João Cachado